Estado restringe acesso a dados da Segurança Pública

Governo alega ?EURoeproteção de informações estratégicas?EUR?, mas limita de 5 a 100 anos dados que permitem fiscalização do órgão

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O Governo do Estado do Rio Grande do Sul criou uma portaria que limita o acesso a dados e informações da Secretaria de Segurança Pública (SSP/RS). Publicada no Diário Oficial do Estado no início do mês, a portaria 127 alega “proteção de informações estratégicas” em 18 tipos de informações e as categoriza em pessoais e sigilosas, com classificações que podem ser ultrassecretas, secretas e reservadas. Os prazos de restrição de acesso vão de cinco a 100 anos e são vistos dentro da portaria como censura por especialista, uma vez que abre margem para que jornalistas e sociedade civil não tenham acesso, por exemplo, a informações que permitam a fiscalização do órgão.


De acordo com a portaria, passam a ser consideradas informações sigilosas e secretas, com prazo máximo de restrição de acesso fixado em até 15 anos, dados prisionais sobre o número de guarda e escoltas de presos, armas e entorpecentes apreendidos, controle e distribuição de efetivo das polícias, informações sobre equipamentos básicos para serviço policial, imagens internas da área de segurança de casas prisionais, plantas de unidades prisionais e documentos e manuais sobre atuação logística operacional e de execução em operações.


A restrição pode abrir margem, por exemplo, para que não se identifique se a polícia de uma determinada localidade atua com coletes balísticos vencidos ou não, se possui viaturas suficientes ou não e se até violações de direitos humanos foram praticadas em casas prisionais – já que há definições genéricas nos dados e informações a serem restritas.


Outro exemplo de possível classificação de sigilo cai sobre os boletins de ocorrências, utilizados por jornalistas no dia a dia da cobertura de Segurança Pública, com restrição de 100 anos para acesso.


A imposição do prazo de sigilo poderá ser dada por diretores, secretário-adjunto e secretário de Segurança Pública, comandante-geral da Brigada Militar, do Corpo de Bombeiros Militar e Instituto Geral de Perícias, chefe de Polícia Civil e diretor-presidente do Departamento Estadual de Trânsito para informações de grau “reservado”, e apenas pelo secretário da SSP nas informações ultrassecretas, secretas e reservadas.


RETROCESSO


Criada em 2011, a Lei de Acesso a Informações (LAI) regulamentou o direito, previsto na Constituição, de solicitar e receber informações de caráter público, e já prevê que certos tipos de informações são passíveis de classificação quando comprometem atividades de inteligência, investigação ou fiscalização em andamento, tendo acesso restrito de cinco anos, para reservadas, 15 anos, quando secretas, e 25 anos, quando ultrassecretas.


Para Marina Atoji, gerente-executiva da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e secretária-executiva do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, a portaria é um atraso nas práticas de transparência e pode abrir possibilidades para excessos na classificação do que são dados sigilosos. “Mais do que censura, é contrário à Lei de Acesso a Informações e ao princípio constitucional da publicidade”, defende. “E fato de ser um recuo em relação a uma prática anterior de transparência torna a coisa ainda mais grave, especialmente considerando a ausência de justificativa para essa mudança de postura.”


São questionáveis, segundo Marina, as informações que possibilitam abuso do sigilo, como “assuntos prisionais”, que não estão especificadas, boletins de ocorrência e histórico, podendo impedir auditorias de dados sobre criminalidade e deixar a sociedade dependente da palavra do gestor público, e restringir o acesso a normas, instruções, manuais e documentos – mesmo não estratégicos. Isso, conforme Marina, viola o direito ao controle social: de verificar se a polícia está agindo ou não dentro das regras.


“Ao permitir que sejam colocadas sob sigilo até informações genéricas sobre distribuição de efetivo e equipamentos, além de normas e instruções para procedimentos padrão, a Secretaria de Segurança Pública impede que jornalistas exerçam uma de suas principais funções: o controle social das ações públicas em segurança”, avalia, pontuando os impactos que a desinformação pode causar na democracia. “Todos perdemos quando o acesso a informações de interesse público é cerceado. Sem a possibilidade de exercer a fiscalização do poder público, a sociedade fica incapacitada de avaliar e cobrar os gestores de forma objetiva. Os problemas e até mesmo as melhorias ficam invisíveis, e a gestão pública fica a reboque de interesses particulares. Uma democracia em que o acesso a informações é restrito é uma democracia incompleta, sem um de seus pilares.”

 

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