O Rio Grande do Sul encerrou o segundo mês de 2020 com 66 homicídios a menos do que no mesmo período do ano passado. O acumulado de 314 assassinatos entre janeiro e fevereiro é o menor para o 1º bimestre desde 2011, quando a soma foi de 301 vítimas, e também representa queda de 17,4% na comparação com os 380 óbitos registrados em igual intervalo de 2019.
A análise dos indicadores criminais monitorados pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) mostra que o foco territorial adotado pelo programa RS Seguro segue puxando as reduções verificadas ao longo de todo o ano passado.
Do total de homicídios que deixaram de ocorrer no Estado, 90,9% (60) se concentraram nos 18 municípios priorizados – dado que reflete a estratégia de centrar forças para o combate ao crime onde mais ocorre.
Implantando em fevereiro de 2019, o RS Seguro completou 12 meses consecutivos de reduções no número de vítimas de homicídio no conjunto de 18 cidades que, nos últimos 10 anos, concentravam os maiores índices de criminalidade violenta. Na comparação entre fevereiro do ano anterior e do atual, a queda foi de 7%, passando de 99 vítimas para 89.
Também houve leve redução na soma de latrocínios no Rio Grande do Sul. De 13 ocorrências de roubo com morte contabilizadas no primeiro bimestre de 2019, o indicador baixou para 12 neste ano, o que equivale a 7,7% de retração e representa o menor acumulado desde 2012, que teve 11 casos.
Em Porto Alegre, que integra o grupo de cidades sob atenção especial do RS Seguro, o acumulado de homicídios nos dois primeiros meses do ano também registra queda. A soma de 52 vítimas é 24,6% menor do que as 69 registradas entre janeiro e fevereiro de 2019.
Operação Angico e ações regionalizadas
geram queda de 45% nos ataques a banco
O primeiro bimestre também fechou com reduções expressivas nos indicadores de crimes contra o patrimônio. Depois encerrar o ano passado com quase 5 mil roubos de veículos a menos do que em 2018, o Estado mantém a retração, com 1.797 ocorrências nos dois meses iniciais de 2020, 22,2% abaixo das 2.309 de igual período de 2019. Foram 512 carros que deixaram de ser levados por assaltantes no Rio Grande do Sul, mais da metade em Porto Alegre, onde os roubos de veículo, na mesma comparação, baixaram de 1.040 para 737.
Outro destaque é a diminuição dos ataques a transporte coletivo. Somadas as ocorrências envolvendo passageiros e profissionais que trabalham em ônibus e lotações no Estado, houve 208 roubos entre janeiro e fevereiro, queda 43% em relação aos 365 registros do primeiro bimestre do ano passado. A capital respondeu por um terço dessa redução, com os ataques a coletivos baixando de 148 para 94 (-36,5%) na mesma comparação.
Queda ainda mais acentuada foi verificada nos ataques a banco. Considerando a soma de roubos e furtos a estabelecimentos bancários no Rio Grande do Sul, a redução chegou a 45,5%, baixando de 22 ocorrências entre janeiro e fevereiro do ano passado para 12 no primeiro bimestre de 2020. Na capital, onde haviam sido registrados seis ataques a banco nos dois primeiros meses de 2019, o indicador foi zerado neste ano, sem qualquer episódio de furto ou roubo à instituição financeira.
Um dos principais fatores para a retração quase pela metade dos delitos contra bancos no RS é a Operação Angico, ação desenvolvida pela Brigada Militar com a análise de dados de inteligência para antecipar e reprimir a ação de criminosos e quadrilhas especializadas nesse tipo de crime.
A ofensiva está estruturada em três estratégias principais: fiscalização ativa para evitar desvios, furtos e roubos de explosivos; mobilizações focadas em prisões de assaltantes e utilização de efetivo especializado com suporte da inteligência.
Foi o trabalho da Operação Angico que permitiu à Brigada evitar o roubo de duas agências bancárias no município de Paraí, na Serra, na madrugada do dia 6 de março. Fortemente armada, a quadrilha chegou ao local em dois veículos, sendo um deles em situação de roubo e que se encontrava com as placas clonadas. Quando davam início ao roubo, os ladrões foram surpreendidos pela Brigada Militar, que montou um cerco próximo às agências. A quadrilha não aceitou a ordem para rendição e disparou contra os policiais. Na troca de tiros, os sete criminosos envolvidos no assalto acabaram mortos. Nenhum brigadiano ficou ferido.
Ainda na noite anterior ao ataque, a BM já havia levantado informações referentes à tentativa de roubo. A partir disso, houve a comunicação entre as agências de inteligência, sendo reforçado o policiamento ostensivo na região alvo dos bandidos, o que possibilitou a pronta resposta.
A reação rápida também reflete o planejamento estratégico da SSP na distribuição dos 2 mil policiais militares que ingressaram em agosto do ano passado, garantindo efetivo mínimo de cinco brigadianos em todos os 497 municípios do Estado, além da priorização de reforço às unidades de pronto emprego regionalizado e a criação de dois novos Batalhões de Polícia de Choque (BP Choque), em Caxias do Sul e Pelotas. O 4º BP Choque, de Caxias, foi fundamental para o cerco em Paraí.
Operação Império da Lei transferiu criminosos
para conter disputas que resultam em homicídios
Enquanto nos acumulados os resultados seguem positivos, alguns dos dados isolados de fevereiro refletem a dimensão do desafio encarado pelo Estado para reduzir ainda mais os indicadores a partir da baixa base de comparação do primeiro ano de governo, que encerrou com os menores índices de criminalidade da última década.
O número de vítimas de homicídio no segundo mês de 2020, por exemplo, fechou com 16 mortes a mais (10,6%) do que em fevereiro de 2019, passando de 151 para 167 óbitos. Cinco desses assassinatos ocorreram no dia acrescido ao calendário em ano bissexto – descontados os registros do dia 29, a variação seria de 7,3%.
Na capital, o total de vítimas de homicídio em fevereiro passou de 23 para 28 (21,7%), sendo um assassinato no dia extra do mês em 2020 – deduzido esse registro, a variação ficaria em 17,4%.
Entre os latrocínios, o número de ocorrências em fevereiro no RS foi de cinco, em 2019, para seis (20%), este ano. Na capital, que não teve roubo com morte no segundo mês do ano anterior, houve um caso no mês passado.
O estudo sistemático e mensal dos indicadores criminais, realizado pela Gestão de Estatística em Segurança (Geseg), identificou que três quartos dos homicídios que ainda ocorrem no Estado têm origem nas disputas entre organizações criminosas e, não raro, são ordenados por criminosos que mantém influência sobre seus bandos mesmo já estando presos.
Para desarticular a cadeia de comando e enfraquecer a atuação dessas quadrilhas, além de reestruturar o rigor da aplicação penal no sistema carcerário gaúcho, a SSP e a Secretaria da Administração Penintenciária (Seapen) deflagraram no dia 3 de março a Operação Império da Lei.
A ofensiva, que efetivou a transferência de 18 líderes de organizações criminosas para penitenciárias federais fora do RS, contou com a participação de 15 instituições do Estado e da União. Com o emprego de sete aeronaves – seis helicópteros e um avião –, além de 300 viaturas e o envolvimento de 1,3 mil agentes de segurança, a Império da Lei foi mais ampla ação desenvolvida pelo RS Seguro para combate à criminalidade e consolidou a premissa de integração que orienta o programa, ao lado da inteligência e do investimento qualificado.
Para o período pós-transferência, a Império da Lei reforçou o patrulhamento ostensivo em pontos estratégicos levantados pela área de inteligência da operação, em especial nas regiões de atuação dos líderes criminosos alvo da ofensiva. A expectativa é de que a presença policial intensificada, por meio do emprego tropas dos BP Choques da capital e do Interior e de forças táticas para a realização de abordagens e barreiras nos locais elencados, contribua para reverter a leve alta de homicídios verificada no recorte isolado de fevereiro.
Conscientização e análise científica de dados
para enfrentar a alta na violência contra a mulher
Os indicadores criminais contabilizados pela SSP no período que antecedeu o Dia Internacional da Mulher, celebrado no dia 8 de março, reforçam a necessidade de engajamento da sociedade para reverter o preocupante quadro de violência e discriminação do público feminino no Rio Grande do Sul.
No primeiro bimestre de 2020 foram registrados 15 feminicídios, quase quatro vezes mais do que os quatro casos ocorridos em igual período do ano anterior. Somente em fevereiro, o número de mulheres vítimas de assassinato motivado por ódio de gênero passou de uma, em 2019, para cinco, no mês passado.
Na comparação de acumulados entre janeiro e fevereiro do ano anterior e do atual, houve retrações de 10,4% entre as tentativas de feminicídio (de 67 para 60), de 4,7% nos estupros (de 316 para 301) e de 1% nos casos de ameaça (de 6.979 para 6.907). Por outro lado, as ocorrências de lesão corporal aumentaram 4,5%, de 3.936 para 4.114.
Além da alta nos feminicídios, a análise isolada dos dados de fevereiro mostra elevação nos outros quatro indicadores monitorados pela secretaria. Aumentaram as ocorrências de ameaça (2,1%), lesão corporal (8,7%), estupro (9,8%) e tentativa de feminicídio (21,7%). Embora os índices reflitam em parte a ampliação das notificações, com maior disposição e suporte das mulheres em romperam o silêncio imposto pelo ciclo de violência, os números também evidenciam a urgência de a sociedade promover uma mudança estrutural de cultura, que rejeite o machismo e promova o respeito e a igualdade entre gêneros como base de todas as relações.
Somado ao incremento estrutural da rede de apoio à mulher na Segurança Pública, com a ampliação do número de Patrulhas Maria da Penha da Brigada Militar e a criação de uma nova Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), em São Leopoldo, o Estado está investindo em pesquisas que auxiliem na elaboração de políticas públicas com foco nos cenários mais problemáticos.
Estudo da Polícia Civil, com base nos dados compilados ao longo de todo o ano passado pelo Observatório Estadual da Segurança Pública, identificou que apenas quatro das 97 vítimas de feminicídio no RS em 2019 contavam com medida protetiva de urgência (MPU), o que indica a necessidade de reforçar os incentivos para que as mulheres busquem o auxílio das autoridades antes que não seja mais possível adotar ações preventivas.
O levantamento também revelou que 71% dos crimes de feminicídio do ano passado foram cometidos na residência da vítima ou do agressor, o que evidencia a dificuldade de antecipar situações de risco e a necessidade de conscientização no âmbito familiar, para que parentes e pessoas próximas ajudem as mulheres a buscar a ajuda. “Está aí o nosso grande desafio. A Segurança Pública sozinha não vai reduzir os indicadores de feminicídio. O alerta é o da necessidade de a sociedade e, em especial, da família se envolver no combate à violência, que na maioria das vezes está dentro de casa, onde temos menor acesso”, afirmou a chefe da Polícia Civil, delegada Nadine Anflor.
Ao analisar o perfil das 91 vítimas sobre as quais havia informações (em seis caso, ainda há lacunas quanto à identificação), o estudo também verificou que a maioria é branca (86%), da faixa etária entre 21 e 60 anos (72%), e tem apenas o Ensino Fundamental (57%).
Entre os agressores, o perfil preponderante também é de brancos (74%), com baixa escolaridade (47%) e com idades entre 21 e 60 anos (79%). A partir desses e de outros dados do levantamento, como a utilização de armas brancas (36%) e de fogo (35%) na maior parte do feminicídios avaliados, a Polícia Civil vai trabalhar na construção de estratégias preventivas e repressivas focadas nos grupos de maior risco.
Os dados foram divulgados na semana passada, após a deflagração da Operação Marias, ofensiva nacional de combate à violência contra a mulher, coordenada pelo Conselho Nacional de Chefes de Polícia (CONCPC). No RS, houve a prisão de 58 suspeitos de agressão e a apreensão de 32 armas de fogo. A mobilização contou com 469 policiais e 155 viaturas das 23 Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (Deam) e de outras 61 delegacias de polícia do Estado.
Um avanço importante é a entrada em vigor da Lei Federal 13.931/2019, que torna obrigatória aos hospitais das redes pública e privada a notificação compulsória aos órgãos de polícia dos atendimentos em que sejam identificados indícios ou comprovação de violência doméstica. Dessa forma, os órgãos de segurança poderão adotar medidas logo nos primeiros episódios de agressão, evitando o agravamento do risco às vítimas. A chefia da Polícia Civil já está trabalhando com a Secretaria da Saúde do Estado para estabelecer um protocolo de ação para o cumprimento dessa determinação legal.
Para incentivar às denúncias e qualificar a estrutura de recepção às vítimas, a Polícia Civil segue ampliando o projeto Sala das Margaridas. Os espaços reservados para acolhimento individualizado nas Delegacias de Polícia de Pronto Atendimento (DPPAs) ampliam o atendimento especializado de amparo às mulheres para relatarem suas experiências. Com a inauguração da Sala das Margaridas de Campo Bom, nesta quarta-feira (11), o Estado já conta com unidades em 11 cidades.
Em paralelo, o Observatório Estadual também tem apostado em pesquisas que ajudem a mapear a distribuição e a frequência dos assassinatos de mulheres em razão do gênero no RS. Inicialmente, o órgão está investigando, caso por caso, as características dos envolvidos em tentativas de feminicídio em janeiro de 2020, de forma a identificar padrões que auxiliem na predição de ocorrências futuras.
Em outra frente, a Divisão de Proteção à Mulher (Dipam), do Departamento de Proteção à Grupos Vulneráveis (DPGV) da Polícia Civil, está finalizando a elaboração da normativa estadual para implantação no RS do Protocolo Latino-Americano de Investigação de Mortes Violentas de Mulheres em Razão do Gênero.
A adoção dessa sistemática com parâmetros internacionais, a ser colocada em prática nos próximos meses, permitirá qualificar e padronizar a classificação, o atendimento desde o local de crime e todas as fases da persecução penal de feminicídios.