O Ministério Público, por meio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Passo Fundo, investiga a atuação de quadrilhas com raízes no município e especializadas em aplicar o golpe do bilhete premiado. Mais de 40 pessoas já foram denunciadas entre 2019 e 2020. Em uma das denúncias, oferecida em fevereiro, 13 homens e quatro mulheres se tornaram réus por promoverem, constituírem, financiarem e integrarem organização criminosa voltada à prática de crimes de estelionato e lavagem de dinheiro na cidade e em outros municípios gaúchos. Os crimes foram cometidos entre 2013 e 2019.
Conforme o promotor de Justiça Diego Mendes de Lima, este grupo teve origem em 2013, quando uma das acusadas aplicava o golpe em parceria com sua mãe. Percebendo que os ilícitos estavam gerando frutos, intensificou sua atuação e começou a agir em conluio com outros golpistas. Formou-se, então, uma rede organizada de criminosos que possibilitou a expansão da prática, inclusive, para outros estados, embora o foco continuasse sendo, preferencialmente, o interior do Rio Grande do Sul. “São pessoas vinculadas a Passo Fundo, mas que estão cometendo estelionato em Santa Catarina, Paraná e cidades da fronteira. Tiveram de expandir o território porque estavam muito conhecidas aqui na região. Inclusive, estão comprando bens em outros lugares”, detalha o promotor.
Diante do êxito obtido na prática dos crimes patrimoniais, surgiu a necessidade de incrementar a estrutura criando mecanismos que ofertasse uma vida de conforto e ostentação, mas evitando o rastreamento do dinheiro e dos bens. Para tanto, a acusada e sua mãe uniram-se a mais pessoas que, ciente dos fatos, disponibilizaram-se, permanentemente, a “emprestar” seus nomes para que fossem registrados bens e valores. "Todos tinham conhecimento de que estelionatos seriam cometidos. A organização passou a funcionar de maneira automática, com cada um dos membros sabendo, previamente, qual era seu papel dentro do contexto geral", comenta o promotor.
Os integrantes da organização faziam transferências bancárias, adquiriam veículos automotores de alto valor compravam e realizavam benfeitorias em imóveis utilizando o dinheiro dos crimes, mas não documentavam na forma prevista em lei. Na prática, os proprietários dos bens eram duas pessoas, mas os documentos que materializavam as transações eram feitos em nomes dos demais réus, justamente para que não se descobrisse que o patrimônio dos autores dos delitos estava crescendo na mesma velocidade com que os criminosos faziam novas vítimas.
Dezenas de pessoas ainda são investigadas e está previsto o ajuizamento de inúmeras denúncias nos próximos meses. Também estão sendo adotadas medidas diretas sobre o patrimônio dos criminosos, inclusive em parceria com autoridades de outros estados.
O golpe
A prática é antiga e consiste em uma simulação teatral que envolve diversos integrantes do grupo. Na modalidade mais comum, um estelionatário, se passando por uma pessoa humilde, com roupas simples, aborda a vítima, geralmente alguém idoso que aparenta boas condições financeiras. O golpista pergunta onde tem uma agência da Caixa e mostra um bilhete supostamente premiado. Neste momento, se aproxima um segundo estelionatário. Este é comunicativo e sempre está bem vestido. Às vezes, se apresenta como advogado ou médico. Ele se propõe a auxiliar o golpista humilde e simula uma ligação para o banco utilizando o viva voz do telefone celular.
O terceiro integrante da quadrilha, fingindo ser bancário, atende a ligação e informa, como sendo os números sorteados para o prêmio, os mesmos que constam no falso bilhete. O falso bancário também detalha o valor e qual documentação é preciso apresentar para poder sacar o prêmio. Neste momento, o golpista que segura o bilhete diz à vítima e ao comparsa bem vestido que não possui a documentação e pede uma quantia em dinheiro para ambos em troca do bilhete premiado. O estelionatário, que se propõe a ajudar, entrega um maço de papéis com notas verdadeiras somente nas bordas. O crime é concretizado quando a vítima também se propõe a ajudar sacando e entregando o dinheiro à quadrilha pensando que o bilhete tem algum valor financeiro.
Para ser colocado em prática, o golpe exige que o discurso dos criminosos esteja em sintonia para ludibriar as vítimas. Os membros dessas organizações viajam juntos, aplicam os golpes, dividem os lucros e retornam para suas residências, onde ficam esperando um novo chamado para repetir a ação. Para dificultar os reconhecimentos, se revezam, atuando com comparsas diferentes, mas sempre ligados a mesma organização.