Procedimento essencial para diminuir a propagação da covid-19, o isolamento social durante a pandemia também teve seus reflexos nas notificações de violência infantojuvenil no Rio Grande do Sul. Nos meses de março e abril de 2020, quando o Estado alcançava os seus mais altos índices de isolamento social, houve queda de 54% na taxa de notificações desse tipo de violência, comparado a igual período de 2019.
A redução foi constatada em estudo realizado por um grupo de pesquisadores da Imed, UFPel e Unisinos, a partir de dados obtidos no portal BI Saúde. A análise considerou dados de 2015 a 2020, referentes a violência em indivíduos de 0 a 19 anos, nos meses de março e abril de cada ano. Ao todo, foram analisadas 7.718 notificações. Enquanto março e abril de 2019 registraram, respectivamente, 838 e 1.007 notificações de violência infantil, nos mesmos meses de 2020 o número de notificações caiu para 487 e 354 notificações.
Um dos responsáveis pelo estudo, o professor da Imed e doutor em Psicologia Jean Von Hohendorff atenta para a importância de interpretar os números com cuidado. “Em um primeiro momento, alguém pode olhar para os números e pensar que houve redução na violência, mas, muito pelo contrário, durante o isolamento muitas crianças e adolescentes ficaram mais expostos, por conta da convivência por mais tempo com potenciais agressores”, observa. Além dele, assinam o estudo Mateus Luz Levandowski, Douglas Nunes Stahnke, Tiago N. Munhoz e Roberta Salvador-Silva.
A situação é preocupante, uma vez que a identificação e o encaminhamento dos casos de violência, muitas vezes, ocorrem no ambiente escolar. Com a permanência em casa e o convívio restrito ao grupo familiar, tanto a identificação da violência como a busca por ajuda tornaram-se mais difíceis. Além disso, os períodos de crise apontam para um aumento do número real de casos de violência, o que alerta para o problema das subnotificações.
“Nosso estudo revelou complicadores adicionais para o debate público sobre as estratégias de prevenção e notificação de maus-tratos infantis durante a pandemia de Covid-19. Esses resultados devem ser considerados na formulação de políticas públicas, pois outras crises globais podem ainda surgir”, acrescenta Mateus.
Alternativas
Dados do relatório de 2017 do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estimam que 300 milhões de crianças no mundo são regularmente submetidas à violência física ou psicológica dentro da própria casa. No Brasil, de acordo com números do Ministério da Saúde, em 2018, 80% dos casos de violência contra crianças e adolescentes aconteceram dentro de casa perpetrados por pais ou cuidadores.
Entre as medidas para enfrentamento à violência infantojuvenil propostas a partir do estudo, estão:
• investimento constante no aperfeiçoamento dos serviços da rede de proteção;
• capacitação profissional para a identificação de casos de violência e para a realização da notificação;
• articulação e execução de ações e estratégias entre diferentes níveis e esferas de governo e sociedade civil organizada;
• acesso digital e online a informações e à rede especializada de cuidado;
• capacitar equipes de Saúde da Família, responsáveis por realizar visitas domiciliares às famílias, para a identificação e encaminhamento de casos suspeitos;
• adaptação e expansão dos serviços de proteção como os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS e CREAS), além dos abrigos para aquelas em situação de violência;
• ampliação dos canais de notificação e monitoramento à distância;
• fortalecimento, capacitação e ampliação do quadro de trabalhadores especializados nos setores saúde, assistência social e segurança pública.