As forças de segurança da região seguem monitorando a situação na reserva indígena da Serrinha, localizada em Ronda Alta. No sábado (16), um confronto provocou a morte de pelo menos dois índios, Bruno Batista e Lucas Caetano, e deixou vários feridos. As vítimas fazem parte do grupo de oposição ao atual cacique Marciano Claudino.
Desde o conflito, a Brigada Militar permanece na região. Segundo o comandante do 38º BPM, Major Juliano Moura, os policiais estão em alerta para evitar que novos conflitos aconteçam. Ele lembrou que a reserva, com aproximadamente 12 mil hectares e uma população de 1.760 pessoas, tem um histórico de conflitos. “Grande parte deles acontecem no município de Ronda Alta, onde há um maior número de casas”. Além de Ronda Alta, a reserva também ocupa áreas dos municípios de Constantina, Engenho Velho e Três Palmeiras. A situação vem sendo acompanhada pela Polícia Federal, Ministério Público Federal e a Secretaria de Segurança Pública.
O Ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública autorizou o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em apoio à Polícia Federal na Terra Indígena Serrinha, no Estado do Rio Grande do Sul, nas atividades e nos serviços imprescindíveis à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Tensão se arrasta há 18 meses
Relatos revelam que a tensão na reserva se arrasta há pelo menos 18 meses. Ao se autoproclamar cacique, Claudino gerou insatisfação em relação aos usos e costumes dos indígenas na escolha de uma liderança.
Umas das contestações do grupo dissidente está relacionado ao arrendamento de terras. “Isso gera uma concentração de terras. Pelo menos 59% das famílias da Reserva não têm terras. Estão sobrevivendo do artesanato. Outro questionamento diz respeito a fiscalização do plantio das terras. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre Funai e Ministério Público Federal previa o desenvolvimento de projetos sustentáveis, o que não aconteceu. “Só tem soja lá. Quem denunciou essas irregularidades são as famílias expulsas. Não é uma briga pela liderança, é um problema do agronegócio dentro das terras indígenas. As instituições precisam cobrar providências” disse uma indígena que não quis se identificar.
Irmãos mortos em dois episódios
Desde julho do ano passado, quando a nova liderança assumiu a Serrinha, a Reserva vem registrando diversos episódios de violência. O mais grave deles, até então, havia sido em abril deste ano, quando quatro índios, três homens e uma mulher, morreram queimados dentro da cadeia existente na aldeia. Entre as vítimas estava Ismael Batista, irmão de Bruno Batista, morto no ataque de sábado.
Pedido de socorro
No mês passado, o grupo ameaçado realizou um protesto em frente ao prédio do Ministério Público Federal de Passo Fundo, pedindo por segurança dentro da reserva.
A situação se agravou nos últimos dias. “Na quarta-feira, eles avisaram de que iriam expulsar as famílias. O pessoal ficou acampado na beira da rodovia”, contou um indígena, que pediu para não se identificar por medo de represálias.
Ataque
O ataque de sábado aconteceu quando o grupo, expulso da Reserva, se organizava na localidade de Setor Alto recreio para iniciar um protesto na RS 324. “Nossa intenção era chamar a atenção das autoridades pela situação dessas famílias. Estamos na beira da rodovia, sem roupa, sem comida. Eram cerca de 40 homens. Chegaram atirando e ordenando para matar todo mundo. Consegui escapar porque fui rastejando pela lavoura até o mato”, conta um integrante do grupo, que pediu para não ser identificado.
Versão do cacique
Em entrevista a Rádio Máxima FM,de Ronda Alta, o cacique Márcio Claudino, disse ter sofrido uma emboscada. Ele contou que, juntamente com mais três pessoas, havia deixado a aldeia em uma caminhonete Hilux, em direção a Ronda Alta, quando na localidade de Engenho Velho, o veículo teria sido atingido por vários disparos. Ainda conforme a versão do cacique, assim que souberam do ataque, aliados da liderança foram até o local enfrentar os autores do ataque. A reportagem do ON tentou contato com o cacique Claudino mas não obteve êxito.
Grupo nega emboscada
Uma das indígenas que estava no protesto definiu o ataque como “cruel”. “Chegaram em vários carros, trazendo índios de outras aldeias, com pedaços de paus e armas de fogo, que não é coisa da nossa cultura. Curioso que a caminhonete estava cheia de gente e ninguém foi atingido”, declarou um indígena. O caso está sendo investigado pela Polícia Federal de Passo Fundo.
Organizações denunciam violência na Reserva
Após o conflito de sábado, a Organização Indígena Instituto Kaingáng – INKA, lançou uma nota repudiando atos de violência física, cárcere privado, intimidações, tortura, morte e toda a forma de opressão contra velhos, crianças, mulheres e homens indígenas do povo Kaingáng, moradores da Terra Indígena Serrinha (RS) onde está localizada a sede do INKA há quase 20 anos. A nota diz que dentre os indígenas expulsos da reserva estão os membros da direção do Instituto, educadores e uma anciã do povo Kaingáng, que participou ativamente da retomada de Serrinha e que reivindica na justiça a concessão de medida de segurança a fim de retirar móveis e pertences pessoais, bem como da Organização Indígena.
O instituto denunciou que na última quarta-feira (13), três indígenas que integram projetos educativos do INKA sofreram agressões físicas, tendo sua liberdade privada, sofrendo espancamentos nas conhecidas “cadeias”, eles foram presos no banheiro do ginásio da aldeia, usado como cárcere. E ao contrário do que é propagado por lideranças internas, tais ações não fazem parte da cultura Kaingáng.
Conselho Indigenista
O Conselho Indigenista Missionário também divulgou uma nota onde denuncia práticas criminosas de arrendamentos de terras indígenas que desencadearam, nos últimos meses, uma série de violências em áreas Kaingang no Rio Grande do Sul. “É chegado o momento de se reverter o quadro perverso de esbulho e violência e começar a identificar e processar os que se beneficiam da produção de soja transgênica dentro das áreas indígenas”, diz a nota.