Kátia Pacheco Siqueira foi a primeira vítima ouvida em plenário e falou por mais de 4 horas. Na época, ela trabalhava na cozinha e no bar da boate. Em razão do incêndio, teve 40% do corpo queimado e precisou passar por cinco cirurgias de enxerto de pele e diversas cirurgias reparativas.
A vítima também foi submetida a tratamento psicológico e psiquiátrico, chegou a parar de assistir televisão e evitava falar sobre a tragédia. “Quando me perguntavam o que eram as queimaduras no braço, eu dizia que foi só um acidente. Só queria esquecer o que aconteceu”. Hoje, grávida, Kátia disse ainda se incomodar em recordar do fato. “Minha filha está sentindo todo o sofrimento que estou revivendo. Neste momento, estou mais preocupada com ela do que comigo”.
O Juiz Orlando Faccini Neto foi o primeiro a fazer perguntas. Ela contou que, na época em que trabalhava na Kiss, tinha contato apenas com a irmã de Elissandro Callegaro Spohr e trabalhava no local entre quinta-feira e sábado. Conforme a vítima, quando não tinha movimento, a casa recebia em torno de 300 pessoas; e quando estava lotada, “não podia andar lá dentro”. Elissandro sempre estava presente nas festas.
Na noite do incêndio, 27/01/13, a boate estava lotada e Kátia trabalhava na cozinha. De repente, faltou luz e ela não sabia o que estava acontecendo, pois algumas pessoas gritavam que era briga. Quando viu que era fogo, respirou fundo, tentou sair, mas as pessoas se empurravam desorientadas. “Tinha gente imaginando que a porta do banheiro era a porta da saída”. Kátia desmaiou e quando acordou, pediu ajuda. “Tentaram me puxar e não conseguiram. Agarrei nas pernas de uma das pessoas. Foi quando fizeram força para me puxar”, relatou.
Quando conseguiu sair da boate, Kátia foi encaminhada para o hospital. Apesar de, aparentemente, se sentir bem, começou a sentir falta de ar, desmaiou e acordou 21 dias depois em um hospital em Porto Alegre. Chegou a ser entubada. Ela conseguiu se recuperar e recebeu alta 46 dias depois.
Kátia relatou ao Juiz que a Kiss contava com apenas uma saída e barras de ferro por toda a boate para fazer a divisão dos setores, inclusive, na saída. Havia também luzes de emergência, mas ela não se recorda se indicavam a saída.
O Ministério Público usou uma maquete digital onde a vítima pode detalhar sobre ambientes e fatos ocorridos em cada um naquela noite. Ela contou à Promotora de Justiça que a orientação da casa era só deixar sair se fosse paga a comanda.
Afirmou que a política da casa era que “quanto mais gente, melhor” e que esse era um fator que contava para que os frequentadores considerassem a festa boa. Que o máximo que soube de lotação lá foi de 1,2 mil pessoas. Contou também que eram frequentes os shows pirotécnicos nas apresentações musicais da Kiss. Disse que nunca recebeu treinamento de evacuação do local para casos de emergência nos 6 meses em que trabalhou lá.
Falou ainda que muitas pessoas achavam que a porta do banheiro era a saída e, por isso, tantas vítimas fatais foram encontradas naquele lugar. Disse que era difícil sair da boate para quem não conhecia o local. E relatou também que a boate havia passado por obras para elevação do piso e do palco.
A defesa de Elissandro disse que, em depoimento, a esposa do réu afirmou que foi ele quem retirou Kátia da boate. A vítima informou não recordar esse fato. Foi perguntado se existia algo na boate que lhe causasse sensação de risco permanente, e ela respondeu que não.
A defesa de Luciano questionou sobre que obstáculos teriam atrapalhado a evacuação do prédio. Kátia disse que o objetivo era manter a organização do fluxo de pessoas no espaço, bem como a orientação do público. Disse que nunca viu ninguém fazendo uso de drogas na boate. Mas via pessoas com menos de 18 anos por lá. Perguntaram se alguém da Prefeitura ou do Ministério Público a procuraram para oferecer ajuda, depois do ocorrido, e ela respondeu que não.
A defesa de Mauro fez questionamentos sobre questões estruturais da Kiss, como janelas, barras, fachada, placas indicativas, uso e manuseio de extintores de incêndio, etc. O Advogado mostrou fotos feitas pelo MP no interior da boate, que se referem a obras feitas no local depois de um acordo com a instituição. Disse que não conhecia Mauro antes de trabalhar na Kiss, que às vezes o via à noite na boate, mas não atuando na supervisão no estabelecimento. Que seu superior imediato era o funcionário João.
O magistrado fez intervalo para a janta, de 1 hora, e retornará com o depoimento da vítima Kelen Leite Ferreira, às 20h.
Um terceiro sobrevivente seria ouvido hoje, mas, em razão do avanço do primeiro depoimento, ficou para amanhã. A expectativa é ouvir 5 vítimas nesta quinta-feira.