Caso Kiss: MP contrapõe defesas e reafirma pedido de condenação dos quatro réus

Por
· 4 min de leitura
Divulgação/TJRSDivulgação/TJRS
Divulgação/TJRS
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Após 5 horas de debates orais, ocorridos ontem, o Ministério Público optou por usar as 2 horas de réplica que é permitida no júri para contrapor os argumentos apresentados pelas defesas dos quatro réus. A réplica da acusação começou nesta manhã (10), com a sustentação do Advogado Amadeu Weinmann, Assistente de Acusação. Em seguida, o Promotor de Justiça David Medina defendeu que os jurados mantenham o crime de dolo eventual, rejeitando a desclassificação, para que os acusados recebam condenações proporcionais ao ocorrido na Boate Kiss (morreram 242 pessoas e outras 636 ficaram feridas, de acordo com a denúncia).

Lúcia Helena Callegari finalizou a acusação mostrando um vídeo com cenas fortes do interior da Boate após a tragédia: “Condenem os quatro! Eles têm responsabilidade e não podem passar ilesos! A história não pode ser repetida! Todos nós choramos por Santa Maria, mas não podemos chorar de novo. Se desclassificarem ou absolverem, estarão dizendo: façam, que não dá nada!”

Usando uma cadeira de rodas, aos 86 anos, Amadeu Weinmann disse aos jurados que representava ali, pais, mães, irmãos, primos das vítimas do incêndio. “Faz 25 anos que meu filho faleceu. A dor não passa nunca. Assim são essas mães e pais de vítimas”, lembrou, emocionado.

O criminalista citou uma série de fatores para defender a manutenção do dolo eventual (o indivíduo, mesmo tendo previsão do resultado, opta por praticar o ato). “Eles não protegeram aquelas pessoas, que sucumbiram”, criticou o criminalista. Sobre a lotação da Kiss, “o MP mostrou jornais da época em que a Boate Kiss se vangloriava por receber 1,4 mil pessoas”. Disse que “242 pessoas morreram por falta de iluminação para orientar a saída, de extintor de incêndio. Isso é o que traz o dolo. Não cumpriram uma obrigação legal de manter a proteção dos habitantes da boate à noite”. De acordo com o Assistente de Acusação, a habitabilidade da boate era de 700 pessoas, mas, no dia, a soma entre mortos e feridos foi de 878.

Sobre o uso da espuma, Amadeu Weinmann criticou a colocação do material, também com cola inflamável. E das barras de contenção, que acabaram atrapalhando a fuga. “Isso causou a grande desgraça na Kiss”.

Em seguida, o Promotor de Justiça David Medina da Silva iniciou criticando a atitude do defensor Jean Severo, na noite de ontem, que rasgou uma página do livro do membro do MP. “A atitude é tão simbólica que me remete à época em que as mulheres eram jogadas às fogueiras. Aqui não é o lugar para autoritarismo, desrespeito”. Ele destacou também a leitura do trecho de uma carta psicografada, que seria de uma vítima da Kiss, apresentada pela advogada de Marcelo de Jesus dos Santos. Para fazer o contraponto, o MP reproduziu um trecho do depoimento de Delvani Rosso, ocorrido dias antes no plenário, detalhando a dor dos momentos dentro da boate, seus resgate, recuperação e sequelas que permaneceram (ele teve 50% do corpo queimado).

“Como ele chegou a este estado? fogo. Quem colocou fogo? Esses dois moços (Marcelo e Luciano). Quem permitiu que se colocassem fogo, sem as autoridades saberem? Mauro e Kiko. Está tendo uma transferência injusta de responsabilidade ao poder público”, disse Medina. “Toda vez que um motorista atropelar alguém, a culpa é do azulzinho, que não parou ele”, exemplificou. “Desde sempre sabemos que é preciso ter cautela com o fogo. E foi ele que causou tudo isso”. As pessoas retiradas da imputação de homicídio não estão contempladas na teoria do domínio do fato porque “eram meras laranjas”, disse o membro do MP.

Falando aos jurados, o Promotor pediu a condenação dos réus por dolo eventual para evitar que outras tragédias, como a ocorrido em Santa Maria, não se repitam. “A decisão de vocês é para o Brasil. O júri faz regras para o povo”.

Por fim, Medina defendeu a proporcionalidade das penas aos fatos praticados. “Se negado o dolo, teremos um homicídio culposo, que é nada. Bem trabalhado pela defesa, pode render até isenção judicial. Desclassificar para incêndio não temos a garantia de que realmente será mantida a condenação. Só vocês (jurados) podem condenar por homicídio doloso. O que estamos pedindo um direito penal funcional. Ele tem que servir para confirmar o que queremos, para garantir que as normas serão cumpridas”.

Em seguida, a Promotora de Justiça assumiu o comando da sustentação. Ela apresentou uma parte de um documentário que ouviu vítimas sobreviventes, que diziam que a casa noturna, em 27/01/13, estava lotada. A Absinto Hall, outra grande danceteria de Santa Maria, estava fechada. “Com 6 turmas, vários aniversários, todo mundo só com a Kiss para ir, de festa legal, como os senhores imaginam que estava lá?”.

Segundo a acusadora, o fogo começou no palco, conforme laudo que ela projetou na tela para os jurados. “A responsabilidade do incêndio vem do palco, do artefato pirotécnico aceso ali e da espuma de poliuretano que revestia o local”, afirmou. O MP esteve lá em 21/3/12, juntamente com o Engenheiro Pedroso, não havia espuma porque o profissional havia alertado que não resolveria o problema do barulho. Como a situação não foi resolvida, a espuma é comprada numa loja de colchões em 24/07/12, por cerca de R$ 900 reais. De acordo com a Promotora, o material não atendia as normas e era altamente inflamável e tóxico.

A compra dos artefatos pirotécnicos foi feita em 25/01/13, dois dias antes da festa. Foram adquiridos sputniks (colocados nas laterais do palco) e chuva de prata (colocado na mão do vocalista). Na descrição dos fabricantes, as especificações dizem que a utilização deve ocorrer em local externo. “Mais do que isso, ao soltar fogos é obrigatório se manter distante a 10 metros de pessoas, objetos e produtos inflamáveis”. Os músicos também teriam agido com indiferença, não avisando o público sobre o que estava acontecendo, sendo os primeiros a saírem da boate.

O MP também rechaçou o que diz a defesa de Mauro Hoffmann, no sentido de que ele seria apenas sócio investidor da Kiss. Ele participava das decisões que envolviam a administração da boate e também tinha conhecimento que a Gurizada Fandangueira usava artefatos pirotécnicos em suas apresentações.

Kiko, por sua vez, optou por uma espuma comum para revestir o palco, não cuidava dos extintores nem funcionários treinados em prevenção de incêndio.

Gostou? Compartilhe