A Psicóloga Ariane Silva Ceolin Schmitt, que atendeu Bernardo Boldrini, em 2011 e 2013, abriu os depoimentos no terceiro dia de julgamento do réu Leandro Boldrini, acusado de participação na morte do filho, Bernardo. Ela relatou que o menino sofria abandono afetivo, era "órfão de pai vivo". "Ele era um menino triste. Tinha olheiras, cabisbaixo, mirrado", afirmou.
Já o ex-funcionário de Leandro Boldrini, Luiz Omar Gomes Pinto, segunda testemunha a depor, falou da convivência que teve com a família no período em que prestou serviços ao médico. Disse que nunca viu o pai sendo "rústico" ou maltratando o menino. "O que presenciei foi que era uma criança que tinha carinho pelo pai e ele pelo filho", afirmou. Mas que Bernardo relatava que sofria maus tratos da madrasta, Graciele Uguline, inclusive, que ela tentou sufocá-lo enquanto dormia.
Desde segunda-feira (20/03), Leandro Boldrini é julgado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Três Passos. Ele responde pelos crimes de homicídio quadruplamente qualificado do filho, ocultação de cadáver e falsidade ideológica. A Juíza de Direito Sucilene Engler Audino preside os trabalhos. O Conselho de Sentença é formado por seis homens e uma mulher.
Esta é a segunda vez que Leandro é julgado. Em março de 2019, ele foi condenado a 33 anos e 8 meses de prisão, juntamente com os outros três acusados. Uma decisão da 1ª Câmara Criminal do TJRS, em dezembro de 2021, anulou o julgamento.
'Poderia ter tido outro desfecho'
Ariane Schmitt avaliou Bernardo por aproximadamente seis vezes. Esposa de um colega de trabalho de Leandro, as famílias também tiveram encontros sociais. Ela relatou que Bernardo não se interessava por higiene pessoal ou por fazer os temas. Também "mendigava lanches na escola" e andava "maltrapilho". Bernardo se sentia um intruso em casa, era excluído da mesa de refeições. "O espaço de vida dele era o quarto", afirmou a Psicóloga, ressaltando que o cômodo era escuro, pintado de azul marinho.
"Certa vez, perguntei se ele fosse um personagem de histórias infantis, qual seria. Ele respondeu: 'tia, eu não sou personagem algum, ninguém conta histórias para mim'. Ele tinha uma frustração lúdica muito grande".
Ela informou que chegou a procurar o Conselho Tutelar para relatar a situação vivida por Bernardo em casa, especialmente pela relação difícil com a madrasta, Graciele Uguline. Disse que conversaram com Leandro Boldrini, e ele disse que ninguém se metia na educação do filho dele. Já o menino, demonstrava que amava o pai e dizia que queria ser médico como ele.
Ariane contou que, certa vez, foi na casa de Bernardo e comentou que ele estava ausente das sessões de terapia que fazia com ela. O menino relatou que estava tomando três medicamentos controlados, receitados por um Psiquiatra, e que ele mesmo que controlava o uso. "Chamei Leandro e disse que ele era médico, cuidador, que a madrasta era enfermeira, como que deixavam esses medicamentos a mercê do menino".
Quando Bernardo sumiu, Ariane estava fora do país, e pediu para que o marido fosse dar uma força à família. "Você também veio comprar órgãos?", teria dito Leandro de forma irônica ao colega. O pai disse ao colega que Bernardo não poderia ter fugido, pois era um "maricas". Afirmou também que "é muito fácil sumir com um corpo".
Leandro era dinâmico, dedicado, excelente profissional, descreveu a Psicóloga, que lamentou o desfecho do caso: "Nunca vi nada igual, nada se compara". À defesa do médico, ela disse que não sabe do passado do réu, nem como ele era tratado pelos pais ou se já fez terapia. Afirmou que nunca viu o pai dizer que não gostava do filho. E que, quando solicitado por ela, Leandro foi às consultas.
Na avaliação da Psicóloga, se a madrasta e o pai tivessem acolhido Bernardo, a situação do menino poderia ter sido diferente, pois ele "precisava de afeto e atenção, pelos traumas que viveu". Mas não havia compromisso e reciprocidade por parte do casal no que se refere à situação do garoto.
'Ele disse que tinha sido sufocado numa almofada pela madrasta'
Luiz Omar Gomes Pinto trabalhou com Leandro, prestando serviços, e Elaine, sua ex-esposa, foi babá de Bernardo, quando a mãe dele, Odilaine, estava viva. A testemunha informou ao Promotor de Justiça que o menino costumava visitar Elaine e que, certa vez, lhe relatou que Graciele tentou sufocá-lo enquanto dormia.
Também declarou que a ex-babá ficava "indignada" com a situação vivida por Bernardo em casa. "Ela (Elaine) falou para mim que, certa vez, estava muito frio e ele de camisetinha e chinelo de dedo".
Quando soube que o garoto sumiu, Luís Omar disse que, "pela minha cabeça, calculei que havia algo errado". Explicou que achou estranho a madrasta ter levado Bernardo a Frederico Westphalen para comprar uma televisão. "Ele era deixado de lado".
A testemunha descreveu o réu como um excelente profissional, que trabalhava muito e informou que os dois se davam bem. "Um cara normal, tranquilo. Era um cara 'simplezão' no dia a dia". Já presenciou momentos de afeto com o filho, inclusive em uma situação em que o garoto riscou o carro de Leandro e ele agiu de forma carinhosa, conversando com a criança.
Sobre Bernardo, afirmou que o menino era querido na cidade, "todo mundo abraçava e dava colo". "Tinha ele como referência como filho do Boldrini. Mas ele era uma criança carismática, afetuosa, era bom de ter ele junto", afirmou.