Glenda Mendes/ON
Em abril de 2008, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral lançou a campanha. Em setembro daquele mesmo ano já eram 1,6 milhão de assinaturas apoiando o projeto de lei de iniciativa popular que pretendia restringir o registro de candidaturas nas eleições brasileiras. Em junho de 2010, o projeto virou lei, já valendo para as eleições de outubro.
Vigorando desde o dia 4 de junho, a Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, prevê que candidatos que tiveram condenação criminal em segunda instância, mesmo cabendo recurso, ficam impedidos de se registrar, sendo considerados inelegíveis. A nova lei prevê ainda a ampliação do prazo de inelegibilidade de três para oito anos, alterando a Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/1990).
Além da pesquisa que será feita no momento do registro da candidatura, os cidadãos também poderão pedir a anulação das candidaturas. Desde que goze dos direitos políticos, o cidadão pode pedir a inelegibilidade de candidatos registrados às eleições de 2010 por meio de petição encaminhada ao Ministério Público, que é o órgão que fica responsável por pedir a impugnação.
Para isso, o pedido deve ser feito até cinco dias após a publicação da lista à Justiça Eleitoral, por meio de petição fundamentada. Também podem fazer o pedido os candidatos, partidos ou coligações.
Apesar de nova, a Lei da Ficha Limpa já faz parte das discussões em diversas instâncias. E para saber as opiniões, ON buscou cientistas políticos, advogados e promotores para saber o que eles pensam sobre o assunto. Confira.
Uma conquista
"É a principal conquista do povo brasileiro nos últimos tempos no que tange à política. Para o cidadão brasileiro, cético quanto à possibilidade de mudança, talvez a importância mais imediata da nova lei seja trazer-lhe esperança de que a sociedade esteja se tornando mais justa. Resta ainda que a nova lei passe pelo teste de sua aplicação efetiva para que, aí sim, possamos celebrá-la como um instrumento de combate à corrupção política. A julgar pelos efeitos de outra vitória popular, a Lei nº 9.840, sobre compra de votos, há motivos para esperar resultados concretos do novo ordenamento. Além disso, as transformações necessárias para vencer a corrupção no sistema político deverão ser ainda muito mais profundas e abrangentes. Mas há, novamente, motivos para esperança, pois a sociedade brasileira já está comprometida com a discussão de uma ampla reforma política e, conhecedora de seu papel, pressionará para que suas instituições representativas acolham esse debate e processem as transformações necessárias."
Mauro Gaglietti, cientista político
Norma é inconstitucional
"Concordo integralmente com o mérito da Lei da Ficha Limpa, pois a política deve ser exercida por pessoas éticas e comprometidas com a probidade administrativa e a moralidade pública, mas essa norma jurídica, da forma como foi elaborada, é inconstitucional. Como os fins não justificam os meios, a Lei da Ficha Limpa, ao ferir o art. 5º, LVII, da Constituição Federal, que estabelece que nenhum cidadão pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, não pode ser acatada pela comunidade jurídica. A Lei da Ficha Limpa desrespeita essa garantia fundamental. E em um estado democrático de direito as garantias e direitos fundamentais não toleram arranhões, sob pena de atingir a segurança e a confiança constitucional."
Júlio César de Carvalho Pacheco, advogado
Um avanço eleitoral
"Considero a chamada Lei da Ficha Limpa um avanço na matéria eleitoral, na medida em que afasta da vida política candidatos que, comprovadamente, praticaram irregularidades incompatíveis com o exercício de cargos no Executivo e/ou Legislativo. Essa lei é importante ainda porque muitos eleitores desconhecem o conteúdo dos processos que determinados candidatos responderam perante a Justiça, votando em tais políticos sem sequer imaginar as condenações a eles impostas pela prática de atos incompatíveis com a vida pública. Além disso, a lei torna inócua a estratégia de interpor sucessivos recursos para impedir o trânsito em julgado das decisões condenatórias contra tais candidatos, na medida em que basta a decisão proferida em segundo grau para inviabilizar a candidatura."
Paulo Cirne, promotor de Justiça
Caminho para moralizar coisa pública
"Foram colhidas 1,6 milhão de assinaturas que subscreveram o PEC da ficha limpa, diante da omissão do Congresso, acossados pela vontade do povo, fizeram tramitar e, com algumas modificações, a favor de certos congressistas, transformou-se em lei. Caberia aos partidos não inscrever candidatos que tenham condenações. Foi necessária uma mobilização nacional. O Superior Tribunal Eleitoral, por maioria, entende que o candidato que já tenha sido condenado por um colegiado não pode concorrer, valendo a decisão já para esta eleição. O Superior Tribunal Federal, por sua maioria, em decisão recente, determinou a inscrição de candidatos que já haviam sido condenados e que a lei só vige a partir de sua promulgação. A vontade popular é de que haja já a validade para estas eleições, mas amparados na Constituição e ainda pelo que dispõe a lei, ela não poderá ser retroativa. Alguns partidos já se manifestaram que não vão indicar candidatos que tenham ficha suja, o que é saudável. Embora, não seja aplicado para essas eleições, acredito que já é o começo, para moralizar a coisa pública, um vetor para os futuros fichas sujas. Essa iniciativa é um precedente para outras mobilizações populares, como para a revogação de mandato ou então os políticos (todos) serem julgados por um Tribunal do Júri, sem foro privilegiado. Valha ou não a lei já para esta eleição, cabe ao eleitor decidir, basta não votar em candidatos ficha suja!"
Jabs Paim Bandeira, advogado
Constitucionalidade
"A legislação recentemente editada vinculada a homologação de candidaturas para as próximas eleições, batizada, sabiamente, pelo povo Ficha Limpa, é constitucional. Afirmo, salvo juízo contrário, tendo como base que está assegurado ao cidadão, com aspiração a candidato, o duplo grau de jurisdição (1º e 2º) nos julgamentos de processos onde sejam partes. A presunção de inocência, que dizem alguns teria sido violada pode e deve ser relativizada em face de outro princípio constitucional que é o 'interesse público' (que é o maior interesse vinculado à administração pública). Portanto, não se trata de negar um direito ao cidadão-candidato, mas de sopesá-lo frente a outros princípios constitucionais, também importantes. É óbvio que se a instância superior suspender os efeitos da decisão do colegiado, de 2º grau, poderá o interessado concorrer ao pleito, pois, estará escudado em decisão judicial, que é, na hipótese, a manifestação do poder controlador da legalidade. O Brasil é incrível. Necessitamos de uma lei para dizer que o cidadão dever ser honesto, em outras palavras, para concorrer a cargo público." Osmar Teixeira, advogado