Ter 'ficha limpa' não é pena, é critério de seleção

Promotora eleitoral explica como Ministério Público está atuando nestas eleições e destaca a movimentação popular para a consolidação da chamada Lei da Ficha Limpa, que é considerada um grande passo para a moralização da política

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Bruno Todero/ON

A quantidade de normas que regem uma eleição impossibilita que a grande maioria da população fiscalize na totalidade as ações dos seus candidatos. É por isso que a Justiça Eleitoral nomeia representantes da população para que atuem nessa empreitada, seguindo todos os passos dos políticos até e após as eleições. São os chamados procuradores eleitorais, ligados aos ministérios públicos de cada Estado. Além de acompanhar os processos relativos às campanhas, os promotores estão atentos à propaganda eleitoral, à propaganda partidária e à prestação de contas de campanha. Também fiscalizam os processos relativos à filiação partidária e acompanham as consultas dirigidas aos tribunais.
Os promotores eleitorais subsidiam o trabalho dos procuradores regionais eleitorais, investigando e comunicando as irregularidades que venham a ocorrer em suas respectivas zonas eleitorais. Eles também podem, em caso de propaganda irregular, por exemplo, requerer ao juiz eleitoral que exerça seu poder de polícia, determinando o recolhimento do material.
Passo Fundo conta com dois desses representantes da população na fiscalização das eleições. O promotor de Justiça Paulo da Silva Cirne e a promotora Cristiane Cardoso. O primeiro é responsável pela Zona Eleitoral 33, que compreende metade do município de Passo Fundo, além de Coxilha e Pontão. Já Cristiane responde pela Zona Eleitoral 128, que atende a outra metade de Passo Fundo, além de Mato Castelhano e Ernestina. A atuação dos dois, neste ano, foi dividida por áreas. Cirne está atendendo os casos envolvendo especificamente a campanha eleitoral, e Cristiane ficou encarregada de analisar a prestação de contas dos candidatos e a aplicação ou não da chamada Lei da Ficha Limpa, que são os objetos desta reportagem.

Hora de optar pelos "fichas limpas"
Para a promotora Cristiane Cardoso, a chamada Lei da Ficha Limpa ainda causa polêmica basicamente por dois motivos: primeiro em função da aplicabilidade, pois no entendimento do Tribunal Superior Eleitoral ela já vale para esse pleito, decisão que é contestada por alguns juristas. A segunda questão é que a lei estaria ferindo o princípio da inocência, já que a decisão não exige o trânsito em julgado (ter uma condenação em um órgão colegiado já basta para ser incluído no roll dos "ficha suja", mesmo que ainda haja chance de recurso), portanto seria inconstitucional, o que é contestado pela promotora. "A ficha limpa de um candidato é entendida por muitos juristas não como uma pena, mas como um critério para se candidatar", afirma Cristiane.
Ela destaca que é preciso dar atenção á origem da lei, que foi criada a partir da movimentação popular, que colheu mais de 1,6 milhão de assinaturas para que o projeto fosse criado. "Não podemos esquecer que essa lei tem por trás um clamor popular no sentido de moralizar a política no país, acabar com a corrupção nas eleições. O cidadão já fez seu papel, de conseguir a aprovação da lei. Agora cabe a nós, intérpretes da lei, a aplicarmos de forma a satisfazer esse anseio, dando essa resposta a sociedade. Seria um grande passo para a moralização da política", destaca.
Para a promotora, mesmo que a discussão sobre a aplicação ocorra entre juristas, cabe ao eleitor aproveitar o momento e selecionar os candidatos. Com essa linha de pensamento, Cristiane compara a escolha de um político à seleção de um funcionário. "Todo cidadão que precisa passar por seleção é analisado sob o ponto de vista de sua "ficha", tendo de apresentar negativas criminais para concorrer a cargos públicos. Por que nós temos de seguir essa regra e o político não? Não há razão para diferenciar. Temos tantos políticos com ficha limpa, alguns trabalhando há anos na vida pública sem nada que desabone a sua conduta. É o momento de valorizarmos esses políticos, que são a maioria. Por que valorizar os poucos ficha suja?", considera a promotora.

Por dentro da prestação de contas
O eleitor talvez nem saiba, mas todo candidato a um cargo eletivo, assim como seu comitê eleitoral e os próprios partidos políticos, precisam prestar contas das campanhas pelo menos três vezes durante cada pleito. São duas declarações parciais, feitas até 60 dias e 30 dias antes das eleições, e uma declaração final, que deve ser feita até 29 dias depois do pleito. Há, ainda, no caso das disputas à majoritária (Presidência e governos estaduais) que vão para o segundo turno, uma segunda declaração final, feita também em até 29 dias depois do segundo turno. "A prestação de contas nada mais é do que uma forma de controlar os gastos dos candidatos. Isso visa a que tenhamos uma eleição mais uniforme possível. Que não haja diferença muito grande entre os candidatos para que todos possam fazer a campanha atingindo o eleitor de uma forma igualitária", explica Cristiane.
Na prática, a prestação de contas está para o candidato como a declaração de imposto de renda para a pessoa física. O candidato, partido e comitê precisam criar uma conta bancária e um CNPJ da campanha, declarando todos os valores que entraram e que saíram desta conta. "Basicamente, é como se fosse uma declaração de imposto de renda, tendo o candidato inclusive o mesmo sistema de retificação, em que ele pode corrigir ou alterar informações prestadas", revela a promotora.
Devido à quantidade de candidaturas, os promotores eleitorais atuam quase que na sua totalidade baseados em denúncias e informações de eleitores ou mesmo de partidos. "Qualquer eleitor ou mesmo doador pode fazer controle das contas do candidato. O site do Tribunal Regional Eleitoral publica as informações, que são públicas. Em caso de irregularidades, o eleitor pode procurar o Ministério Público diretamente. Nós faremos uma investigação local e então encaminharemos à Procuradoria Regional Eleitoral, em Porto Alegre, já com as oitivas de todas as pessoas envolvidas", informa a procuradora.
Candidatos que não apresentaram a primeira prestação de contas (que tinha de ter sido entregue até 3 de agosto), são intimados e recebem oportunidade de fazê-lo. "Depois de intimidado, continuando sem apresentar, o candidato pode ter o registro caçado", afirma Cristiane. Já em casos de prestações de contas contestadas, da mesma forma, é dada chance de retificação. Se o candidato não conseguir explicar determinado gasto ou regularizar a situação, pode também ter o registro caçado. Nestes casos, cabem recurso.

Anote para fiscalizar
A primeira prestação de contas dos candidatos terminou no dia de 3 de agosto, com os dados (que são públicos) disponibilizados nesta sexta-feira (6) no site do TSE (www.tse.gov.br). A segunda prestação de contas parcial tem prazo até 3 de setembro para ser entregue, com divulgação no dia 6 do próximo mês. Já a prestação final deverá ser entregue até o dia 2 de novembro para o primeiro turno e 30 de novembro para o segundo turno.

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