Aurélio Alonso/Rede APJ/ADI Brasil
Se eleita, a candidata à presidência da República pelo PV, Marina Silva, vai manter a política econômica do atual governo em relação ao câmbio flutuante, meta de inflação e superávit primário. Só diverge em relação à elevação dos juros. A ex-ministra do Meio Ambiente falou sobre grandes temas nesta entrevista, a segunda de uma série que está sendo publicada em 90 jornais filiados à Associação dos Diários do Interior do Brasil (ADI-Brasil), que reúne jornais de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, e em 14 jornais do Estado de São Paulo, que formam a Associação Paulista de Jornais, ou Rede APJ.
Pelo Estado - Economia e juros altos
MS - Não vamos fazer aventura na política econômica. Temos que aprender a ter uma visão cidadã. As conquistas não podem ser atribuídas como o carimbo e um governo ou de um partido, mas de uma sociedade. Nesses anos com o Plano Real, conseguimos a estabilidade da moeda, a política no famoso tripé: câmbio flutuante, meta de inflação e superávit primário. Vamos fazer os reajustes necessários, porque o controle da inflação com elevação de juros é uma política de baixo investimento que impede a alavancagem da economia com os investimentos necessários. Vamos combinar ferramentas de política econômica com ações do governo federal reduzindo o gasto público. Para isso tem que se buscar mais eficiência, evitar o desperdício e limitar o gasto público à metade do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Assim teremos equilíbrio fiscal.
PE - Autonomia do Banco Central (BC)
MS – A autonomia do BC deve ser operacional, sem precisar institucionalizar. Sobre autonomia total, há exemplo que não foi dos melhores, que é o da Argentina. Também não podemos imaginar que se a economia estiver indo à bancarrota o governo não vai fazer nada. Tem que tomar medidas. O BC deve ter autonomia desde que as metas estejam sendo perseguidas.
PE - Combate à corrupção
MS - O projeto “ficha limpa” é uma minirreforma política, porque figuras emblemáticas e intocáveis estão na berlinda e alguns nem conseguiram ser candidatos. Outros têm que recorrer à Justiça para disputar a eleição. Já é uma grande contribuição. Claro que é uma combinação com um Judiciário ágil para que se tenha a certeza de acabar com a impunidade dos atos de corrupção, mas a gestão pública pode criar meios que não favoreçam a corrupção. E para isso é importante que as instituições funcionem, tais como o Ministério Público, o Tribunal de Contas, os mecanismos de controle da gestão pública. É preciso criar sistemas transparentes de controle social.
PE - Mudanças climáticas
MS - A melhor forma de combater as ações que levam a mudanças climáticas é mudar o modelo de desenvolvimento, da energia fóssil para energias renováveis, do predatório para o sustentável. Isso requer uma transição, investimentos, uma base tecnológica, científica, produção de conhecimento e inovação. O Brasil é o país que reúne as melhores condições para fazer essas mudanças. Nós temos até 2050 para reduzir em 80% as emissões de dióxido de carbono. Se não fizermos isso, começaremos a comprometer toda a vida na Terra. O problema é que parece que a responsabilidade não é de ninguém. Temos 45% de nossa matriz energética limpa. É só continuar investindo nos biocombustíveis, na produção de energia usando o vento, o sol, a biomassa e a hidroeletricidade. A nossa agricultura não precisa ser feita na base de emissão de dióxido de carbono, destruindo florestas, como no caso da Amazônia. E já conseguimos, com o plano de combate ao desmatamento que foi possível na minha gestão, sair de 27 mil quilômetros quadrados para 7 mil quilômetros quadrados no ano. Já temos o Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que estava praticamente pronto quando saí do ministério. Foi aprovado há cerca de sete meses e até hoje o governo não regulamentou. Eu vou regulamentar.
PE - Petróleo e exploração do pré-sal
MS - Ainda não tem como abrir mão da energia fóssil, mas temos que utilizar uma parte desses recursos para investir na base de geração de energia. O homem saiu da Idade da Pedra não foi por falta de pedra, mas porque encontrou novas soluções. Vamos ter que sair da idade do petróleo antes de faltar petróleo. Vamos ter que criar novas fontes de geração de energia. É possível gerar energia da água, do solo, do vento, da biomassa, e hoje cada vez mais estão investindo em energia da segunda geração: que é álcool de celulose e energia de hidrogênio. O que vai requerer investimentos e uma parte desses recursos do pré-sal tem que ir para isso. A outra parte vai para educação, saúde e cultura e para que a exploração do pré-sal seja feita com segurança, a fim de evitar o que ocorreu no Golfo do México. Lá eram 2 mil metros de profundidade e aqui são 7 mil metros. Imagina a complexidade para uma exploração como essa.
PE - Desmatamento zero
MS – Na Mata Atlântica já não é permitido desmatamento nenhum. Só restaram 7% de área de mata. É possível aumentar a produção por ganho de produtividade e dobrar a agricultura e pecuária na Amazônia sem destruir um pé de mato. Há 165 mil quilômetros quadrados de área abandonada. Imagina o que é investir para que essas áreas possam ser produtivas. Imagina o que é você utilizar as tecnologias que já temos disponíveis hoje, que fazem com que a gente possa produzir duas cabeças por hectare, quando nós estamos produzindo uma cabeça por hectare. É só criar os incentivos. Só que as pessoas, em lugar de fazer a reivindicação de recursos e investimentos, incentivos para fazer o certo, elas reivindicam mudar o Código Florestal para continuar produzindo uma cabeça de gado por hectare, durante oito anos. Passam os oito anos, a terra fica frágil e aí vão derrubar mais florestas. Daqui a alguns anos, se continuar nesse ritmo, vai acontecer na Amazônia o que ocorreu com a Mata Atlântica
PE - Reforma tributária
MS - A base de sustentação do governo e o PSDB levaram ao fracasso a aprovação da reforma tributária. Não é fácil fazer as reformas: nem a tributária, nem a da Previdência e nem a reforma política. São reformas importantes para o país. Levantei a proposta para o debate de uma Constituinte exclusiva. A reforma tributária que advogo tem que estabelecer o princípio da transparência. As pessoas que mais pagam impostos são as mais pobres e recebem de volta muito pouco do imposto que pagam. Quem recebe até dois salários mínimos compromete 46% da sua renda com pagamento de impostos indiretos; até 30 salários mínimos são em torno de 26% a 28% da renda. As pessoas não sabem disso. Então, quero a transparência tributária. Outro princípio: justiça tributária. Hoje, quem ganha menos paga mais. É o princípio da regressividade. Temos que ter uma visão de progressividade em relação à reforma tributária. E ainda pela simplificação: é difícil pagar imposto no Brasil. Uma boa parte dos investimentos das empresas é drenada para pagar tributos. A simplificação na forma de fazer: a arrecadação deve ser um processo eficiente e transparente. E mudança no foco. Hoje se faz toda a política tributária com base na demanda do Estado. A gente precisa ter um olhar também para a oferta: que tipo de serviços esse Estado está devolvendo para a população.
PE - Segurança pública
MS - Defendo uma reforma na segurança pública. Não adianta fazer puxadinho. Fazer um ministério em cima da base que nós temos é fazer um puxadinho. Tem que pensar na reforma para combate ao tráfico de armas e drogas, com a Polícia Federal e o Exército, que está ganhando novas atribuições legais para exercer o poder de polícia em relação a esses crimes. Isso tem que ser feito adequadamente, para que não se desloquem as Forças Armadas de suas funções. Tem que ter ação repressiva para combater o tráfico de armas e drogas e coibir essa avalanche que está tomando conta do país. Ao mesmo tempo, valorizar as polícias, pagar um salário justo e adequado, ter um olhar para a Polícia Civil e Militar. Hoje, uma faz o policiamento ostensivo e fardado e a outra faz a investigação, mas os processos não se encontram, não há uma coerência no trabalho das polícias. É preciso que tenham uma atuação de ciclo fechado, completo, onde cada uma faz seu trabalho, como ocorre em vários lugares do mundo. Cada um faz sua atividade com começo, meio e fim. Precisamos pensar as políticas comunitárias como forma de envolver a comunidade na prevenção ao crime e em alternativas para que nossas crianças e jovens não sejam tragadas pelo tráfico. Temos que disputar cada jovem e criança, mano a mano, com o tráfico de drogas. Nós estamos perdendo essa guerra. São mais de 1 milhão de viciados em crack. Só no Rio Grande do Sul, são 52 mil pessoas viciadas.
Marina rejeita ?EURoeaventura?EUR? na política econômica
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