Especialistas analisam o que deve ser o governo de Dilma Rousseff

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Historiadores e cientistas políticos analisam a vitória de Dilma Rousseff nas eleições 2010 e dão seus pitacos sobre os possíveis rumos do governo. O Jornal O Nacional fez quatro perguntas a respeito da nova presidente para especialistas.  As questões envolvem o fato de o Rio Grande do Sul ter eleito um governador do mesmo partido da presidente da República; do Brasil ser conduzido por uma mulher; da influência do Lula e do perfil da presidente eleita. As respostas serão publicadas a partir de hoje nas páginas de ON

Natália Fávero/ON

Há quatro anos nem Dilma Rousseff imaginava ser presidente do Brasil. O rosto e a fama eram desconhecidos até a queda de José Dirceu e Antonio Palocci. Graças ao padrinho Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma começou a ser vista pelos brasileiros. Ele escolheu pessoalmente a ministra para ser sua sucessora na presidência. A estratégia de Lula deu certo. Mesmo sem nunca ter disputado um cargo político venceu o experiente tucano José Serra (PSDB) com 55,31% dos votos. No último dia 31 de outubro, às 20h07, Dilma tornou-se a primeira mulher presidente eleita no país e a oitava na América Latina. Fatos históricos que merecem a análise de historiadores e cientistas políticos. Os especialistas Mauro Gaglietti, Eduardo Swartman, Antonio Kurtz Amantino, Mário Maestri, Paulo Carbonari, José Ernani de Almeida e Eliane Colussi respondem a primeira pergunta.

Dilma Rousseff foi bastante criticada por nunca ter concorrido a um cargo político? Ela terá competência para comandar o Brasil?

“Esta pergunta pode esconder um bocado do sexismo que ainda marca as relações sociais e a política brasileira. Muito do discurso e dos ataques ao suposto despreparo e à vocação para “ser mandada” que estiveram na campanha são mostra concreta do machismo. Aliás, a campanha eleitoral foi fortemente marcada por preconceitos de todo tipo. Em alguns momentos beirou ao obscurantismo e cheguei a pensar que Torquema e Savonarola voltariam [o primeiro, o grande inquisidor espanhol, o segundo, o tirano da “fogueira das vaidades” na Florença renascentista]. Os brasileiros e as brasileiras responderam à pergunta sobre as condições de Dilma governar o País: disseram sim, afinal ela foi eleita. Ela não é inexperiente e nem nova nesta tarefa, já foi gestora pública em vários níveis e neles mostrou sua competência. Querer que ela seja um novo Lula é querer transformar a política em exercício de fantasmagoria. Obviamente ela tem seu estilo próprio e vai mostrar qual é quando assumir o governo. A tarefa de governar com Dilma na presidência ainda nem começou e teremos oportunidade de avaliar dia-a-dia o que fará. Aliás, esta é a tarefa permanente da cidadania e certamente vai depender mais da forma como a cidadania agir a qualidade maior ou menor de seu governo. Não acredito que o exercício do poder seja tarefa de “um homem só”, neste caso, de “uma mulher só”. Pelo contrário, na democracia, a tarefa da liderança é mais de coordenação e de orientação do que de comando! Não elegemos uma tirana; elegemos a presidente da república e, portanto, ela nada mais é do que a presidente da “res-pública” (da coisa pública) pela qual toda a cidadania é responsável. Espero que os compromissos que anunciou na campanha e que reafirmou em seu discurso de vitória com o fortalecimento da democracia e com a efetivação dos direitos humanos sejam realizados. Cabe à sociedade organizada e à cidadania ativa ficar atenta para cobrar estes compromissos” Paulo Carbonari é doutorando em filosofia na Unisinos, professor de Filosofia do IFIBE e militante na Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF)

“Dilma não tem um projeto de poder, como tinha o candidato derrotado, e por isso, tem mais condições de, com isenção, governar o país. Dilma tem um passado de luta pela democracia. Foi guerrilheira, coisa que na campanha foi explorada deforma negativa pela direita quando na verdade é um predicado. Negativo seria se ela tivesse integrado o esquema de repressão dos “anos de chumbo”. O desafio, sem dúvida, será andar com suas próprias pernas, saindo da sombra do Presidente, embora no primeiro pronunciamento, após a vitória, tenha deixado claro que “baterá quantas vezes for necessário na porta de Lula”. Outro desafio é dar continuidade a um governo que termina com índices de aprovação “nunca antes vistos na história deste país”, para o desespero da direita reacionária. Dilma não é uma política, é uma administradora. A mudança no estilo será sentida em pouco tempo. Seus amigos mais próximos sabem que ela será uma governante exigente. Ela impõe rigor no setor público, que por muito tempo foi avesso à eficiência. As reformas tributárias e política, por exemplo, precisam sair do discurso e ganhar lugar na prática com urgência” José Ernani de Almeida é historiador

“Existem muitas formas de ação política. Não podemos esquecer que, de 1989 a 2002 se criticou muito o então candidato Lula por não ter experiência administrativa. No entanto, o ex-operário, líder sindical e deputado constituinte está encerrando o seu governo com singular aprovação interna e elevado prestígio internacional na região e entre as grandes potências. Temos que rever algumas crenças e nos desfazermos de alguns preconceitos. O perfil assertivo e proativo de Dilma Rousseff se mostrou mais claramente na campanha do segundo turno, suas habilidades de articulação e de proposição do novo, creio eu, se explicitaram mais no discurso da noite de 31 de outubro” Eduardo Munhoz Svartman é Doutor em Ciência Política e professor de História da UPF

“As características, qualidades ou a falta delas foi bastante divulgada pela imprensa e pela própria oposição. O fato é que a presidente eleita, mesmo que tenha sempre transitado pelos espaços da política durante a maior parte da sua vida, nunca foi eleita para nenhum cargo. Se ela tem “pulso forte”, se é “incompetente”, se é “um trator para trabalhar”, deixou de ser importante no contexto imediato. O que importa agora é que a sociedade brasileira, por meio do voto, acreditou que a futura presidente está apta a desempenhar um cargo de tal importância. Sua experiência técnica foi reconhecida como suficiente e mais importante do que sua trajetória política. O fato de Dilma não ter sido eleita para outros cargos parlamentares exigirá assessorias qualificadas, pois a Presidência da República exige mais atributos políticos do que técnicos. Capacidade de diálogo, de negociação, de representação do País no exterior, entre outros predicados, deverão, caso de fato ela nos os tenha, ser construído em conjunto com sua equipe de governo. Ela, a nova presidente do Brasil, não repetirá e não será o Presidente Lula. Contudo, estaremos todos torcendo para que seu governo melhore as condições do Brasil e consolide nosso País como uma grande Nação” Eliane Colussi é doutora em História do Brasil e professora da UPF

“A Dilma tem fama de ser uma boa administradora. Não sabemos como ela vai se comportar politicamente, não sabemos até que ponto ela será refém de Lula e do PT. O Lula tinha perfeito controle sobre o PT mais “aloprado”, como se referiu o próprio lula aos petistas mais revoltados. Paira uma dúvida se a Dilma vai se impor a esse grupo do PT mais inconsequente.
Se perguntasse a Dilma se ela imaginava ser presidente a quatro anos atrás ela ia rir, porque isso caiu no colo dela. Ela foi indicada pelo Lula, porque os dois principais indicados do atual presidente se envolveram em corrupção e caíram do poder como foi o caso de José Dirceu e Antonio Palocci. E Lula ficou sem sucessor e a capacidade administrativa de Dilma chamou a atenção do presidente. Tanto que o lula só pode viajar tanto assim graças a Dilma. Ele confiava nela e recompensou a Dilma. No discurso da vitória, ela falou do controle da moeda e isso é fundamental para um país, porque um povo não prospera sem o controle da moeda, ou seja, evitar a volta da inflação, controlar os gastos públicos... Dilma se comprometeu em ser presidenta de todos os brasileiros e não dos partidos que ela elegeu”. Antônio Kurtz Amantino é cientista político

“Dilma tem mostrado capacidade de gestão, equilíbrio, tranquilidade e firmeza. A terceira razão é seu bom desempenho na televisão, inclusive nos debates e entrevistas. Lula acertou ao dizer, em entrevistas que ela “era um animal político”. Está mostrando muito mais capacidade que os adversários e mostra que tem preparo para ser presidente. A oposição errou e essa é a quarta razão para o sucesso de Dilma. A campanha do Serra está velha e antiga. Não tem novidade. O PSDB repete 2002 e 2006. Está transmitindo para o eleitor uma coisa ultrapassada, não consegue se comunicar com o Brasil emergente, a população que começou a se alimentar melhor e a consumir. Vejo um despreparo total. O PSDB está perdido, da mesma forma que o Lula ficou nas eleições de 1994 e 1998 contra o Plano Real. Na ocasião, ele não sabia se criticava ou se apoiava e perdeu duas eleições. O bom momento da economia, a geração de empregos e o consumo em alta não fazem do governo Lula um cabo eleitoral imbatível? Essa, para mim, é a razão principal. O Brasil nunca viveu um momento tão bom. E as pessoas estão com medo de perder esse momento. O Plano Real acabou derrotando o Lula duas vezes. Mas o Lula, com o governo dele, sem querer ou por querer, acabou criando um plano que eu chamo de imperial. É o império do bem, em que cerca de 80% a 90% das pessoas pelo menos subiram um degrau. Quem não comia passou a comer uma refeição por dia, quem comia uma refeição passou a fazer duas, quem nunca teve crédito passou a ter crédito, quem andava a pé passou a andar de bicicleta ou moto, quem tinha carro comprou um mais novo e quem nunca viajou de avião passou a viajar. Os industriais também estão felizes, vendendo o que nunca venderam. Os banqueiros esses sim são os grandes beneficiários das políticas dos últimos 16 anos de governo do PSDB e do PT. Pode-se afirmar, por um lado, que esse fator não pesou logo de início, quando os candidatos lançaram os seus nomes e Serra permaneceu vários meses na frente nas pesquisas. No início, houve transferência do prestígio do Lula. Mas, de uns três meses para cá, o Lula está associando o êxito dele ao êxito do governo como um todo. E está mostrando que Dilma é a gestora desse governo. O braço direito dele. E as pessoas estão confiantes nisso e não estão querendo perder o que ganharam. A disputa presidencial, que resultou na vitória de Dilma Rousseff (PT), consagrou o lulismo como uma força eleitoral mais impactante do que o próprio petismo. Assim, os resultados do governo do presidente Lula geraram uma sensação de "bem estar" na população que estimulou o desejo pela continuidade” Mauro Gaglietti é cientista político, doutor em História e professor na IMED

“Quanto à capacidade de comunicar com a população, através da rádio, televisão, etc., Dilma Rousseff é política pra lá de incompetente. Apesar do esforço dos marqueteiros, mostrou-se durante a campanha, sempre, como uma enorme “espanta-votos”! Porém, venceu José Serra, ex-presidente da UNE, com meio século de política de massas e parlamentar! Com longa militância não-parlamentar, Dilma Rousseff é quadro com indiscutível formação técnica e experiência administrativa. De certo modo, Dilma Rousseff é um negativo de Lula da Silva, que nada como peixe na interação com a população e possui limitada capacidade administrativa. Lula da Silva encarregou-se sempre da comunicação do seu governo e entregou fortemente a administração, primeiro, a José Dirceu e, a seguir, a Dilma Rousseff. Indiscutivelmente, ela possui prática na administração não-oficial da República. Portanto, muda de gabinete, levando boa parte dos dossiês fundamentais” Mário Maestri é historiador

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