Especialistas analisam o alinhamento político entre Estado e União

O Jornal O Nacional publica as respostas a segunda pergunta feita aos historiadores e cientistas políticos sobre o que será o governo da nova presidente do Brasil.

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Natália Fávero

------> Há muitos anos o Rio Grande do Sul não tem um governador do mesmo partido que o presidente da República. O que isso significará a partir de 2011?


“O fato de nas últimas eleições terem sido vitoriosos candidatos do mesmo partido tanto para a Presidência da República quanto para o Governo do Estado do Rio Grande do Sul não significa necessariamente que o nosso estado receberá tratamento diferenciado por meio de “benefícios”. Aliás, avalio como extremamente perigoso a construção desse discurso uma vez que pertencemos a uma mesma nação e a distribuição das políticas de investimentos deve obedecer a critérios técnicos visando um desenvolvimento equilibrado do País. Entendo que a identidade partidária e regional deva ser analisada com cautela. Poderíamos destacar alguns momentos da história republicana brasileira que demonstram que não existe, necessariamente, uma relação direta entre a esfera nacional e a estadual. No caso de Dilma Rousseff, ela terá que governar para o Brasil como um todo. Evidentemente que Tarso Genro no governo do Estado, será elemento importante da base do governo e do PT em futuras negociações, articulações e desenvolvimento de políticas e ações, muitas específicas para o Rio Grande do Sul. Dessa forma, mais importante que termos uma presidente e um governador do mesmo partido, serão as definições que Tarso Genro e seu futuro governo possuem para alavancar o desenvolvimento econômico, a melhoria nos indicadores da educação básica, o acesso à saúde, o quadro financeiro e administrativo do Rio Grande do Sul. Muito do que poderá se desenhar para o futuro do nosso estado deve partir da coligação que elegeu Tarso e da competência daqueles que ocuparão as funções estratégicas”. Eliane Colussi é doutora em História do Brasil e professora da UPF

“No período da República Velha (1891-1930), isso já aconteceu, quando os chimangos de Borges governavam aqui, em sintonia com a oligarquia Café-com-Leite de paulistas e mineiros e, depois, na chamada “Era de Vargas” (1930-1945). Em ambos os períodos os gaúchos ficaram frustrados, porque não tiveram boa parte de suas reivindicações atendidas e nem ocuparam o espaço político deixado pelos paulistas, quando da ascensão de Vargas ao Poder. Agora a expectativa é que o Rio Grande do Sul rompa o isolamento político a que foi remetido no governo de Yeda Crusius. O Estado, como sujeito político da federação, ficou muito depreciado. O Rio Grande deixou de ser ouvido nos grandes temas, como nas reformas tributária e política e na definição de um modelo de desenvolvimento. É óbvio que para o Rio Grande do Sul foi ótimo a vitória de Dilma. Hoje toda a questão relevante regional ganha dimensões nacionais e globais, é algo inevitável. O Brasil não começa e nem termina no Rio Grande, mas as verbas federais serão de grande importância para a solução dos problemas regionais existentes. A volta do PT ao poder vai significar ênfase nas questões sociais tão latentes entre nós. A preocupação ambiental e a redução das desigualdades voltam às primeiras páginas da agenda do governo estadual” José Ernani de Almeida é historiador

“Considerando apenas o período posterior à ditadura de 1964 a 1985, o fenômeno se deu nos governos Pedro Simon e José Sarney, do PMDB. Na segunda metade dos anos 1990, os governos Antonio Britto, do PMDB, e Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, estiveram estreitamente alinhados política e ideologicamente, de modo que, embora fossem de partidos diferentes, integravam o mesmo bloco situacionista. A partir de 2011, o fato de o governador eleito Tarso Genro pertencer ao mesmo partido de Dilma Rousseff e de ambos terem integrado, longamente, o ministério do governo Lula pode ser positivo em termos de capital político para o Estado e de sintonia de ações. É possível que a implantação e execução dos projetos que ambos defenderam em suas campanhas eleitorais sejam facilitadas por isso” Eduardo Munhoz Svartman é Doutor em Ciência Política e professor de História da UPF

“A tendência é que beneficie. É da característica do ser humano sempre ser mais generoso com os amigos e na política com os membros do mesmo partido. Mas, nem sempre foi assim na história. Às vezes, eles podem ser acusados de favorecer fulano de tal por ser do mesmo partido. Se fosse assim, sempre que tivesse um governador do mesmo partido que o do presidente, o Estado seria mais beneficiado e isso feriria o princípio da igualdade republicana entre os estados. Sou de uma geração que viu suicídio de presidente, renúncia de presidente, golpe de estado... E nessa que foi a maior eleição do país em número de eleitores está tudo calmo no país. Os empresários não estão assustados, os investidores internos e externos também não. Está tudo tranquilo”.Antônio Kurtz Amantino é cientista político

“Pela primeira vez desde a redemocratização, o governador gaúcho será do mesmo partido do Presidente da República. Embora já tenhamos tido governos razoavelmente alinhados com Brasília (como Antônio Britto no governo de FHC, e Pedro Simon no período de José Sarney na presidência), uma ligação tão próxima é inédita – e ganha relevância na medida em que o último governo, de Yeda Crusius (PSDB), nunca chegou a estabelecer uma boa relação com o Palácio do Planalto. A falta de sinergia com a administração de Lula prejudicou o Rio Grande do Sul. Vários estados, especialmente no Nordeste, aproveitaram os programas sociais e as facilidades de crédito oferecidas pelo governo federal. Yeda não empregou esses recursos. Muitos programas no âmbito social e nas áreas associadas às novas tecnologias, que poderiam ter sido aproveitados pelo atual Governo do RS, acabaram não acontecendo, o que lançou o RS em um relativo atraso. Situação que se inverterá, ao que tudo indica, com a posse de Tarso Genro (PT). O governador eleito teve participação direta no governo de Lula, assumindo ministérios, e não haverá dificuldades de negociação com Dilma Rousseff. O único ponto de atrito será entre Tarso Genro e José Dirceu. O primeiro quer realizar uma grande gestão que o coloque como candidato “natural” à presidência em 2014, ao passo que o comando petista de São Paulo tem outros planos. Para que Tarso possa de fato aproveitar os benefícios de um alinhamento com Lula, o Rio Grande do Sul terá que redefinir sua pauta. Alguns setores se mostram recalcitrantes com relação a mudanças econômicas e tecnológicas, como os ruralistas. As gerações mais novas tentam, mas não conseguem convencer os setores mais conservadores a adotar essas mudanças. As indústrias também precisam ser mais ousadas, adotarem uma postura mais aberta com relação à informatização e microtecnologia. Creio que Tarso Genro é o principal quadro partidário em ascensão com competência administrativa (em primeiro lugar está Aécio Neves, e logo atrás vem o futuro governador do RS)” Mauro Gaglietti é cientista político, doutor em História e professor na IMED

“Na história republicana, por diversas vezes, o Rio Grande teve o governador em acordo político com o presidente. No nascimento da República, Júlio de Castilho e o PRR progrediram apoiados por Deodoro e, a seguir, Floriano. Na República Velha, nos governos de Washington Luís, Hermes da Fonseca, entre outros, houve concordância entre as duas administrações. Para não falar nos períodos ditatoriais de 1937 a 1945 e de 1964 a 1985, quando os governantes sulinos foram figuras inodoras nomeadas pelos ditadores. Durante o governo de Antônio Britto [1995-98] e a farra das privatizações dos bens estaduais, o presidente era FHC, seu homônimo político. Nos últimos anos é que houve dissonância entre presidência e governo estadual. A identidade política e pessoal [relativa] entre a presidenta e o governador permitirá mais fácil apresentação de reivindicações estaduais. Isso não modificará a secundarização do Rio Grande em relação ao Brasil, de profundas e antigas raízes. Nesse relativo, Tarso Genro sequer acenou o programa que iniciasse superação dessa realidade, como tentada, por Flores da Cunha [1930-37], quando do início daquela satelitização patológica, ou por Leonel Brizola [1959-1963]. A reversão dessa decadência relativa exige a constituição de novo bloco político-social, fortemente centrado no mundo do trabalho. Projeto rapidamente abandonado pelo governo Olívio Dutra [1999-2003]” Mário Maestri é historiador

“O Rio Grande do Sul está diante de um grande desafio social, econômico e político: pactuar um novo ciclo de desenvolvimento humano capaz de se inserir de forma protagonista na dinâmica atual. As desigualdades regionais e intra-regionais, de gênero e étnico-raciais, precisam ser enfrentadas de maneira consistente. Não bastam grandes projetos, e muito menos projetos que beneficiem a poucos. O desenvolvimento terá que ser capaz de promover justiça social, a sustentabilidade ambiental e, acima de tudo, a garantia dos direitos humanos. Não se pode mais aceitar que crescimento econômico seja sinônimo de exclusão social, de concentração da riqueza e de destruição ambiental. Para pautar esta prioridade será necessário produzir uma sinergia que indique a pauta central das ações para a qual possam convergir as diversas forças. Sem isso, por mais favoráveis que possam parecer, as condições podem ser desperdiçadas. O governo eleito disse estar comprometido com este desafio. Mas entendo que esta não é só tarefa do governo e sim também da sociedade, das organizações e da cidadania. O fato de estar “alinhado” ao governo central é uma condição favorável, mas por si só insuficiente para enfrentar a tarefa histórica que está posta para os gaúchos e as gaúchas”  Paulo Carbonari é doutorando em filosofia na Unisinos, professor de Filosofia do IFIBE e militante na Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF)

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