O Jornal O Nacional publica as respostas a terceira pergunta feita aos historiadores e cientistas políticos sobre o que será o governo da nova presidente do Brasil
Natália Fávero/ON
Essa é a primeira vez que uma mulher assume a presidência da República no país. O fato de uma mulher ser presidente pode influenciar de que forma no governo?
Uma conquista
“Para nós mulheres, sempre que avançamos em espaços sociais, por muito tempo exclusivamente masculino, é uma conquista. Em se tratando dos espaços da política, a situação foi, ao longo da história, ainda mais excludente. Entretanto, não considero a questão de gênero essencial para o caso em questão: a eleição da primeira mulher presidente do Brasil. Se analisarmos a presença feminina no campo da política, ela ainda é minoritária. Dilma ganhou as eleições nem tanto por ser mulher, mas muito mais pelo contexto político em que as eleições ocorreram. Se o jeito feminino de fazer gestão ou de estar no comando faz a diferença, depende da personalidade, do perfil do indivíduo, independente de ser homem ou ser mulher”.
Eliane Colussi é doutora em História do Brasil e professora da UPF
Sem dificuldades
“O fato de ser mulher até dificultou a eleição. O machismo e temas ligados ao feminino, como o aborto, foram intensivamente mobilizados pela coalizão derrotada. Não acredito que Dilma encontre dificuldades para governar por ser mulher, as dificuldades são inerentes à complexidade do país e do cenário internacional em que vivemos; se considerarmos o crescimento da bancada governista no Congresso Nacional, é de se esperar um ambiente relativamente confortável para o governo que iniciará em janeiro de 2011. Não sei se existe um “jeito homem” e um “jeito mulher” de governar. No entanto, Dilma Rousseff recoloca a questão de gênero no debate público quando afirma que o fato até agora inédito de sua eleição “possa se repetir e se ampliar nas empresas, nas instituições civis, nas entidades representativas de toda nossa sociedade”. Talvez seja esta a grande novidade”. Eduardo Munhoz Svartman é Doutor em Ciência Política e professor de História da UPF
Superando preconceitos
“A sociedade brasileira já está moderna e civilizada o suficiente para superar um possível preconceito contra a mulher. Dilma não é carismática e nunca havia disputado uma eleição e mesmo assim ganhou de um candidato experiente, que já foi deputado, senador, governador, prefeito, ministro da Saúde... A vitória dela tem um significado muito grande, porque é a primeira vez que uma mulher será presidente do Brasil. A jovem democracia já está batendo recorde. A sim que se democratizou o Brasil o primeiro presidente eleito diretamente se envolveu em corrupção e foi apeado do poder sem que houvesse ruptura da ordem constitucional que foi o Fernando Collor de Mello. Depois tivemos a eleição de um operário sindicalista que se saiu muito bem e agora pela primeira vez elegemos uma mulher. Eu fui derrotado porque sou eleitor do Serra, mas como democrata e pertencente a uma geração que ansiou muito pela democracia e pelas “Diretas Já”, estou sendo vitorioso porque a democracia está funcionando”. Antônio Kurtz Amantino é cientista político
Ineditismo
“O mais surpreendente dessas eleições é que a mesma foi ganha por uma candidata que nunca havia disputado uma eleição antes e que nunca havia exercido um mandato de vereador, prefeito, deputado, governador. Isso remete ao fato de pensarmos em qualidades de própria candidata, do prestígio do governo Lula que lhe foi transferido e dos erros da campanha da oposição na medida em que o PSDB apareceu na campanha mais ou menos unido somente no segundo turno. O fato de Dilma nunca ter concorrido, ter sido sempre uma gestora, uma técnica, precisando só exercitar o seu lado político, ajudou muito. Houve uma série de fatores para Lula eleger sua sucessora. Primeiro a transferência do Presidente, que realmente vai sair como o melhor presidente do Brasil. Um pouco acima até do patamar de Getúlio Vargas e de Juscelino Kubitschek. O segundo ponto é o preparo da candidata Dilma. Ela tem mostrado capacidade de gestão, equilíbrio, tranquilidade e firmeza”.
Mauro Gaglietti é cientista político, doutor em História e professor na IMED
Chantagem
“Dilma Rousseff foi eleita apesar de ser mulher. E foi acossada vilmente pelo seu opositor devido ao seu sexo, sobretudo através da introdução no debate eleitoral da questão do aborto, mas também do casamento de homossexuais. Uso oportunista e preconceituoso referendado, no final da campanha, em forma acintosa, por um papa que sequer consegue superar as graves acusações de adesão ao nazismo, quando jovem, e de encobrimento de padres pedófilos, quando adulto e alto dignitário da Igreja! Chantagem política à qual a candidata se rendeu, negando posições históricas defendidas por ela e por seu partido. Um candidato homem, com mais carisma, teria possivelmente obtido um escore superior. O pleito registrou um enorme retrocesso, e não um avanço, em relativo à consciência e politização da população. Porém, por além das propostas de adesão política maciça a um dos dois projetos em liça, sem quaisquer diferenças essenciais entre eles, temos que destacar os nada menos do que quase 36 milhões e 500 mil eleitores, ou seja, 28% do eleitorado, que votaram branco, nulo ou simplesmente não foram votar” Mário Maestri é historiador
Fato histórico
“A luta das mulheres por reconhecimento e por igualdade é histórica. Mas esta não é uma luta só das mulheres, pois enquanto continuarmos acreditando que uns seres humanos são melhores do que os outros em razão do gênero, da orientação sexual, da raça/etnia, da condição econômica, não viveremos efetivamente uma sociedade justa e uma democracia alargada. Por isso, entendo que a eleição de uma mulher para presidente é sim um fato histórico com forte carga simbólica. A sugestão que Dilma fez aos pais e mães para que olhem nos olhos de suas filhas e lhes digam que podem é a expressão da carga simbólica. A vida diária, no entanto, exige muito mais do que simbologia, por mais que “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”, como diz a canção dos Titãs. Acho que as mulheres sempre souberam melhor disso tudo do que nós homens ao longo da história. O machismo e o sexismo é que as impediram [e continuam impedindo] de contribuir de forma significativa com a vida pública ao longo de séculos. Demoramos muito para reconhecer isso, primeiro para oficializar o voto feminino, no Brasil só consagrado em 1932, depois para eleger uma mulher presidente. Finalmente, seria um absurdo se, pelo simples fato de ser mulher, Dilma encontrasse mais dificuldades para governar. Seria a expressão pública e máxima do sexismo e do machismo. Não sou ingênuo para acreditar que não haverá obstáculos deste tipo, afinal, não deixamos de ser machistas porque elegemos uma mulher para Presidente da República. Ainda temos muito a fazer para ampliar a participação feminina nos parlamentos, nos postos de direção dos governos e das empresas, para garantir que mulheres e homens ganhem o mesmo salário pelo mesmo trabalho, enfim, para promover a igualdade. E isso não é só tarefa das mulheres! Espero que a eleição de Dilma também ajude a desmascarar nossos machismos ainda tão arraigados”. Paulo Carbonari é doutorando em filosofia na Unisinos, professor de Filosofia do IFIBE e militante na Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF)
Caminhando com os próprios pés
“Após os vários movimentos em prol da emancipação feminina, as mulheres, passaram a caminhar com os próprios pés nos terrenos movediços da independência. Não deve ser fácil, exige autonomia, leva tempo e demanda muito trabalho. As mulheres passaram a ter um comportamento mais ativo, audacioso e corajoso diante da vida. Esse comportamento, necessário para a sobrevivência da mulher moderna, confronta-se com o conceito de feminilidade que as mulheres aprenderam e interiorizaram durante séculos de patriarcado. De acordo com esse regime social, a mulher deveria corresponder, incondicionalmente, às expectativas masculinas e em trocar receber proteção e sustento. Portanto, a mulher ideal deveria ser dócil e frágil para pertencer a um homem. Entre nós, Sérgio Buarque de Holanda, definiu de forma clara e contundente o papel da mulher no Brasil Colonial, Imperial e boa parte da República: “artigo de cama e mesa”. A ascensão social e política da mulher entre nós foi lenta. Somente nos anos 1930 as mulheres ganharam o direito de votar. Portanto, a vitória de Dilma se reveste de um significado extraordinário. Ela resgata trajetórias e relatos, provoca a discussão de valores e crenças e nos conduz a uma reflexão crítica da cultura na qual estamos inseridos e do papel de homens e mulheres em nossa sociedade. Numa sociedade patriarcal como a nossa não acredito que o fato de Dilma ser mulher tenha contribuído para elegê-la, pelo contrário, as críticas e as visões pessimistas foram gigantescas. Ainda não foi desta vez que uma mulher, por si só, chegou ao mais alto cargo da nação. Quanto à forma de governar e o jeito mulher de ser, sem dúvida, trarão mudanças que logo serão percebidas na política nacional” José Ernani de Almeida é historiador
Uma mulher no Poder, na análise de especialistas
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