Moção aprovada pela Câmara pode ter caráter discriminatório

O documento de repúdio aprovado pelos vereadores contra um projeto de lei que prevê a punição de pessoas que discriminarem homossexuais é considerado inconstitucional e gera polêmica

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Natália Fávero/ON

A maioria dos vereadores de Passo Fundo não concorda com o projeto de Lei que está tramitando no Senado e que pretende punir quem discriminar a união entre pessoas do mesmo sexo. Uma moção de repúdio contra o projeto de autoria da deputada federal Iara Bernardes (PT) foi aprovada por maioria da Câmara dos Deputados no final de outubro. O autor da moção é o vereador evangélico Sidnei Ávila (PDT). Ele alega que a sua religião não aceita esse tipo de união e seu receio é que pastores possam ser punidos por não tolerar os homossexuais. O documento aprovado será encaminhado a Câmara dos Deputados, que já aprovou o projeto de Lei, ao Senado, onde atualmente tramita a proposição, e à presidente eleita Dilma Rousseff.

O projeto da deputada Iara prevê multa de 10 mil Ufirs (cerca de R$ 10 mil) e reclusão de um a cinco anos para quem não aceitar em lugares públicos ou privados o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. Em caso de reincidência, esse valor multiplica-se em dez vezes. Esse tipo de crime poderá ser incluído tanto no Código Penal como na Lei das Discriminações (conhecida como a Lei do Racismo) e na CLT.

O autor da moção e os demais vereadores que aprovaram o documento de repúdio não julgam o apontamento como uma forma de discriminação contra os homossexuais. Sidnei Ávila disse que o projeto da deputada Iara pune aqueles que não pactuam com esse tipo de relacionamento. "Pelos ensinamentos bíblicos, o relacionamento só deve acontecer entre um homem e uma mulher. A relação sexual não é para ser realizada entre pessoas do mesmo sexo. Deus criou o homem e a mulher para dar continuidade á raça humana", disse o vereador. Ávila teme que se a lei for aprovada os líderes religiosos, como os pastores, que não aceitam a união de homossexuais, sejam punidos e que os valores éticos e morais acabem se perdendo. O vereador também enviou um e-mail para todos os vereadores evangélicos do país para que proponham a mesma moção nas câmaras de vereadores.

Três votaram contra
Dos 12 vereadores, três votaram contra, mesmo assinando a proposição: Márcio Tassi (PTB), Rui Lorenzato (PT) e Roque Letti (PDT). Juliano Roso (PCdoB) presidia a sessão e não assinou o documento. O vereador Luiz Miguel Scheis (PTB) não estava presente, mas disse que votaria contrário. Os vereadores informaram que no dia que receberam o documento assinaram baseando-se na ementa apresentada por Ávila, que não apresentava nenhuma forma de descriminação. Mas depois de ler e analisar melhor, os parlamentares identificaram preconceito no referido documento de repúdio.

Homossexuais repudiam
A iniciativa é repudiada. Um homossexual que preferiu não se identificar questionou: "Se todos afirmam não ter preconceito e que não concordam em partes com a lei, por que não sugeriram alterações em vez de repudiá-la? Eles poderiam ter proposto alterações na moção de autoria do vereador", complementou.

Ele enfatizou que as agressões físicas, verbais e constituídas devem ser punidas da mesma forma que ocorre quando há a discriminação do negro, mas concordou que o projeto está causando muita polêmica, porque foi mal redigido, uma vez que prevê punição para qualquer tipo de manifestação. "Acho que nem todas as manifestações contrárias precisam ser punidas, porque temos que ser democráticos e respeitar a liberdade de expressão. Acredito que a redação deveria ser revisada", opinou.

O homossexual argumentou que em vez de as igrejas, em especial, a evangélica, repudiarem a união homossexual, elas deveriam evitar preconceitos. "Porque essas religiões não procuram evangelizar, fazer o bem, praticar a caridade e o maior mandamento, que é amar o próximo como a si mesmo? Isso seria muito mais importante do que ficar tripudiando ou excluindo os homossexuais. A Bíblia diz que nenhum ser humano deve condenar outro", argumentou.

Moção é inconstitucional
O advogado e professor de Direito Constitucional da Imed, Júlio César de Carvalho Pacheco, analisou o documento aprovado pelos vereadores. Ele afirmou que a moção é inconstitucional. Segundo o especialista, os argumentos lançados na moção, fundamentam a iniciativa com base nos dogmas e doutrinas religiosas, o que contraria o texto constitucional, que estrutura um Estado laico, ou seja, sem religião oficial, tendo como base o direito fundamental da liberdade de crença, o que permite às pessoas optar por qualquer religião ou adotar o ateísmo. "Vejo com certa estranheza o conteúdo da moção dos vereadores locais. O texto, por ingenuidade ou deliberadamente, revela uma intolerância em relação à livre opção sexual, atitude que fere o direito fundamental de liberdade do cidadão", disse.

Ele explicou que a Constituição não obriga que as pessoas se manifestem em apoio à opção sexual adotada pelos homossexuais. O que a norma jurídica não tolera são atos de represália e discriminação contra as pessoas que adotam esse comportamento. "De forma equivocada a moção sugere que o projeto de lei da deputada Iara Bernardes impede a pregação religiosa e a manifestação da visão bíblica sobre a convivência entre pessoas do mesmo sexo, o que é uma inverdade, uma incoerência", afirmou.

Segundo ele, o projeto de lei não tolera atos de discriminação, ou seja, é possível que o pastor de uma determinada religião continue a defender o texto sagrado, porém, ele não pode agir ou adotar posicionamentos que inviabilizem a livre opção sexual das pessoas.

Pacheco declarou que a Câmara de Vereadores pode repudiar por meio de uma moção o conteúdo do projeto de lei por entender que ele exorbita na forma de aplicar as penalidades, mas não assumir, como o texto da moção demonstra, em uma primeira leitura, uma postura de intolerância ou de homofobia. "Em uma sociedade como a nossa, fundada em valores humanos tão caros para a humanidade, não se admitem atitudes preconceituosas, racistas e intolerantes", finalizou.

Confira a opinião dos vereadores que votaram a favor da moção

"Eu enfatizei as igrejas evangélicas por que sou evangélico, mas a moção é aberta a todos aqueles que não pactuam com o homossexualismo. A Igreja Católica, os espíritas, os judeus, os muçulmanos também não toleram esse comportamento. Não acredito que isso caracterize discriminação. Respeitamos as pessoas por sua crença, cor, mas penalizar com 10 mil Ufirs e reclusão, isso sim é preconceituoso." Sidnei Ávila (PDT)

"A assinatura não é em repúdio ao projeto, mas sim à penalidade imposta. Na minha opinião, todos são livres para fazer suas escolhas. Eu não tenho preconceito algum contra qualquer pessoa, mas eu acho que os líderes religiosos têm o direito de se manifestar em relação àquilo que eles julgam errado." Aristeu Dalla Lana (PTB)

"Analisando a nossa sociedade hoje, penso que não estamos preparados para um projeto de tal amplitude como esse que a deputada quer estabelecer em nível nacional. Defendo a família e seus valores. E também assinei por ser católico e trabalhar em uma rádio de cunho católico. Não tenho nada contra as opções sexuais dos outros, mas acho que não estamos preparados para isso." Patric Cavalcanti (DEM)

"Eu assinei a moção porque acho complicada a questão da mordaça, ou seja, essa proibição de as pessoas falarem o que elas entendem sobre determinados assuntos. Essa é uma questão muito sensível. Entendo que no momento em que as pessoas falam mal do relacionamento homossexual, ofendem essas pessoas. Mas fico tranquilo em ter assinado essa moção, porque ofensa é crime e se é crime tem meios próprios para ser julgada; e eu a assinei porque sou contrário à Lei da Mordaça." Rafael Bortoluzzi (PP)

Confira a opinião dos vereadores que são contra a moção

"Eu não votei por que estava presidindo a Câmara, mas, se votasse, votaria contra. Fui o único que não assinei essa moção. Entendo que ela discrimina a opção sexual das pessoas. Essa questão é particular. Há leis no Brasil que já consolidam a proibição de discriminação de credo religioso, político, racial ou de opção sexual."Juliano Roso (PCdoB)

"Sempre assino as moções dos colegas vereadores para tramitar na casa, mas a assinatura não significa que votarei favorável. Após analisar essa moção, achei que ela não era viável, porque não é justo ofender alguém por sua opção sexual. Se a pessoa tem uma opção, ela tem de ser respeitada em qualquer lugar, na rua, no trabalho e na família. Quem pratica a homofobia tem de ser punido."Márcio Tassi (PTB)

"Eu assinei e votei contrário na plenária. Não acho certo uma religião discriminar os homossexuais simplesmente por que ela não permite esse tipo de união. As pessoas têm de ter liberdade, inclusive quanto à escolha sexual. Depois de analisar as consequências percebemos que as pessoas devem ter opções religiosas e sexuais, e isso tem de ser  arantido." Rui Lorenzato (PT)

"Assinei a moção por que na ementa não constatei nenhum motivo de discriminação. Mas quando eu vi o teor da moção, mais a fundo, eu justifiquei a minha assinatura e manifestei-me contrário. Enviei minha justificativa ao presidente da casa. Vivemos em um mundo de igualdade racial e de sexo, jamais serei favorável ao teor dessa moção." Luiz Miguel Scheis (PDT)

O vereador Roque Letti que assinou, mas votou contra, preferiu não se manifestar. O vereador João Pedro Nunes (PMDB) votou a favor, mas no dia em que a reportagem ouviu os vereadores, ele não estava presente na sessão plenária. O vereador Paulo Neckle (PMDB), que também votou a favor, preferiu não se manifestar.

Íntegra da justificativa da moção
"A presente Moção tem como justificativa pelo fato de colocar os líderes religiosos, católicos, evangélicos, espíritas, muçulmanos, judeus e outros cujo estatutos religiosos como a Bíblia, o Alcorão e a Torá que não aceitam o relacionamento sexual que não seja entre um homem e uma mulher, como preconceituosos e cabíveis de condenação criminal, caso em suas liturgias leiam um texto registrado em seus livros sagrados milenares, de cujo a Fé é sua estrutura, se por acaso entre seus ouvintes esteja algum adepto GLS, tendo de aceitar dentro de seus espaços sagrados, ou seja, locais destinados ao culto e pregação da palavra que pessoas do mesmo sexo troquem e até se beijem, como muitas vezes tem ocorrido nos templos religiosos.

Entendemos que a atitude da nobre Deputada, sim é uma afronta aos preceitos da sociedade convencional, pois os templos é o local onde levamos nossos filhos para conhecer a palavra e viver dentro de uma sociedade de disciplina e bons costumes, que nos vem sendo transmitido.

Neste sentido solicitamos aos demais pares desta Casa que aprovem esta proposição que tem a finalidade de preservar aquilo que desejamos aos nossos filhos, que é respeito, não discriminando os indivíduos com opções diferentes, no entanto respeitando também às palavras do livro mais importante de nossas vidas a Bíblia Sagrada.
Gabinete Vereador Sidnei Ávila, aos dois dias do mês de setembro de dois mil e dez."

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