São 8h de uma manhã quente de terça-feira na Capital do Estado. Em frente à Praça da Matriz, no décimo segundo andar da Assembleia Legislativa (AL), a última sala do corredor já está de portas abertas. Contrariando hábitos locais, os assessores são pontuais e garantem que ali, no número 1.208, a prática é chegar antes e sair depois. Os quatro ambientes delimitados por divisórias de madeira avermelhada começam a ser esvaziados. Depois de seis anos o gabinete vai deixar de ser a sede da “Embaixada de Passo Fundo”. O deputado Luciano Azevedo é o diplomata que representa a capital do Planalto Médio em terras porto-alegrenses. Em 18 de dezembro, Luciano cumpriu seu último expediente como deputado estadual. O Nacional, que também esteve presente no princípio de seu primeiro mandato, acompanhou a despedida.
Na manhã derradeira, no Palácio Farroupilha, quatro assessores ainda permanecem auxiliando Luciano; alguns dos demais já migraram para o norte do Estado, onde vão continuar a parceria com o futuro prefeito. A chefe de gabinete Fernanda Biskup está se despedindo. Assim como a maior parte de equipe, ela veio de Passo Fundo especialmente para trabalhar com o deputado. Quando iniciou no gabinete, ainda no primeiro mandato, estava contratada para ser recepcionista. Havia sido descoberta como estagiária do Banco do Brasil, prestes a se formar em Administração foi convidada para compor a equipe que hoje ajuda a comandar. Construiu família e estabeleceu a vida em Porto Alegre, por isso fica. Quando fala do momento, os olhos de Fernanda denunciam o sentimento, mas ela respira e sorri. “Afinal foi uma parte da minha vida aqui dentro”, define. Ela e os outros servidores se adaptaram às muitas exigências e ao perfil rigoroso do deputado.
Enquanto isso, em sua sala, o deputado busca resolver as últimas questões burocráticas para entregar o espaço e os equipamentos que usufruiu como parlamentar. A cedência de servidores do Estado para que o acompanhem na prefeitura é outra das preocupações. Assina papeis que examina detidamente. Meticuloso pede explicações, quer saber quem enviou. Às suas costas, as janelas dão vista panorâmica para o Rio Guaíba, possivelmente uma das melhores da Assembleia, por se tratar do último pavimento. Ao fundo é possível distinguir o Gigante da Beira-Rio, estádio do time do futuro prefeito. Mas de costas para a paisagem, Luciano parece não se importar com este horizonte, nem lamenta deixá-lo. O futuro está a 300 km.
Nova rotina
Às 9h inicia a agenda habitual. A rotina não é mais amena no dia da despedida, pelo contrário: combina-se a agenda de parlamentar com a de futuro gestor municipal. O primeiro compromisso da manhã é a reunião da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia. O deputado desce pelo elevador exclusivo para os parlamentares até a sala Prof. Salzano Vieira da Cunha, no terceiro andar. Cumprimenta os assessores da comissão e faz questão de apresentar Lúcia Dipp, sobrinha do prefeito Airton Dipp, a servidora de carreira que é um de seus “braços direitos” na AL. A sessão começa com um ligeiro atraso e a presença de apenas quatro dos 12 titulares. Nos primeiros minutos Luciano avisa que precisará sair em seguida para cumprir outros compromissos e anuncia que é seu último dia como parlamentar. “Sabemos o quanto o deputado sempre lutou por sua cidade. De cada palavra, uma e meia é Passo Fundo”, brincou o deputado Carlos Gomes (PRB) que abriu as manifestações de cortesia.
O deputado Jorge Pozzobom (PSDB) – que também disputou as eleições majoritárias em outubro, mas foi derrotado em Santa Maria – afirmou que Luciano fará falta, mas que a satisfação é maior por tê-lo em breve atuando como prefeito. O tucano não perde a oportunidade do trocadilho. “Quando o passo é fundo é porque estamos caminhando com convicção”. Ela destaca o trabalho do futuro prefeito relacionado ao Código de Defesa do Consumidor e na discussão sobre a CEEE. Lúcia Dipp foi definida como “quase deputada”, a quem Pozzobom pediu uma lista dos projetos de Luciano, para acompanhar o andamento pessoalmente.
Às 9h30 Luciano já está deixando a Assembleia em direção ao Centro Administrativo do Estado. Na saída topa com o deputado eleito e secretario de Saúde, Ciro Simoni (PDT) que se coloca à disposição para auxiliar o futuro prefeito. Os colegas de parlamento que esbarram com Luciano pelos corredores e saguões repetem o mesmo ritual: cumprimentos, alguma amenidade, colocam-se à disposição e desejam boa sorte na nova empreitada. O encontro retarda um pouco mais a reunião marcada na Secretaria de Infraestrutura e Logística (Seinfra) que já devia ter começado.
O secretário adjunto da Seinfra, Claudemir Bragagnolo, e o diretor do Departamento Aeroportuário, Roberto Carvalho Netto já o aguardavam. Metódico e detalhista as primeiras palavras do deputado ao chegar à reunião é explicar o motivo do atraso, cerca de 10 minutos, e desculpar-se. A pauta do encontro são as obras previstas para o Aeroporto Lauro Kourtz e para a ERS 324. Os dois projetos existentes para o aeroporto são explicados, assim como os motivos para os subsequentes atrasos na execução. Carvalho Netto estima que sejam necessários R$ 30 milhões para a obra completa de reformulação, com novo terminal; existem R$ 15 milhões disponíveis. A promessa é que o trabalho seja iniciado antes do final de 2014. A conversa sobre a rodovia é mais sucinta e menos desanimadora. Em meia hora a reunião encerra.
Preparando a mudança
De volta ao gabinete, quadros, fotografias e objetos pessoais já estão embrulhados. Fernanda alcança o chimarrão e os papeis que selecionou e precisam ser analisados pelo deputado, que decide se devem ser arquivados ou descartados. Enquanto examina os documentos relembra dos caminhos percorridos. Durante seis anos atuando como deputado estadual, Luciano rodou mais de 600 mil km viajando por diversos municípios do interior, segundo calcula.
Está na hora de outra reunião. Enquanto segue até o próximo destino Luciano cantarola versos de músicas, o que faz com frequência. Quase sempre são canções de Roberto Carlos. A próxima parada é o Tribunal de Contas do Estado. A reunião às 10h30 é com o presidente da instituição, Cezar Miola. Já à entrada do prédio o deputado é recepcionado por um servidor que se desdobra em mesuras protocolares e o conduz pessoalmente até a antessala da presidência. A formalidade e a cortesia também marcam as maneiras do presidente do Tribunal. Luciano e Miola falam sobre o município e o futuro prefeito agenda um curso para os novos gestores. A ideia é realizar uma capacitação na segunda semana de janeiro para cerca de 40 pessoas, entre secretários e dirigentes de entidades da administração indireta. O próximo prefeito quer evitar vícios e equívocos na sua equipe desde o princípio. A audiência prossegue por 45 minutos em que Luciano reitera ideias e explica minúcias do que pretende.