Advogado analisa o caso mensalão

O advogado e professor de Direito Osmar Teixeira analisa o julgamento do caso que mobilizou o país: O Mensalão

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Um julgamento de mais de quatro meses que encerrou com 25 réus condenados e 12 absolvidos catalisou a atenção dos brasileiros durante o período. Mesmo após o estabelecimento das penas, o caso ainda gera polêmica e entrou para a história como o maior escândalo de corrupção do país. Passado o período de frenesi, ON convidou o advogado e professor mestre em Direito, Osmar Teixeira para analisar alguns aspectos do julgamento da ação penal 470, o Mensalão.

ON - A Operação Porto Seguro, que investiga a obtenção pareceres técnicos fraudulentos por órgãos federais com o objetivo de beneficiar interesses privados, pode ser entendida como uma consequência do julgamento do Mensalão?

Osmar Teixeira - Penso que sim. Em outro cenário não teríamos a denúncia realizada a partir de um integrante arrependido da sua participação Cyonil da Cunha Borges de Faria Jr., auditor do Tribunal de Contas da União. Ele assim agiu porque teve medo da punição. Em outros tempos, não distante, acreditaria que não seria alcançado pela lei a tempo de cumprir pena.

ON – Até que ponto o modo pelo qual os ministros do STF são escolhidos, por indicação política, pode interferir nos julgamentos?

Osmar Teixeira - Não se pode confundir processo de escolha com vinculação de julgar favoravelmente as demandas do parlamentar. A escolha como determinada pela Constituição Federal tem como objetivo fazer com que o futuro Ministro apresente-se aos parlamentares, discorrendo sobre o seu currículo e condições para o preenchimento do cargo de supremo magistrado da nação. É um processo seletivo. É inegável que muitos defendem um processo sem a intervenção dos parlamentares, mas, dizem os críticos, ficaríamos ao arbítrio do Executivo ou das entidades que os indicassem.

ON - Como avalia a atuação do presidente do STF, Joaquim Barbosa?

Osmar Teixeira - Ele pode ser visto de diferentes ângulos. O primeiro, como cabedal de conhecimento não há divergências, é competente e tem bagagem para o cargo. O segundo, ele representa uma classe racial, por vontade direta do então Presidente Lula, que solicitou ao então Ministro da Justiça Márcios Thomaz Bastos, a escolha de um candidato negro ao STF. Isso faz com que cada gesto ou decisão tenham um simbolismo especial, denotando independência e autonomia em grau máximo (o que desagrado a muito políticos da base do governo). Terceiros, ele faz um julgamento populista e tem criados silogismos e imposto posições aos seus colegas da toga. É o herói do povo. Quarto, sob o ponto de vista da moralidade ele criou um divisor de águas no que diz respeito à gestão de recursos públicos. Teremos, com certeza, um endurecimento, espero que sem violência jurídica, nos casos que digam respeito à moralidade pública.

 ON - Do que se trata a “teoria do domínio do fato”, usada para condenar os chamado núcleo político do esquema mensalão, que não teve participação material direta?

Osmar Teixeira - Ela foi criada, pelos próprios alemães, para julgar os criminosos nazistas na Segunda Guerra Mundial, quando do julgamento de Nuremberg. Seria, em linguagem simples, a punição do homem que está atrás da mesa; ele não participa diretamente das ações criminosas, mas, detém o controle de todos os fatos executados para o resultado delituoso, pois, presume-se o seu consentimento e conhecimento, em razão do cargo que ocupa e da relação que possui com aqueles que executam a atividade delituosa.

No caso do mensalão isso fica evidente. O relator Joaquim Barbosa afirma que há provas abundantes da culpa de Dirceu. Em sentido contrário, o revisor diz que não há prova alguma. A realidade é que a prova técnica contra Dirceu é extremamente frágil. Pela ótica dos princípios que norteiam o processo penal, o revisor tem razão, sobretudo, porque, Roberto Jefferson, que poderia ser utilizado como testemunha ou delator beneficiado pela delação premiada, foi incluído no processo como acusado, fragilizando por demais o viés probatório da revelação que fez sobre o esquema criminoso. O Relator sustenta que o cenário delitivo é gigantesco e aí fica difícil não enxergar a lógica, isto é, a ação dos que estão por trás dos executores (aqueles que dominam o fato delituoso). Aliás, a ministra Rosa Weber, invocando “a lógica autorizada pelo senso comum”, ressaltou que na Justiça Trabalhista ela proferiu diversos votos, sob a inspiração de [Nicola] Malatesta, no sentido de que “o ordinário se presume, só o extraordinário se prova”. Esse entendimento, em matéria penal, ao meu sentir fere os princípios da verdade real e presunção de inocência. É um verdadeiro absurdo. 

Em socorro ao raquítico quadro probatório de alguns réus, que poderia ser derrubado pelo princípio do ‘in dubio pro reo’ [relativo à presunção de inocência], os ministros que fazem divergência ao revisor, invocaram a teoria do domínio do fato, importada do Direito alemão. Ocorre que a teoria do domínio do fato não dispensa prova, caso contrário, se institucionalizaria a punição pela simples relação hierárquica. Assim, por exemplo, o chefe da repartição seria punido por crime ocorrido na sua área de atuação, independente da relação de causalidade, dolo ou culpa, bastando haver relação lógica de que ele, como chefe, teria o domínio da situação. Isso fere os princípios que norteiam a responsabilidade penal subjetiva. Daí a condenação de José Dirceu surpreender muita gente, inclusive eu, que não acreditava que iria acontecer, mas que hoje é uma realidade. Como se tem dito, o STF pode tudo, uma vez que é a última instância na dicção do direito. Assim, pragmaticamente, é inútil discutir o acerto ou erro da decisão condenatória. O que se discute aqui é o óbvio: se a teoria do domínio do fato serve para incriminar José Dirceu, a fortiori (com maior razão), também serve para incriminar Lula. Nesse sentido, como o relator consignou que o “elevadíssimo cargo” que era ocupado por Dirceu lhe conferia o domínio do fato. Por razão maior, o cargo máximo que era ocupado por Lula lhe coloca em situação de responsabilidade superior. Mas esse parece ser imune a qualquer fato, pois, nunca sabe de nada, inclusive os fatos da operação Porto Seguro e sua onipresente secretária paulista. Do ponto de vista legal, o artigo 13 do Código Penal diz que “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”. Logo, todos que deram causa, comprovadamente, deveriam estar no processo, desde que (até este momento da jurisprudência) existisse provas da prática do ilícito.

ON - Quais serão os reflexos do julgamento do mensalão pelo Supremo?

Osmar Teixeira - Muito se falará deste julgamento. Teremos reportagens, livros; a internet deixará para a eternidade todos os seus passos; teremos dissertações de mestrado, teses de doutorado e muitos puristas defendendo as posições debatidas nesse julgamento. Muito disso se deve a mídia. O momento é histórico. O STF, é consenso, sai com uma imagem positiva perante a mídia e o povo em geral, pois passa uma mensagem de independência e imparcialidade, afastando a famosa pizza dos casos de corrupção. O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo, tornar-se uma pessoa muita conhecida, admirada e até cogitado para ser Presidente da República (como estamos carentes e valores morais).

ON - Como se pode entender as penas aplicadas?

Osmar Teixeira - O regime de cumprimento da pena será fixado pelo STF (Cód. Penal, art. 589, III): a pena de prisão será cumprida em regime fechado se superior a oito anos; as condenações de 4 anos e 1 dia a 8 anos iniciarão o cumprimento em regime semiaberto, ou seja, em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar; as condenações até 4 anos poderão ser cumpridas em regime aberto. As penas poderão ser substituídas por penas restritivas de direitos (prestação de serviços à comunidade), com pernoite em estabelecimento prisional e nele passar os fins-de-semana em estabelecimento albergado. As penas serão fiscalizadas pelos juízos da execução penal, através do seus juízes. O STF não interferirá, salvo em recurso a ele dirigido, já que a regra do domicílio é que atrai a competência para a execução penal. As penas de multa não foram pagas em 10 dias serão inscritas como dívida ativa e cobrada em uma das Varas de Execução Fiscal. Se não tiver bens passíveis de penhora acaba ai.

Teremos para aqueles que estiverem exercendo cargo, função pública ou mandato eletivo, a perda do cargo. Acredito, também, que será ordenada a prisão daqueles condenados a regime fechado, tão logo seja proclamado o resultado. Será uma grande manchete no Brasil e no mundo.

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