A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37 de 2011 está pronta para ser votada pela Câmara dos Deputados e tem dividido opiniões. Enquanto o Ministério Público (MP) a trata como a PEC da impunidade, outras instituições a tratam como a PEC da legalidade. Na prática, a proposta limita o poder de investigação criminal apenas às polícias civil e federal, excluindo esse poder de outros órgãos como o Ministério Público, Tribunal de Contas e limita a atuação das Comissões Parlamentar de Inquérito (CPIs). Se há quem defenda que o MP nunca teve o poder de investigar crimes de acordo com a Constituição Federal (CF), para o órgão não há nenhum fator constitucional que o impeça de exercer esse papel, sendo que muitas ações julgadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram parecer favorável ao MP.
A PEC 37 foi apresentada pelo deputado Lourival Mendes, do PT do B do Maranhão, ainda em 2011 e está pronta para ser votada. Se aprovada, ela acrescentará o parágrafo 10 ao artigo 144 da constituição com a seguinte redação: “A apuração das infrações penais de que tratam os §§1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos estados e do Distrito Federal, respectivamente”.
“Há uma divergência de interpretações da Constituição Federal”
No entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a interpretação do Ministério Público de que ele pode investigar está equivocada e a PEC 37 serviria para orientar a interpretação constitucional. Conforme o presidente da OAB Subseção Passo Fundo Alexandre Gehlen o principal argumento que justifica o apoio à PEC é a falta de regulamentação das investigações do MP que podem prejudicar os direitos de ampla defesa e de devido processo legal. “A OAB tem por objetivo primordial primar pela defesa da CF e dos direitos básicos. Faltando essa regulação de procedimentos dentro do MP não temos claro esse resguardo da ampla defesa”, expõe.
Para Gehlen a campanha feita evidenciando que esta é a PEC da impunidade é um meio de ganhar a opinião pública, mas que não corresponde a realidade. “O fato de dizer que o MP não tem poder de investigação não quer dizer que os delegados não façam um trabalho adequado. A campanha está equivocada. A polícia tem feito um bom trabalho. Claro que quanto mais órgãos investigarem, principalmente nas questões de corrupção, é bom para a sociedade, mas ela tem que ter regulamentação clara para que os direitos não sejam maculados”, salienta. Ele avalia ainda que já há uma participação ativa por parte do Ministério Público em investigações criminais ao determinar diligências dentro de determinado caso.
“Não há vedação para que o MP investigue”
Assim como a Constituição Federal não define que o Ministério Público possa fazer investigações criminais, ela também não veda em nenhum momento esse tipo de procedimento por parte do órgão. Casos em que pessoas foram condenadas a partir de investigações do MP foram consideradas legítimas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Para o diretor das Promotorias do Ministério Público Estadual de Passo Fundo Diego Mendes de Lima quando a constituição disciplina o MP ela diz que cabe a ele a proteção de todos os direitos sociais, coletivos e individuais. Portanto, tudo que está previsto na CF como direito fundamental é objeto de proteção do MP em sua atuação, por isso a necessidade de ser um órgão com o poder de investigar.
A PEC 37 não atinge apenas o Ministério Público, mas outros órgãos como é o caso do Tribunal de Contas, Receita Federal, INSS e mesmo as CPIs que não poderiam mais apurar crimes, mas apenas infrações administrativas. Quando houvesse um crime ele deveria ser investigado pela polícia. “A CPI investiga de acordo com o seu regimento interno. Se a conduta for definida como crime no Código Penal só a polícia poderá investigar. Sobram para as CPIs as infrações administrativas como a quebra de decoro”, exemplifica.
Entre os argumentos utilizados contra o MP, está o que diz que o órgão investiga apenas quem ele quer além de não ser fiscalizado. Lima rebate enfatizando que assim como a polícia, as ações do MP seguem os mesmos limites da investigação policial. “O MP não tem o poder de lesar direitos e garantias fundamentais. Se o promotor quiser fazer uma escuta telefônica, prender alguém ou tornar indisponíveis os bens de alguém, ele precisa pedir autorização para um juiz, como um delegado faz”, esclarece.
Lima acredita que melhor solução para este impasse seria a regulamentação em lei a respeito de que tipos de matérias poderiam ser alvo de investigação do MP, e mesmo de outros órgãos atingidos, como forma de garantir que as investigações sejam feitas por quem tem mais afinidade com cada tipo de crime. “Não precisa permitir que o MP se manifeste em qualquer investigação criminal, mas o caminho não é a PEC 37 que exclui o MP de tudo”, afirma. Para ele, não há o interesse de excluir a polícia das investigações, mas sim permitir que um trabalho conjunto seja feito como tem acontecido.
“O MP não perde poder de investigação”
O chefe da Delegacia de Polícia Federal de Passo Fundo, delegado Mauro Vinicius Soares de Moraes, defende que mesmo com a aprovação da PEC 37 o MP não perderá o seu poder de investigação. O argumento dele é baseado na prerrogativa que garante ao MP requisitar a instalação de inquérito policial e as diligências necessárias, bem como intervir em investigações que estejam em andamento. “O MP faz a requisição à polícia que instaura o inquérito e ele acompanha toda investigação e durante esse processo pode determinar as diligências necessárias”, pontua.
Além disso, quando a Polícia Federal inicia uma investigação ela comunica ao Ministério Público que tem o conhecimento do tema e pode acompanhar os procedimentos adotados. “Há uma fiscalização concreta tanto pelo MP quanto pelo judiciário com relação ao trabalho que a PF está desenvolvendo”, assegura. Para ele, a atuação do MP na fase pré-processual e na fase processual poderia prejudicar o contraditório e a ampla defesa que são garantidos pela Constituição Federal. Na opinião do delegado, a Polícia Civil, a Polícia Federal e o MP deveriam afinar ainda mais a atuação entre a polícia e o MP para combater o crime organizado que se aperfeiçoa cada vez mais. Destaca ainda o trabalho desenvolvido em Passo Fundo em que há uma interação construtiva entre os órgãos.
“A PEC reafirma o que a Constituição Federal já diz”
O delegado titular da sexta Região Policial Paulo Videla Ruschel acredita que a PEC 37 apenas reafirma o que a Constituição Federal já define. Ele destaca que o papel do Ministério Público é fundamental para a garantia do direito das pessoas, no entanto não tem a prerrogativa da investigação. “A proposta veio para beneficiar a sociedade e as polícias civil e federal que devem ter garantidos os meios necessários para executar a sua tarefa constitucionalmente atribuída. A Polícia Civil tem todas as condições de realizar a investigação de todos os tipos de crime”, aponta lembrando que nos últimos anos grandes operações foram desenvolvidas na região e mesmo em outros estados. De acordo com Ruschel, o inquérito policial segue um regramento específico, enquanto nas investigações do MP não há um instrumento legal que diga de que forma a investigação deva ser realizada.
Votação
A votação da PEC 37 pela Câmara dos Deputados está prevista para o próximo mês de junho, ainda sem data definida.