Um desavisado que chega ao gabinete do governador José Ivo Sartori (PMDB), no Palácio Piratini, não dirá que o governo gaúcho vive um dos momentos mais turbulentos de sua história. Sartori recebeu a Associação dos Diários do Interior (ADI-RS) na manhã de quarta-feira, menos de uma semana após apresentar o polêmico projeto de lei que aumenta as alíquotas de ICMS (que corre sério risco de ser rejeitado na Assembleia), um dia antes de anunciar uma ação judicial para proibir a União de bloquear as contas do Estado em caso de atraso no pagamento das parcelas da dívida e na iminência de confirmar um novo parcelamento dos salários do funcionalismo, o que pode desencadear novas paralisações no serviço público. Apesar disso, tinha a mesma tranquilidade e desembaraço que mostrava há pouco mais de um ano, quando conversou com a mesma equipe ainda enquanto candidato. Sorridente, fez brincadeiras com os sobrenomes dos jornalistas. Antes de a entrevista começar, desculpou-se por não estar usando gravata. “É que eu não gosto muito”, se explicou.
Como não poderia ser diferente, a conversa de cerca de uma hora concentrou-se na situação calamitosa das contas públicas. Sartori, no entanto, procurou a todo momento demonstrar que o Estado não está paralisado, citando realizações e projeções. Sua fala, como de costume, também foi marcada por muitas citações, de Voltaire a Leonardo Boff. Evitando críticas a antecessores, pregou compreensão da comunidade e das forças políticas em torno de suas propostas, admitiu a possibilidade de privatizações e extinções de estruturas do Estado e garantiu que não voltará atrás no seu projeto de equilibrar a situação financeira com remédios impopulares. Sobre o ICMS, foi taxativo: não existe outra alternativa.
Gazeta – O senhor está prestes a ingressar no nono mês à frente do Estado. Governar o Rio Grande do Sul é mais difícil do que imaginava?
Sartori – É evidente que sim, não posso negar isso. Sabíamos das dificuldades financeiras e da falta de recursos, mas não sabíamos que a gravidade era tão alta. Por isso eu considero que nós estamos vivendo hoje uma situação de emergência financeira. É como eu sempre digo: sem falso pessimismo, mas também sem falso otimismo. É preciso ter a cabeça no lugar, equilíbrio e uma forma de, transparentemente, colocar essa verdade ao conhecimento de todos.
Gazeta – Quando o senhor assumiu, tinha a dimensão real da situação financeira do Estado?
Sartori – Em boa parte, sim. Mas não na dimensão que nós conhecemos hoje. Tanto é verdade que a gente faz tantas elucubrações, uma hora puxa daqui, outra hora puxa de lá, para poder manter folha de pagamento em dia, para que os serviços continuem sendo feitos, e para que tenhamos a perspectiva de que o futuro seja diferente. Se a gente tiver um conhecimento profundo dessa realidade de hoje, com certeza não vamos mais deixar que o poder público estadual volte a viver uma situação dessa natureza.
Gazeta – A crise no Estado vem de décadas, mas só a partir do momento em que o senhor assumiu passou a ocupar o centro da agenda pública. O senhor tem a sensação de que a bomba ficou para estourar no seu colo?
Sartori – Eu não diria isso. Sou muito comedido nas minhas palavras e nas minhas ações. Sempre digo que todos os que vieram antes de nós procuraram fazer o melhor. Não me alegro com essa situação, mas também não quero penalizar ninguém. Também pelas ações que os meus antecessores tiveram o Rio Grande tem uma economia pujante, tem um agronegócio que dá certo, tem uma indústria pujante. O que nós temos que fazer daqui para frente é ter bem clara a caminhada que precisa ser feita. Eu sempre digo: nós não chegamos ao fundo do poço, nós passamos do fundo do poço. Não chegamos ao limite financeiro, nós passamos do limite. E isso não se recupera só por um governo.
Gazeta – O senhor já teve várias reuniões com o governo federal. Que tipo de apoio espera da União?
Sartori – Esperaríamos muita coisa, mas infelizmente conhecemos a realidade nacional. O governo federal também passa por ajuste fiscal, tem problemas de ordem política, tem problemas de toda ordem e o que estamos fazendo é preparar o terreno para os próximos anos, na medida em que tivermos uma economia mais saudável. Conversamos com o Ministério da Fazenda inclusive sobre futuros empréstimos, quando o Estado puder voltar a ter novos financiamentos, o que lhe daria um fôlego para outros investimentos. Também negociamos com o governo federal a questão da dívida, pois desde abril não estávamos pagando em dia, e infelizmente em agosto eles bloquearam as contas do Rio Grande do Sul e só sexta-feira passada é que começaram a ingressar os recursos.