Vinte e quatro anos depois, Câmara vota outro impeachment

O primeiro processo de impedimento de um presidente ocorreu em 1992 contra Fernando Collor de Mello

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Sob contagem regressiva se fez a votação do impeachment na Câmara. Cada um dos quase 500 deputados falava rapidamente seu sim ou não no microfone central do Plenário. A cada posicionamento positivo, a Casa se enchia de aplausos, enquanto transmissões televisivas mostravam diferentes regiões do país munidas de bandeiras e comemorações. O ano é 1992 e, ao invés de Dilma Rousseff, o foco estava no então presidente Fernando Collor de Mello.

Naquele fim de setembro, há 24 anos, o impeachment era aprovado na Câmara dos Deputados por 441 votos contra 38. O coro de “Brasil! Brasil!” se estabeleceu pelo país. Era esta a autorização necessária para que o Senado abrisse processo de impedimento de governo, afastando Collor da presidência. Três meses depois, minutos antes da condenação do Senado, Collor renuncia ao cargo. Ainda assim, é condenado: tem seus direitos políticos suspensos por oito anos e Itamar Franco assume a presidência.

Dilma e Collor são os dois únicos presidentes do Brasil que já tiveram julgamentos do impeachment tramitando na Câmara. Entre eles também é comum o clamor popular e da imprensa. Ainda assim, alguns aspectos os diferenciam: eles chegaram ao processo por motivos diferentes.

Acusações

Fernando Collor

Acusado por uma CPI de ter usado, em proveito próprio, mais de U$ 6 milhões de um esquema de captação ilegal de dinheiro, coordenado por seu ex-tesoureiro de campanha, Paulo César Farias. Na época, Collor não contestou o processo de impeachment. “Ele não fez nada disso porque acreditava fielmente que seria absolvido”, pontuou o cientista político David Fleischer.

 

Dilma Rousseff

Acusada de ter autorizado manobras orçamentárias sem autorização do Congresso – também conhecidas como pedaladas fiscais. A presidente Dilma afirma que o impeachment é golpe e que o processo fere a democracia da qual foi eleita legitimamente. 

Vice-presidentes

Itamar Franco
O vice-presidente de Fernando Collor não se envolveu profundamente no processo. “Itamar ficou absolutamente inerte, calado e quieto, até porque não houve uma polarização naquele processo. De um lado ficou todo o sentimento popular. De outro, o presidente Collor”, pontuou Ibsen Pinheiro, presidente da Câmara dos Deputados na época do primeiro impeachment. 

Michel Temer

Os holofotes, desta vez, não estão apenas sobre a presidente. Eles se voltam também para Michel Temer. O vice chegou a publicar uma carta em dezembro de 2015 falando que Dilma não lhe confiava informações do governo. Recentemente vazou um áudio em que Temer faz um discurso de posse, posicionando-se como se já estivesse havido o impeachment e ele assumisse a presidência da Repúlica. Michel é também chamado de 'traidor' por defensores do governo. O grupo afirma que ele é o principal articulador da queda da presidente, junto do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Por outro lado, alguns grupos pedem igualmente o impeachment de Temer, solicitando novas eleições.

Apoio político

Fernando Collor

Pouco tempo após sua eleição, Collor foi perdendo apoio no Congresso. No fim, não tinha base de sustentação política. “Ele foi abandonado porque a sua base se dissolveu, as forças econômicas que deram suporte à sua chegada ao poder o abandonaram e ele foi literalmente rifado desse processo”, pontua o cientista político Flávio Testa. 

Dilma Rousseff

Testa afirma que o que está acontecendo com a presidente Dilma é muito diferente do que aconteceu com Collor, ainda que a polaridade seja clara em todo o âmbito político e social. “Há uma divisão grande, o governo ainda tem uma boa base parlamentar, há muitos interesses em jogo, mas a capacidade de sustentação ainda é significativa”, analisou.

Sociedade brasileira

1992

O governo Collor chegou logo depois do regime militar e do governo Sarney, que teve muitas dificuldades. Foi o primeiro governo depois das Diretas Já – movimento que reivindicava que seus governantes fossem escolhidos democraticamente, pelo voto do povo. Na época, Collor lançou uma medida econômica, buscando driblar uma inflação descontrolada: a medida proposta foi confiscar os depósitos em contas bancárias com valores acima de CR$ 50,000 (cruzeiros). Muitas pessoas e empresas faliram na época, o que motivou a total reprovação do governo. Outras críticas foram sobre privatizações de empresas estatais e leilões de bens públicos. A ida às ruas foi marcada por estudantes, liderados, principalmente, pela União Nacional dos Estudantes (UNE). O movimento 'Caras Pintadas' ia às ruas para pedir a saída do presidente pela primeira vez na história do país. 

2016

Graças a internet, a mobiliação popular é muito maior que a de 1992. Além disso, o cenário econômico é totalmente diferente. Para Testa, apesar de o período Collor também ter sido marcado por uma crise econômica, hoje a percepção da população é que a situação é ainda pior. “O governo Dilma passou por uma fase muito interessante. Nos dois mandatos do governo Lula, a economia cresceu, aumentou a satisfação das categorias mais pobres e agora há uma insatisfação generalizada. E isso, evidentemente, vai impactar o comportamento dos parlamentares, principalmente porque nós temos eleições em outubro”, explica o cientista político.

Reta final

Fernando Collor

Nos dias que antecederam as votações na Câmara, em setembro de 1992, Collor começou a perder aliados que considerava, até então, fiéis. Conforme Ibsen Pinheiro, as mudanças de voto foram sendo feitas a partir do momento em que seus adversários estaduais começavam a anunciar publicamente ser contrários ao presidente. “Ninguém imaginava que passaria por 441 contra 38. Isso foi produto de uma profunda alteração na reta final do processo de impeachment”, declarou.

No fim, por falta de provas, Collor e PC Farias são inocentados da acusação de corrupção passiva. Respondendo a 35 ações judiciais, Collor mudou-se para Miami em 1995. Em 2006 retornou ao Brasil e voltou ao cenário político ao ser eleito como senador por Alagoas. 

Dilma Rousseff

A reação dos eleitores e o ano eleitoral podem ser decisivos em 2016, aponta o cientista política David Fleisher. “Isso só mostra a máxima do deputado, tanto em 92 quanto agora, em 2016. Isso vai me ajudar a reeleger? Se eu votar a favor da Dilma meus adversários estaduais vão cair em cima de mim por causa disso, em 2018 ou não”, explica.

Seja qual foi a decisão, Pinheiro alerta para o que pode acontecer no dia seguinte. “Antes todos sentíamos: afasta o Collor, tudo se normaliza. Agora a questão tem que ter mais clareza. Afasta a presidente Dilma para que políticas? Para qual caminho? Acho que isso está claro nos dois lados”. 

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