A Face do Parlamento

A votação realizada no último domingo não serviu apenas para dar continuidade ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff

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A votação realizada no último domingo não serviu apenas para dar continuidade ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A transmissão ao vivo realizada por algumas emissoras de TV com sinal aberto, escancarou a face de um parlamento despreparado. Na atual composição, dos 513 deputados, apenas 36 deles alcançaram a votação necessária (quociente eleitoral) sem precisar dos votos de seus partidos e coligações. As justificativas do voto em nome de Deus, da família e do estado de origem de cada um, e quase nenhuma referência ao objeto da votação, chamaram a atenção da imprensa internacional e tomaram conta das redes sociais durante toda a semana.

Com mais da metade de seus integrantes enredado em alguma pendência com a Justiça, a maioria dos discursos bradava pelo fim da corrupção e pela ética na política. Dados levantados pelo Portal EBC na plataforma do Projeto Excelências, da ONG Transparência Brasil, apontaram que dos 513 deputados inscritos para a votação que decidiu sobre o processo de impeachment da presidente, 298 respondem a processos na Justiça, totalizando 58,09% dos parlamentares.

No caso da deputada Raquel Muniz (PSD), o pedido pelo fim da corrupção teve reflexos já no dia seguinte. Em seu discurso pela continuidade do processo de impeachment, ela argumentou que estava tomando a decisão 'para dizer que o Brasil tem jeito e que o prefeito de Montes Claros (Minas Gerais), mostra isso com sua gestão'. O prefeito no caso, é o marido dela, Ruy Muniz (PSB), preso preventivamente na segunda-feira pela Polícia Federal. Ele é suspeito de inviabilizar a existência e o funcionamento de hospitais públicos e filantrópicos que atendem pelo SUS ao deixar de prestar serviços pela rede municipal.
A sessão teve ainda chuva de papel picado disparado de um rojão pelo deputado Wladimir Costa (Solidariedade/PA). Cumprindo seu quarto mandato, no ano passado ele foi apontado como o parlamentar mais faltoso do Congresso. Das 125 sessões, participou de apenas 20. Noventa e três delas foram justificadas por sua assessoria com atestados médicos referentes a uma cirurgia na coluna. As demais ausências não tiveram justificativas. O clima esquentou ainda mais quando o deputado Jair Bolsonaro (PSC- RJ), durante seu voto, homenageou o coronel Brilhante Ustra. Entre os anos de 70 e 74, Ustra chefiou o Doi – Codi do Exército de São Paulo. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, sob o comando de Ustra pelo menos 50 pessoas foram assassinadas ou desapareceram e outras 500 torturadas. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), pediu pela cassação do mandato de Bolsonaro. Na sequência dos discursos, o deputado Jean Wyllys (PSOL/RS), cuspiu em direção ao deputado. Enquanto isto, no comando da sessão, o presidente da Câmara Cunha (PMDB), fazia ouvido de mercador cada vez que era chamado de 'ladrão' e de outros adjetivos disparados por deputados contrários ao processo de impeachment.
Para o economista e doutor em Sociologia Política, professor, Ginez de Campos, a sessão da Câmara do último domingo “foi um dos mais deploráveis espetáculos circenses protagonizado pelo medíocre parlamento brasileiro”. Segundo ele, “o que se viu de fato foi um governo corrupto sendo cinicamente deposto por uma oposição igualmente corrupta”. Estou chegando a triste conclusão que a nossa frágil e débil democracia está sendo transformada em uma “cleptocracia”, ou seja, num Estado controlado por ladrões” Segundo ele, a apologia pela volta da ditadura, feita pelo deputado Bolsonaro, e o episódio da cusparada, do parlamentar Wyllys, revelam o que ele chama de 'profunda pobreza intelectual do debate, tanto da direita como da esquerda da nossa política tupiniquim'. Leia a entrevista abaixo.

 

Entrevista – Ginez de Campos

“Nosso sistema política apodreceu”

O Nacional - Dos 513 deputados federais eleitos em 2014, apenas 36 deles alcançaram a marca de votação necessária sem precisar dos votos de seus partidos e coligações. Os demais foram eleitos pelos votos dados à legenda ou a outros candidatos do partido e coligação. No seu entendimento este modelo é problemático?


 Ginez de Campos - A anacrônica legislação eleitoral brasileira precisa ser urgentemente modificada, no que tange a várias questões, mas principalmente no que se refere as eleições proporcionais, pois os candidatos denominados “puxadores de votos” como Enéas, Clodovil (já falecidos) e o caso atual do Tiririca e do Russomano acabam beneficiando e elegendo candidatos com pouquíssimos votos. O mais justo no meu ponto de vista é a adoção do voto majoritário simples, que em outras palavras significa que quem tiver mais votos será eleito. Nas regras atuais as vagas são distribuídas, conforme o número de votos recebidos pela legenda ou coligação isso permite que um candidato eleito com muitos votos “puxe” outros candidatos que fizeram uma votação inexpressiva. Na atual regra eleitoral pessoas que não representam nada para o povo acabam “ganhando” mandatos com votos de outros. O fim das coligações partidárias é a alternativa para por fim as eleições proporcionais que acabam gerando este tipo de distorção.
 
ON- A reforma política é a única alternativa para evitar situações como estas? Por que a reforma não avança?

Ginez de Campos - Estas e outras situações anacrônicas evidenciam a necessidade urgente de uma reforma política. O nosso sistema político-partidário definitivamente apodreceu e se encontra em um estágio avançado de putrefação. O número excessivo de partidos políticos no Brasil é outra faceta quixotesca do nosso pluripartidarismo esquizofrênico e bizarro. Temos hoje 35 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dos quais 28 possuem atualmente representação política no Congresso Nacional. Esta promiscuidade ideológica é inaceitável. Na realidade grande parte destes partidos são de fato legendas de aluguel. Um partido de aluguel é um  partido político usado por um partido mais forte. Geralmente são partidos nanicos, com muito pouca expressão eleitoral. Na maioria das vezes, seus dirigentes (municipais, estaduais ou nacionais) recebem algum tipo de benefício pessoal para servirem aos partidos maiores. Vários são os favores contratados ou negociados junto a um partido de aluguel - ampliar o tempo de televisão, compor coligações para lançar candidatos, ampliar o quociente eleitoral,  burlar a fidelidade partidária, etc. Além do mais, estes partidos de aluguel acabam se beneficando também dos recursos do fundo partidário. Infelizmente a reforma política não avança porque não há interesse da classe política brasileira em mudar as atuais regras eleitorais que tanto a beneficia. 
 
O Nacional- Qual modelo de reforma o senhor defende?

Ginez de Campos - Sou favorável a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva por meio da eleição de pessoas representativas da sociedade civil com a incubência única (exclusiva) de propor uma reforma política, ou seja, de elaborar um novo texto constitucional visando modificar e aprimorar a atual legislação partidária e eleitoral. A reforma política, portanto, seria um conjunto de propostas de emendas constitucionais que visam modificar a atual legislação eleitoral, tendo por objetivo melhorar o sistema eleitoral do país. Temas como: financiamento eleitoral e partidário, coligações, voto facultativo, clausula de desempenho, filiação partidária e domicilio, fidelidade partidária, reeleição e tempo de mandato, são algumas das questões que precisam ser discutidas e aperfeiçoadas visando melhorar a qualidade do processo político no Brasil.

 

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