Sem partido ou sem mordaça?

Polêmica entre dois deputados divide opinião: afinal de contas como a política deve ser inserida no ambiente escolar?

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Vinte e um de maio de 2015. O deputado Marcel van Hatten (PP) protocolava pela primeira vez o projeto de lei 'Escola sem partido' (PL 190) na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O movimento – iniciado em Brasília ainda em 2004 – se apresenta como um conjunto de medidas que tem um único objetivo: “inibir a prática da doutrinação política e ideológica em sala de aula e a usurpação do direito dos pais dos alunos sobre a educação moral dos seus filhos”, conforme consta no site do movimento. A partir disso o debate se intensificou: opiniões divergentes batiam-se frente a frente nas instituições de ensino e nas redes sociais. A discussão prosseguiu mesmo com o encaminhamento de nota técnica do Ministério Público Federal (MPF) ao Congresso Nacional, mais de um ano depois: “o Programa Escola sem Partido nasce marcado pela inconstitucionalidade”, disse a procuradora federal dos Direitos do Cidadão e responsável pela nota, Deborah Duprat. Ela se referia ao PL 867/2015 – uma das três proposições do Escola sem Partido que tramitam no Congresso. Além da discussão, o 'Escola sem Partido' também recebeu contrapontos. No RS, o deputado estadual, Juliano Roso (PCdoB), trouxe à tona o 'Escola sem Mordaça'. No congresso, Jean Wyllys (PSOL) deu vazão ao 'Escola Livre'. Já protocolados, a intenção é tentar barrar o andamento do projeto que busca uma escola, como mesmo se diz, apartidária. A reportagem de ON falou com os dois lados: Marcel van Hatten e Juliano Roso, alunos e professores. O conflito de opiniões e ampliação do tema poderão ser conferidos adiante.

Por uma sala de aula apartidária

Uma escola livre. São estas as primeiras palavras do deputado estadual Michel van Hatten (PP) após ser questionado sobre o objetivo da PL 190. Em entrevista por telefone, o progressista diz que o projeto espera que o ambiente escolar tenha acesso a todas as informações que dizem respeito ao conteúdo ministrado pelo professor. “Já recebemos relatos de casos de professores que, ao invés de dar o conteúdo, fazem doutrinação, defesa partidária, propaganda política e acabam não dando chance para que o estudante conheça outra coisa”, defende.

A intenção, como explica, não é que o professor não tenha ou esteja proibido de expressar a sua opinião. “O professor tem e deve opinar, só não pode fazer do seu ponto de vista um cavalo de batalha em sala de aula e muito menos pode ele fazer com que um estudante que tem uma visão diferente da sua se prejudique numa prova por responder corretamente a questão quando diz respeito a matéria, ainda que esta seja com uma opinião que diverge da do professor”, justifica. O deputado é questionado se este modelo dá liberdade com ressalvas ao docente. Segundo ele, a ressalta é relacionada pura e somente com o dever da ética profissional do professor. Ele compara duas profissões distintas: a do professor e a do taxista. “Se você entra num táxi e diz que quer ir para determinado lugar, ele pode te dar diferentes opções de caminhos para que, posteriormente, você decida a rota por si mesmo. O motorista não pode ir te levando para todos os lugares da cidade por que isso trará prejuízos a você. Isso é mais ou menos a ética profissional pré-determinada do professor: se ele quiser fazer algo a mais, ótimo, mas não pode fazer deste 'algo a mais' o centro da sua matéria ou sua única defesa”, explica. O projeto tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia e ainda não tem data marcada para entrar em votação.

O que sugere o 'Escola sem Partido'

O principal pedido do PL 190 é que se crie um sistema de comunicação com a Secretaria de Educação “destinado ao recebimento de reclamações relacionadas ao descumprimento desta lei”, como está inserido no texto. Neste sistema ficaria assegurado o anonimato. Posteriormente, as reclamações recebidas seriam encaminhadas ao Ministério Público, sob pena de responsabilidade. “Este sistema servirá para que pais e alunos que se sentem amordaçados por situações e têm medo de denunciar, possam fazê-lo anonimamente”, afirma o progressista.

Além disso, o projeto também pede que o governo do Estado não inclua em concursos para admissão de professores da rede pública qualquer questão onde se averigue o posicionamento ideológico ou partidário do candidato, bem como questões embasadas em concepções político-partidárias ou ideológicas. Por fim, no projeto consta que um cartaz deverá ser afixado em todas as salas de aula, onde estarão impressas recomendações aos alunos e professores.

Quem defende

O estudante do nono nível engenharia mecânica e vice-presidente do Clube Planalto, Felipe Nascimento, diz já ter sofrido represálias de professores dentro da sala de aula por seu posicionamento político-partidário. “Tínhamos posicionamentos diferentes e 'batemos de frente' justamente por que o professor gostava de falar sobre política na sala de aula. Ainda que isso seja totalmente aceitável, quando fui dar a minha opinião sofri uma represália. No fim acabei passando na matéria, mas tive que fazer uma nova prova sem necessidade”, contou. Por este motivo, Felipe tomou lado: é favorável à Escola sem Partido. “Precisamos combater estas doutrinações que acontecem dentro das escolas. Não é mais uma mera ferramente de propaganda política ou para bater contra uma ideologia: realmente acontece. E não falo só da esquerda, mas de grupos de direita também. O ponto crucial, ao meu ver, é o material didático das escolas”, afirmou. Segundo ele, o fato de haver hoje, no Plano Estadual de Educação, um tópico que fala que o capitalismo é o responsável pela pobreza, implanta, por si só, uma ideologia.

Por uma sala de aula plural

Do outro lado está o deputado estadual Juliano Roso (PCdoB). Seu projeto – o 'Escola sem Mordaça' – é o contraponto do proposto por van Hatten. O primeiro argumento é que as escolas públicas, de modo geral, vivem dificuldades extremas: sucateadas, sem estrutura física, professores sem pagamento com o desafio de lidar com uma geração completamente diferente. “Se você acha que hoje o aluno é bobo, você está enganado. O aluno é esperto, tem acesso a qualquer informação a hora que ele quiser. A escola precisa ser um ambiente plural, de debate, discussão, ideias e também de contrapontos”, defende. O segundo ponto é que o projeto fere a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O terceiro – e último argumento – é que não há como chegar a conclusão que um professor está sendo tendencioso, ou não. “Querer impedir que o professor se manifeste na sala de aula é voltar para a ditadura militar. Não tem problema o aluno pensar diferente do professor ou vice-versa. O ponto mais grave deste projeto é que ele é policialesco. É um projeto autoritário que visa vigiar e criminalizar os professores. Não todos, mas alguns: aqueles que não pensam como pensam as pessoas que defendem o Escola sem Partido”, compreende. Ele cita exemplos: um professor de literatura que declamar a poesia 'O bicho', de Manuel Bandeira ou indicar livros de Jorge Amado e Graciliano Ramos, pode ser acusado de apologia ao comunismo pela relação destes autores e suas obras com o movimento. “Todo mundo sabe que eles defendiam o comunismo. Isso é uma discussão que não vai acabar nunca. Vai virar uma perseguição, uma briga, uma tensão na sala de aula. Isso não contribui em nada com a educação brasileira”, defende Roso. Tudo isso, segundo ele, viraria uma bola de neve. “Você cria um 0800 para o aluno ligar, filmar, mandar informações. O que isso vai virar? Existem, sim, problemas na escola, mas isso deve ficar neste ambiente: tem entidades para resolver isso, como o conselho escolar, a direção da escola, a coordenação pedagógica, o grêmio estudantil, etc”, pontua.

O que defende o 'Escola sem Mordaça'

“O meu projeto tem um mérito só: fazer o contraponto”, começou Roso. Segundo ele, seu conteúdo só apresenta o que já consta na Constituição Federal e na LDB. “Estou apenas afirmando o que diz a nossa legislação”, declarou. Sobre a tramitação na Assembleia, ele espera que o projeto não vá para frente. “Só posso falar por mim, mas conhecendo os deputados, vejo que chegarão a uma conclusão óbvia: que o projeto é, sim, inconstitucional”. Quanto ao congresso nacional, as expectativas são diferentes. “Na onda conservadora que vivemos, a chance deste projeto [Escola sem Partido] ser aprovado é muito grande”, finaliza.

Somos contra o PL 190”

“A gente entende que a escola já tem muito problema”, começa o estudante do 2º ano do ensino médio da Escola Estadual Eulina Braga, Leonardo Menezes. “Problema com muro caindo, falta de dinheiro para educação, salário parcelado para os professores, chove dentro da sala de aula, chove dentro do ginásio coberto. Temos tudo isso para resolver”, completa. O modelo de sistema de comunicação, proposto pelo projeto, parece, aos olhos do estudante, o retorno aos tempos de ditadura. “Se o professor se manifestasse na sala de aula de uma forma que não fosse entendida como correta, ele era denunciado e poderia ser punido. Queremos possibilidade de poder debater com o nosso professor e saber, também a opinião dele”, comenta. Também estudante do 2º ano do ensino médio, Emily Fernandes da Silva, da Escola Estadual Ernesto Toccheto, acha que o projeto é um regresso. “Vamos para a escola para nos construir. Ter um impedimento de falar sobre estes assuntos com teu professor te barra logo de cara. Não concordo”, opina. Os dois concordam que a chance de haver doutrina nas escolas, hoje, é quase nula. “Isso não existe. É estranho por que antes tínhamos uma juventude talvez até melhor que a nossa, que conseguiu derrubar uma ditadura para termos o que temos hoje. Lidar com esse projeto nos dias de hoje é fora de questão. Sempre tive liberdade para gerar debate em sala de aula. Até quando poderei fazer isso, não sei”, frisou Leonardo.

Alagoas aprova Escola sem Partido

Mesmo com o veto do governador Renan Calheiros Filho (PMDB), a Assembleia Legislativa de Alagoas manteve a decisão de implantar o 'Escola sem Partido' na rede pública de ensino. Em 26 de abril deste ano, o estado foi o primeiro a ter uma lei que exige neutralidade do professor.

Em Passo Fundo

Foi criado, na última semana, o Comitê Passo-fundense Contra a Escola sem Partido. Um grupo de entidades relacionadas a educação, defende que projetos do gênero colocam em risco o processo democrático da educação. No intuito de aprofundar a discussão com a comunidade, ficou decidido que um novo encontro será realizado no dia 13 de setembro, no auditório do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, com horário a ser divulgado nos próximos dias. Materiais informativos e de divulgação devem ser produzidos e distribuídos pelo Comitê, para esclarecer questões relacionadas ao assunto.

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