Sem alterar a rotina

Enquanto o Senado se estende no julgamento da presidente afastada Dilma Rousseff, poucos são os que acompanham ao vivo o andamento das sessões

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Vanessa Mello assistia na tarde de ontem (30) os discursos dos senadores sobre o afastamento da presidente Dilma RousseffVanessa Mello assistia na tarde de ontem (30) os discursos dos senadores sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff
Vanessa Mello assistia na tarde de ontem (30) os discursos dos senadores sobre o afastamento da presidente Dilma Rousseff
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Sem acesso à TV Senado em casa, Vanessa Mello sai do bairro Cruzeiro e vai até o gabinete de um dos vereadores para acompanhar a votação do impeachment. Ainda que, concomitante a isso, auxilie em outros serviços do lugar, ela assistia atenta, na tarde de ontem (30), os discursos dos senadores no processo que pede pela saída definitiva da então presidente afastada, Dilma Rousseff. “Eu acompanho por partes, por que quando estou em casa não tenho como. A gente precisa estar informado: se algum dia alguém me questionar sobre o assunto, preciso saber”, conta a ex-agente comunitária de saúde, agora desempregada. A poucos metros dali, no entanto, estão os seguranças da Câmara de Vereadores, Vanderlei da Silva Dias e Eberton Santos. Eles pensam diferente de Vanessa. “Detesto política. Não acompanhei a votação na Câmara dos Deputados, muito menos vou acompanhar agora”, diz Vanderlei. Ao contrário dele, Eberton acompanhou a sessão do domingo, 17 de abril, quando 367 deputados disseram 'sim' para a aprovação do afastamento da presidente Dilma. Ainda assim, sobram dúvidas sobre o processo. “Acho que não está muito claro para a população se isso tudo é uma coisa política ou se ela teve responsabilidade mesmo”, diz.

A dúvida pode ser um dos indicativos para a baixa adesão ao acompanhamento do processo. Vanessa parece ser uma das poucas pessoas que acompanha de perto a votação no Senado. Em entidades da cidade, por exemplo, existe uma preocupação exterior ao processo. A presidente do Sindilojas, Sueli Marini, diz acompanhar tudo apenas pela internet. “Aqui não temos nenhuma mobilização para acompanhar isso e acredito que no restante da população também não. As pessoas têm que trabalhar, cuidar das suas compras, dos lazeres, não há tempo para ficar em frente à televisão acompanhando o caso”, diz. Pensamento compartilhado pelo presidente da ACISA, Marco Mattos, que assiste tudo pelos noticiários. Para ele o processo de julgamento é um gasto financeiro e desgaste de instituições desnecessários – e já estaria resolvido no momento da votação do impeachment na Câmara dos Deputados. Representantes questionados do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Passo Fundo, Simpasso, CDL e CPERS, da mesma forma, acompanham a votação de maneira individual, sem ligação direta com a entidade.

Parece que não está acontecendo”

Esta foi a resposta de uma das funcionárias públicas da Prefeitura, que pediu para não ser identificada, quando questionada sobre a votação do impeachment no Senado. O mestre em Ciências Sociais e professor da Universidade de Passo Fundo, Vinícius Rauber, diz que esta sensação vem do fato do impeachment ter sido mais orquestrado e teatralizado do que acontecer pela real vontade dos brasileiros. “A escolha dos dias não se deu por acaso. Foi feita pelos próprios deputados e senadores, junto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e os donos dos meios de comunicação. O primeiro ato, a aprovação do impeachment pelos deputados, teve um efeito negativo no apoio ao impeachment”, afirma e aponta pesquisas que mostram que o apoio ao processo diminuiu após o evento. Segundo ele, os “fiascos dos argumentos” se transformaram no maior motivo para isso e acabaram se tornando até memes na internet. “Isso só demonstra que, infelizmente, neste processo, pouco importa a vontade da população, exceto quando para legitimar aqueles que hoje estão no poder”, pontua.

Quanto aos efeitos sociais que este afastamento definitivo pode causar a longo prazo, o sociólogo afirma haver uma ruptura democrática no Brasil e um impacto nas relações exteriores. “O projeto da oposição perdeu nas urnas, mas via Congresso está conseguindo implementar seu plano de governo. O Ministro José Serra, que é do PSDB e assumiu as relações exteriores, é o maior exemplo disso. Seria Ministro em um governo do Aécio Neves e nunca no do governo eleito. Isso influencia diretamente a política internacional do Brasil, o modo como o Brasil é visto pelos outros países. E mesmo estes efeitos não são homogêneos”, comenta. O resultado disso seria que alguns países entenderão o processo como benéfico para seus interesses comerciais, como os EUA e a Alemanha, enquanto outros sofrerão impactos, como a Venezuela, Rússia e China. “Mas todos saberão que a política no Brasil não pode ser levada a sério, uma vez que basta um figurão como o Eduardo Cunha (PMDB) mobilizando os setores mais conservadores para que a vontade da maioria da população não seja importante”, termina.

Democracia ferida?

Rauber também destaca o efeito do afastamento da presidente Dilma na crença do brasileiro com relação a democracia. “Afinal, se o voto de 54 milhões de brasileiros pode ser ignorado pelas instituições políticas, para que se engajar na política, na democracia e na corrida eleitoral? Ainda que as eleições municipais sejam de outra esfera, com coligações entre PT e PSDB em alguns locais, quando são oposição no nível nacional, é provável que possa afetar sim as coligações”, destaca. Ainda que cada município lide com isso de maneira diferente, em termos políticos poderá haver efeito a longo prazo que influenciarão diretamente no modo de como o brasileiro percebe o jogo político.

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