Nove caminhões saem carregados de lixo todos os dias de Passo Fundo. São cerca de 140 toneladas diárias, produzidas por quase 198 mil habitantes. O destino é Minas do Leão, município com população inferior a do bairro São José: pouco mais de oito mil moradores, localizada a 80 quilômetros de Porto Alegre. É este lugar que recebe grande parte do lixo do estado: 140 cidades gaúchas mandam seus restos de alimentos, embalagens e desapegos diários para a unidade todos os dias, em caminhões que cruzam as rodovias com toneladas e toneladas de lixo para transbordo.
O catador e líder da Cooperativa de Recicladores do bairro Bela Vista (Recibela), Adroaldo da Luz, acompanha o movimento de entrada e saída destes veículos diariamente. De todo material que passa pelo antigo aterro e vai para Minas do Leão, pouco mais de 2% pode ser reciclado – percentual que representa, em média, 120 toneladas por mês. “A gente até brincou esses dias que, mesmo com todas as quatro cooperativas trabalhando juntas, não se consegue reciclar num mês toda quantia de lixo que Passo Fundo produz num dia”, disse o coordenador do projeto Transformação – rede de cooperativas e associações de catadores passo-fundenses – Volnei Fortuna. O problema, como complementa Adroaldo, é que muito lixo que poderia ir para a reciclagem chega contaminado; ou seja, na mesma sacola de descarte existe lixo seco e orgânico, o que impossibilita o processo. “Recebemos muita seringa usada, cachorro morto. Vem de tudo. Se fosse minimamente separado, podíamos reciclar pelo menos 30% do total”, explica o catador.
O baixo índice de reciclagem contribui, também, para que a quantidade de lixo produzido em Passo Fundo vá quase por completo para Minas do Leão. A quantia de lixo contaminado dificulta a triagem dos catadores e aumenta o impacto ambiental. “É uma quantidade insignificante”, começa o ambientalista e diretor do Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas, Paulo Fernando Cornélio. Segundo ele, além de perder a matéria-prima que pode ser reutilizada, o município não dá margem para formar novas cooperativas, já que falta material para sua sustentação. Nesta edição de ON, os candidatos a prefeito de Passo Fundo mostram as propostas que tentam contribuir para buscar soluções ao problema. Os cinco políticos foram questionados sobre o que pensam sobre o aspecto ambiental e apresentam aqui suas proposições a respeito do assunto.
E o aterro de Passo Fundo?
A história da usina de reciclagem de Passo Fundo começa em 1992. Na sua inauguração, era considerada o que possuía de mais evoluído para a época: trabalhava tanto com matéria seca quanto orgânica. O trabalho na unidade, no entanto, não seguiu a expectativa: foi interditada diversas vezes pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e recebeu vistorias sequenciais do Pelotão Ambiental para que trabalhasse de maneira adequada. Entre idas e vindas, o aterro foi interditado em 2011 e hoje só funciona como usina de reciclagem e local de passagem – o lixo é deixado lá para que os caminhões façam o transporte até Minas do Leão, onde, finalmente, é enterrado ou utilizado para, posteriormente, ser transformado em energia.
Quanto ao lixo produzido por Passo Fundo, algumas coisas mudaram. No final de 2010 as ruas do centro receberam contêineres para coleta seletiva: o laranja era destinado ao lixo orgânico e o azul ao lixo seco, método que segue implantado até hoje. A reciclagem da usina, portanto, se baseia hoje neste sistema. “A questão é que a coleta seletiva só funciona no centro. O contrato é bem claro: a Codepas (empresa pública) pega esta parte, enquanto a Via Norte (empresa privada) recolhe o lixo dos bairros. Como nos bairros não existe coleta seletiva, tudo é transferido para Minas do Leão, sem triagem”, diz o representante do GESP.
Todos os especialistas com quem conversamos para a produção desta matéria repetiram, quase em uníssono, a mesma frase: é preciso educação ambiental. “Muita gente pensa: coloquei o meu lixo lá fora e acabou a responsabilidade. Não é assim. Temos que saber reduzir de maneira adequada e é aí que entra o processo de educação”, inicia Cornélio. O 1º promotor de Justiça da Promotoria de Justiça Especializada de Passo Fundo, Paulo Cirne, concorda com o posicionamento. “O Ministério Público tem insistido com o município para que se trabalhe a coleta seletiva na forma de educação ambiental. A melhor alternativa é conscientizar a população”, explica. Como fazer isso? Explicar o processo para que se evite ideias equivocadas é o primeiro passo.
“Observamos em palestras, por exemplo, que as pessoas imaginam que quando o caminhão recolhe o lixo as sacolas estouram e tudo que está ali dentro se mistura. Isso não é verdade”, comenta. De acordo com o promotor, quando os catadores que trabalham no antigo aterro recebem a sacola que vem do recolhimento da cidade, eles abrem e analisam tudo que podem aproveitar dali dentro – antes que o lixo seja encaminhado para Minas do Leão. Por isso a necessidade de separar o lixo corretamente: um resto de alimento no meio de papéis descartáveis já inutiliza o material que poderia ser reciclável. “No fim, esse resíduo que tinha a possibilidade de ser reaproveitado acaba sendo descartado junto com todo o resto”, pontua. Este processo de educação ambiental precisa, portanto, ser interligado com todos os setores da sociedade. “Não é só o professor. É o serviço onde você trabalha, é seu local de lazer, nas universidades, no comércio. Hoje o trabalho de educação ambiental é basicamente destinado a crianças. Não que isso não seja importante, pelo contrário; mas como os adultos poderão instruir estas crianças se estão despreparados? Também não podemos pensar que um governo de quatro anos resolva isso. O trabalho precisa ser continuado”, opina Cornélio.
Lixo também é dinheiro. Por mês, um catador pertencente ao Projeto Transformação recebe, em média, R$ 1,3 mil. Em agosto, os 22 trabalhadores da Recibela lucraram R$ 50 a mais que este valor na reciclagem de 58 toneladas. Foram aproximadamente R$ 30 mil de lucro. “Se conseguíssemos automatizar, trabalhar com regularidade, sem problemas nas máquinas e se nem todo material viesse contaminado, ganharíamos muito mais. Isso não é só bom para a gente, por que geraria emprego para um número ainda maior de pessoas”, explica Fortuna.
Temos capacidade para um aterro próprio?
Na visão do coordenador do GESP, Passo Fundo devia, sim, ter uma área própria adequada para armazenamento de seus resíduos. “Podemos ter um lugar apropriado para isso. Pode ser público ou por iniciativa público-privada. É um custo elevado, mas se condicionássemos os recursos que estão sendo gastos em transporte hoje, poderíamos construir uma nova usina”, comenta. Segundo ele, o município tem capacidade de espaço físico para o empreendimento. Um local provável está na comunidade de Pulador. “É um local público, sem problemas com nascentes ou vegetação nativa. Hoje, claro, teria que ser feito um estudo, mas 10 hectares seriam mais que suficientes”, pontua.
Neste caso, a área precisaria ser identificada para licenciamento ambiental e, só então, poderia se criar um aterro em Passo Fundo – processo que poderia levar de dois a três anos para sair do papel. “Ainda que a quantidade de resíduos enterrada não fosse grande após um bom serviço de reciclagem, há necessidade de ter esta área de descarte na cidade. A opção de não buscar licenciamento para um novo aterro foi municipal. Se optou por esta técnica e sob o ponto de vista ambiental não é irregular”, explica Cirne.
Para o engenheiro agrônomo e coordenador do balcão da Fepam de Passo Fundo, Luiz Fernando Rocha, o licenciamento para criação de áreas do gênero prevê que o aterro não pode ser construído próximo de aeroportos ou de cidades, além de respeitar áreas de preservação permanente (APP). “Claro que sempre existem interesses por trás destas decisões e este talvez seja este um dos motivos de estarmos até hoje nesta dependência de transporte para Minas do Leão – um rastro de carbono para transportar toneladas de lixo”, afirma. Ele compara a situação com a tele-entrega de pizza do final de semana. “Em 20 minutos, a pizza que era sua alegria se transforma em um problema. Essa caixa precisa ir para algum lugar e deixa de ser um problema individual para ser um problema coletivo, de toda comunidade”, diz. Outro exemplo é a casca da laranja. “Nós pagamos para que a levem para outro lugar. Isso é insano. Deveríamos ter compostagem em nossa cidade. A triagem feita na usina deveria ser melhorada imensamente”, destaca.
E aí candidato?
O que pensam os candidatos a prefeito de Passo Fundo sobre a destinação do lixo? Questionados pela reportagem, eles deram suas propostas sobre o tema. O resultado, o leitor confere adiante.
Antônio Rodrigues (PSTU)
“O PSTU acredita que é possível coletar, separar e reciclar praticamente todas as 140 toneladas de lixo produzidas por dia em Passo Fundo. Para atingir este objetivo, propõe uma série de medidas que vão de encontro a situação atual:
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Criação de uma empresa pública de coleta e reciclagem de resíduos;
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Campanha permanente de educação ambiental;
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Recuperação da área do antigo aterro da São João para ser, de fato, um Centro de Triagem de Resíduos, com equipamentos adequados para a separação e estocagem;
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Garantia de um piso salarial e profissionalização de recicladores. Hoje os catadores não possuem uma série de direitos trabalhistas e previdenciários;
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Recuperação do Horto Municipal para destinação final dos resíduos orgânicos;
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Auditoria em todos os contratos de coleta e transporte de resíduos realizados nos últimos 10 anos”.
Celso Dalberto (PSOL)
“Em primeiro lugar, vamos cumprir a Lei Municipal 4969/2013 que institui a política municipal de resíduos sólidos, levando em conta a política nacional e municipal para o destino destes resíduos. Além disso:
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Tratamento destes resíduos, coleta adequada, transporte e geração dos resíduos, composição e destino final;
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Os catadores devem ser assistidos com políticas eficientes. Hoje esta população está desassistida.
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Separação adequada dos eletrônicos, sólidos, indústria, serviços de saúde, construção civil, resíduos agropastoris, etc.
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Trataremos os resíduos como um negócio sustentável e transformarem num polo regional.
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Trataremos Passo Fundo como uma cidade sustentável. As pessoas em primeiro lugar, através da política cultural, com planejamento, transparência e responsabilidade com os bens naturais.
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Implantaremos o IPTU Verde. Para isso, utilizaremos os recursos da lei estadual 11038/97, que contempla o ICMS Verde já existente.
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Na nossa gestão, os resíduos não serão transportados por 400 km.
Luciano Azevedo (PSB)
“A gestão dos resíduos é um desafio para as cidades de todo o país. O município de Passo Fundo possuía um aterro que operou até o ano de 2011, tendo sido interditado. Atualmente estamos investindo na recuperação do passivo ambiental que ficou onde era o antigo aterro. Após a interdição, iniciou-se a disposição dos resíduos em outras cidades. A destinação em outras cidades não é uma realidade somente de Passo Fundo. No Rio Grande do Sul, mais de 370 municípios destinam seus resíduos para aterros de outros municípios. Somente para o aterro de Minas do Leão (RS), mais de 115 cidades encaminham seus resíduos. Elaboramos em conjunto com a sociedade civil organizada um Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, que é o primeiro instrumento de planejamento para o tema resíduo sólidos. Ele apresenta metas e ações de curto, médio e longo prazo para os próximos 10 anos, prevendo a ampliação da coleta seletiva, o incentivo das cooperativas de reciclagem (que atualmente são 4 com 50 recicladores trabalhando de forma organizada) e ações de educação ambiental. Compreendemos que a reciclagem e valorização dos recicladores deve ser a metodologia empregada, assim como aponta nosso Plano de Resíduos. Além de gerar emprego e renda, isso contribui para o desenvolvimento sustentável”.
Osvaldo Gomes (PP)
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“Plano de Resíduos Sólidos: Elaboração de estudo para a solução e correta destinação dos resíduos sólidos (demolições, concreto, tijolos, madeira e outros) produzidos no município;
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Aterro sanitário: Elaboração de estudo para definir um novo sistema de tratamento de lixo recolhido no município e destinação adequada;
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Lixo que produz renda: Ampliar a coleta seletiva de lixo proporcionando a posterior reutilização, com implantação de políticas de coleta e reciclagem, visando a correta destinação e possível geração de renda;
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Educar para proteger: Desenvolver ação integrada para elaborar projetos de educação ambiental, com amplitude urbana e rural, visando a preservação das matas nativas, mananciais e da fauna;
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Rio Passo Fundo, bem público: Considerar o Rio Passo Fundo como o “bem público”, implantando políticas de preservação com ações de limpeza, manutenção, educação dos ribeirinhos e fiscalização”.
Rui Lorenzato (PT)
“É inaceitável que Passo Fundo gaste tanto dinheiro para mandar seu lixo para ser enterrado em uma cidade a mais de 400 km daqui. Uma solução temporária, com o fechamento de nosso aterro sanitário, virou permanente. Além disso, o lixo coletado separadamente é misturado na estação de transbordo pela Prefeitura. Tanto o lixo dos contêineres azuis como laranja são depositados no mesmo monte e jogados juntos na esteira de separação. A solução passa por tratar o lixo não mais como um problema, mas uma oportunidade de desenvolvimento tendo as cooperativas de reciclagem como parceiras. Podemos reciclar até 30% do lixo coletado com a ampliação da estrutura da estação de transbordo. Hoje temos apenas uma esteira que gera uma renda de aproximadamente R$ 30 mil para as 32 famílias que trabalham na cooperativa. Com mais 10 esteiras, que custariam menos do que a prefeitura paga em um mês para levar o lixo embora, poderíamos gerar mais de 500 empregos diretos, só com a venda do material reciclado. Além de coletar, separar e dar destinação final em Passo Fundo do lixo produzido propomos ampliar a coleta seletiva para toda a cidade, investir em conscientização para reduzir o volume de lixo produzido e implementar a logística reversa obrigando as empresas que vendem produtos como pilhas e lâmpadas, a receberem e darem destino final aos resíduos”.