O candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser indicado pelo presidente da República e submetido a uma sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, composta por 27 parlamentares.
Na manhã de hoje (21), o ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes, primeiro indicado de Michel Temer ao cargo, deverá responder a uma série de perguntas no Senado. Caso a indicação seja aprovada (pela maioria simples dos membros em votação secreta), o parecer da CCJ será encaminhado ao plenário do Senado.
Alexandre de Moraes precisa da aprovação de, pelo menos, 41 dos 81 senadores para se tornar o novo ministro do STF, no lugar de Teori Zavascki, que morreu em um acidente aéreo em Paraty, em janeiro. A votação em plenário também será secreta.
Qual é a importância e a função do STF?
De acordo com o professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília (UnB) Juliano Zaiden, o foco dos trabalhos do STF é a guarda do ordenamento jurídico, e não a situação individual das partes de uma ação.
O Supremo tem o papel de fazer a vigilância do direito constitucional e sua aplicação pelos demais órgãos da República e também de algumas relações privadas. “Ele é o centro da vigilância constitucional no Brasil. Ele tem um poder enorme para definir pautas centrais, não somente pautas de resolução de conflitos constitucionais, mas também de promover uma agenda de mudança constitucional muito forte”, completa o especialista. O que importa para o Supremo não é a situação concreta colocada, mas a observação de como devem ser tratadas, de acordo com a Constituição, todas as situações semelhantes.
O STF é conhecido como guardião da Constituição, por determinar o que está correto e o que não está correto, de acordo com o que dispõe as normas constitucionais.
Como é a composição do STF?
De acordo com a Constituição Federal, o STF é composto de 11 ministros. Os membros da Suprema Corte devem ser escolhidos entre cidadãos com mais de 35 e menos de 75 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Eles são nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Por que o presidente deve indicar os ministros do Supremo ?
Para que uma pessoa ocupe o cargo de ministro da Suprema Corte, é necessária a indicação do presidente da República, não havendo um prazo definido para isso. A então presidenta Dilma Rousseff, por exemplo, levou quase um ano para indicar Edson Fachin para a vaga deixada por Joaquim Barbosa, em 2015. O professor Zaiden explica que o atual modelo brasileiro de indicação de ministros do STF é inspirado no sistema dos Estados Unidos. “Após a indicação, o candidato ao cargo passa por uma sabatina no Senado Federal para enfim tomar posse”, destaca.
A indicação ganha maior caráter político porque os requisitos para preenchimento do cargo são vagos, diz o professor. “É uma decisão política, ele [o presidente da República] vai escolher quem considere mais adequado para o cargo. Além disso, o indicado não precisa ser vinculado a um tribunal de carreira, como Alexandre de Moraes, por exemplo." É diferente de outros tribunais, em que existe tem uma lógica mais interna, explica Juliano Zaiden.
O cientista político David Fleisher ressalta que o sistema vem da Constituição norte-americana, que estabeleceu os três poderes e o sistema chamado de freios e contrapesos (checks and balances). “O presidente escolhe, mas o Senado tem que confirmar a escolha. É como acontece também nos Estados Unidos.”
O novo ministro herda todos os processos do antigo ministro?
Em 2009, por exemplo, quando o ministro Carlos Alberto Menezes Direito morreu, Dias Toffolli foi escolhido como ministro sucessor, herdando cerca 11 mil processos. Os únicos processos que não passaram para o novo ministro foram aqueles em que ele havia atuado quando ocupou o cargo de advogado-geral da União. O acervo de Teori Zavascki conta com aproximadamente 7.500 processos, de acordo com o STF, aguardando a nomeação do novo ministro.
Qual é o papel do Senado Federal?
De acordo com o professor Juliano Zaiden, o Senado, ao fazer a sabatina do possível membro do STF, deve explorar e conhecer ao máximo o indicado. “Os senadores podem perguntar [sobre] questões gerais ou algum ponto do currículo e, eventualmente, podem questionar sobre algum ponto específico. É algo que não tem limitação temática. É simplesmente para explorar e conhecer ao máximo o ministro, embora na história isso não tenha sido feito de uma forma tão aguda.”
Para Zaiden, a sabatina historicamente tem sido um procedimento para cumprir protocolo. “Hoje este cenário está começando a mudar. No passado, havia uma presença mais fraca do Supremo, que hoje está mais fortalecido. Com isso, a indicação de cada ministro ganhou papel central no debate. Então, é natural que o Senado avance, pouco a pouco, nessa sabatina para acompanhar o crescimento do STF como órgão relevante”, ressalta o professor.
Segundo David Fleisher, as perguntas são feitas de acordo com o perfil do candidato e suas qualificações. No entanto, a sabatina pode ser dura para alguns. “Um ministro que teve muito questionamento foi o Dias Toffoli, porque ele tentou concurso público duas vezes em São Paulo e não conseguiu [passar]. Também Edson Fachin, que substituiu o Teori Zavascki na relatoria da Lava Jato, enfrentou perguntas duras durante a sabatina por ter apoiado a campanha de Dilma Rousseff em 2010”, exemplificou.
Plágio
Disse ainda que é “absolutamente inverídica e falsa” a acusação de plágio, divulgada na imprensa, de que um livro de direito publicado por ele reproduz, sem citar a fonte, trechos idênticos ao de uma obra do jurista espanhol Francisco Rubio Llorente, que compila decisões do tribunal constitucional daquele país.
“O próprio Tribunal Constitucional espanhol disse que o conteúdo do livro citado são compilações de decisões públicas do tribunal. E a viúva do autor foi induzida pelo repórter. Ela disse que 'se' houve cópia, isso não deveria ter sido feito”, disse aos senadores da CCJ. “Algo também absolutamente difamatório.”
Atuação da esposa
Outra pergunta feita a Alexandre de Moraes sobre a atuação da esposa, que é advogada, em processos no Supremo Tribunal Federal.
No início da sessão da CCJ, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou questão de ordem pedindo o adiamento da sabatina de Alexandre de Moraes. Segundo Randolfe, Moraes omitiu que tem vínculo familiar com profissional que trabalha para o STF. A esse respeito, Moraes disse que informou ao Senado não ter parentes exercendo trabalho vinculado a função que exerce como ministro da Justiça.
Ele afirmou que, caso assuma a vaga no STF, irá se declarar impedido em causas que envolvam a atuação de sua esposa ou do escritório onde ela trabalha. Ele lembrou que há uma vedação legal para casos como esse e disse que se declararia impedido mesmo que não houvesse essa previsão legal. “Obviamente seguirei a risca o que todos os ministros sempre fazem de se declararem impedidos”.
Tese de doutorado
Com relação ao conteúdo de sua tese de doutorado, em que critica a indicação de ocupantes de cargos públicos à condição de ministro do Supremo Tribunal Federal, Moraes explicou que na verdade apresentou vários modelos de indicações defendidos por diferentes juristas, de diversos países. O sabatinado afirmou que não vê nenhuma incoerência, nenhuma incompatibilidade entre defender uma alteração no modelo brasileiro de nomeação do STF e sua indicação para o cargo.
“O que eu posso garantir que não considero, não considerarei, entendendo que a minha indicação, e a minha eventual aprovação por Vossas Excelências, tenha qualquer ligação de agradecimento ou favor político. Isso eu posso garantir que, se aprovado for por Vossas Excelências, atuarei com absoluta independência, absoluta imparcialidade, e não falo isso da boca para fora”, declarou Moraes.
As primeiras questões respondidas por Moraes foram apresentadas pelo relator Eduardo Braga (PMDB- AM). Braga trouxe inicialmente as dúvidas registradas pelos internautas no portal do Senado, entre as quais estão as polêmicas que envolveram o nome do indicado nas últimas semanas. Segundo o relator, o portal recebeu mais de 1350 manifestações populares sobre a sabatina de Moraes.
Isenção e Lava Jato
Depois de responder à primeira etapa de questões apresentadas pelo relator Eduardo Braga, o indicado Alexandre de Moraes é submetido às questões dos outros senadores inscritos na sessão da CCJ. O primeiro a questionar Moraes foi o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que criticou a apresentação de várias questões polêmicas de uma só vez pelo relator.
Lindbergh destacou que um juiz precisa ser “imparcial e isento” e questionou Moraes sobre sua isenção em relação ao governo federal. O senador criticou a indicação de Moraes, que, caso nomeado, poderá ser revisor do processo da Lava Jato no Supremo.
Lindbergh questionou Moraes sobre a relação dele com Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, que está preso em Curitiba no âmbito da Lava Jato.
O senador perguntou se Moraes se considera isento para ser revisor e se ele se colocaria como impedido para exercer esta tarefa e julgar o processo da Lava Jato, que tem integrantes do governo federal citados em delações premiadas.
Alexandre de Moraes se defendeu dizendo que a indicação de parlamentares ou ministros de Estado para o STF é uma tradição da Corte. Moraes citou outros casos de ministros do Supremo que já ocuparam cargos públicos e exercem a magistratura com independência. "É uma tradição história do STF de ministros que atuavam no Executivo e Legislativo. Isso desde o início do Supremo. A corte tem quatro membros que tiveram participação no mundo político", disse.
Moraes destacou ainda sua capacidade para ocupar o cargo.”Eu me julgo absolutamente capaz de atuar com absoluta imparcialidade, com absoluta neutralidade dentro do que determina a Constituição, sem nenhuma vinculação partidária”, afirmou Moraes.
O indicado disse que a partir do momento que alguém é honrado com o cargo de ministro do STF, deve atuar somente de acordo com a constituição. Moraes disse também que provavelmente não será o revisor da Lava Jato, posto que deve ser ocupado pelo ministro Celso de Mello. "É importante ver o papel do revisor. Ele apenas age após o trabalho do relator", afirmou
Na réplica, Lindbergh afirmou que o indicado desconsidera o contexto político atual, em que vários membros do governo são citados na Lava Jato, e o questionou se ele se declarará impedido para julgar o processo que pede a cassação da chapa Dilma-Temer, caso venha a participar da composição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Moraes reafirmou que atuará, se aprovado, com “absoluta independência” e quando pertinente avaliará se a participação em determinado julgamento é caso de impedimento ou suspeição.