O debate sobre a legitimidade de uma lei sancionada ainda em janeiro movimentou a sessão da Câmara de Vereadores na tarde de ontem (22). A legislação, que autoriza a regularização das edificações construídas em desacordo com o Plano Diretor e Código de Obras do município, nasceu a partir da proposição do vereador Patric Cavalcanti (DEM), ainda em fevereiro do ano passado. A discussão envolveu parlamentares e entidades presentes. Após sua sanção, o Sindicato de Indústrias da Construção e do Mobiliário de Passo Fundo (Sinduscon) manifestou-se publicamente afirmando que a lei “beneficia infratores”.
Outras entidades também questionaram a legitimidade da questão: a Associação de Engenheiros e Arquitetos, por exemplo, afirmou que cogita buscar por enfrentamento judicial contra a questão. Em primeiro momento o Conselho Municipal de Desenvolvimento Integrado (CDMI) também se manifestou-se contrário.
A principal questão levantada diz respeito a abrangência da lei. “É uma lei muito ampla”, começa o presidente do Sinduscon, Plínio Donassollo. Segundo ele, o texto não define se a aplicação envolve uma residência de até 70 m² ou mais, por exemplo. “Ela não limita, é muito genérica”, completa. “Ela vai facilitar para pessoas que fizeram obras há pouco tempo e que excederam o índice de aproveitamento, a taxa de ocupação dos imóveis; e tudo entra na mesma leva pra ser regularizado”, complementa o vice-presidente do CMDI, Marco Silva.
A discussão também gira em torno do benefício que a lei poderá proporcionar às edificações construídas em desobediência a legislação vigente da cidade. “No momento em que você regulariza uma construção de 1,5 mil metros² em região onde eram previstos 1 mil metros², a pessoa que fez os 1 mil sai prejudicada. Se esta pessoa fez certo, como poderemos beneficiar uma pessoa que fez errado?”, questionou Donassollo.
Na tribuna, os vereadores discutiram a questão. “De quem é a culpa? Do Executivo, já que não esteve desde o início fiscalizando estas obras irregulares. São casas prontas, com água e luz, famílias morando. Tenho certeza de que a Prefeitura não vai desmanchá-las. A única solução é a legislação, como a lei prevê”, defendeu Paulo Neckle (PMDB). Já Luiz Miguel Scheis (PDT) ficou ao lado do Sinducon. Afirmou que a Secretaria de Planejamento, assim como o CMDI, deu parecer contrário antes da sanção da lei e, por isso, a questão precisa ser revista. “A Câmara é responsável e vai ser feito uma visita ao presidente do Tribunal de Justiça para buscar a revogação desta lei esdrúxula que foi aprovada e sancionada pelo prefeito com o parecer contrário das comissões”, disse ele.
O que diz a lei?
No texto fica entendido que todas as edificações de no mínimo dois anos, que não tiveram seus projetos aprovados pela equipe técnica da Prefeitura – de acordo com o Plano Diretor e Código de Obras em vigência –, poderão passar para o status de regulares. De acordo com a lei, este processo só poderá acontecer se as construções não estiverem incompatíveis com a Lei Federal de nº 6.766/1979, mais conhecida como a Lei de Parcelamento do Solo Urbano. Também não poderão ser regularizadas as edificações construídas sobre faixas com previsão de alargamento viário ou as com atividade incompatível com a zona e via do contexto urbano.
“Temos base nesta lei. Ou seja, é impossível construir em cima da Avenida Brasil ou do Rio Passo Fundo, por exemplo”, explicou o autor da proposição, vereador Patric. Além disso, a regularização não anulará as multas e penalidades aplicadas anteriormente. Outro aspecto da lei é o seu prazo de validade: ela fica em vigência por exatos 365 dias, contando a partir de sua regularização. Se tivesse sido regulamentada ainda no dia de sua sanção, em 12 de janeiro de 2017, por exemplo, cairia em desuso logo depois da mesma data do ano seguinte – neste caso, em 2018. Este processo ainda não foi encerrado e está em fase de estudo na Secretaria de Obras.
O autor do projeto, vereador Patric Cavalcanti (DEM), defende que a motivação para o desenvolvimento da lei está ligada a pessoas que o procuraram por terem dificuldade em regularizar sua área e tirar o Habite-se, já que sua construção andava sentido contrário ao Plano Diretor e Código de Obras. “Se eu tenho uma obra em desacordo com o Código de Obras, o município não me dá o Habite-se e sou notificado. Mas esta é a questão: só isso acontece, nada além disso. Se ele não consegue regularizar a área, também não consegue um financiamento para ampliar e melhorar a obra e o município deixa de ganhar um IPTU e, consequentemente, deixa de gerar receita”, explicou ele.
A intenção, como informou, é zerar todas as obras existentes em desacordo com o Código de Obras no município. Questionado, o município afirmou que existem obras irregulares apuradas pela fiscalização, mas não há um levantamento com número exato. Sobre a manifestação contrária das entidades locais sobre o projeto, ele defende que foi realizada uma reunião com o CMDI e audiência pública. “A comunidade que participou foi favorável a lei; eles têm suas necessidades e precisam fazer seus encaminhamentos. A lei é minha e foi sancionada pelo prefeito. Se fosse inconstitucional na questão jurídica tenho certeza que o prefeito não iria sancionar algo que não seria de benefício de todos. Ela não beneficia nenhum infrator, mas dá encaminhamento e oportunidade às pessoas regularizarem suas obras”, defendeu ele.
O que diz a Prefeitura
Conforme a Prefeitura, o critério utilizado para a sanção da lei foi a legalidade. “O tema foi amplamente discutido na Câmara de Vereadores, espaço que é legítimo para isso, com debates e pareceres favoráveis”, pontuou. Não existe um número formalizado de quantas pessoas procuraram a Prefeitura para a regulamentação de suas edificações de acordo com a lei sancionada. “Mesmo que já tenham pedidos, não significa que eles serão regularizados. Como a lei ainda está sendo regulamentada, não é possível emitir um parecer disso. A partir da regulamentação, em que serão delimitadas as questões que podem ou não serem aceitas, além dos requisitos básicos, é que haverá uma análise para emitir parecer de cada pedido”, pontou a Prefeitura.
Leis semelhantes já foram sancionadas
A primeira data de 1994, e é de autoria do vereador Paulo Neckle. Esta legislação, no entanto, era mais específica: apenas construções de até 70m² podiam ser regularizadas. Além disso, precisavam pertencer a pessoas com apenas um imóvel registrado. A outra é de 2001, de autoria do ex-vereador Jaime Debastiani. Assim como a de Patric, ambas tinham prazo de validade. A de Jaime, por exemplo, foi vigente por 180 dias.
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