Terceirização tem gerado apreensão especialmente entre os trabalhadores. Ainda que faltem ser sancionadas pelo presidente Michel Temer, as mudanças propostas pela lei tendem a precarizar as relações de trabalho e aumentar ainda mais o número de processos que tramitam na justiça trabalhista.
O advogado trabalhista José Mello de Freitas destaca que a primeira mudança é a possibilidade das empresas contratarem outra empresa para fornecerem trabalhadores e serviços que antes não eram permitidos. Uma empresa do comércio, por exemplo, não poderia contratar vendedores terceirizados, mas agora, quando a lei for sancionada, ela passa a poder. “A terceirização é uma bomba, porque ela permite que você tenha empresa e não tenha empregados, só contrate empresas para prestar serviços”, avalia.
Outra mudança diz respeito às contratações temporárias que terão o prazo aumentado. Tudo isso implicará em salários menores, empresas fornecedoras de mão de obra que irão quebrar e acarretará em mais processos na Justiça Trabalhista. Uma questão que não muda e que é considerado favorável ao trabalhador diz respeito à responsabilidade da empresa que contrata um serviço terceirizado. Caso a contratada não pague os salários dos empregados, por exemplo, a contratante continua sendo responsabilizada.
Falsa terceirização
Freitas pondera ainda que, apesar das mudanças, a Justiça do Trabalho deverá continuar anulando muitas terceirizações levando em consideração os princípios do Direito do Trabalho e da Constituição. A falsa terceirização, por exemplo, é uma das práticas que continuará sendo vedada. Uma pessoa que sai de uma empresa e abre uma micro-empresa individual e passa a prestar serviço terceirizado ao antigo empregador continuará sendo caracterizado como fraude. “A empresa não pode ter alguém empregado e de repente passar ele à condição de terceirizado”, reforça.
Uma nova Índia
Para o coordenador do Sindicato dos Bancários de Passo Fundo e Região Dário Sidnei Delavy foi estarrecedora a aprovação da lei pela Câmara dos Deputados, principalmente devido ao fato do projeto de lei estar engavetado desde 1998. A situação é ainda mais preocupante pois serve como indicativo de que outras reformas, como a Previdenciária e a Trabalhista, também tendem a ser aprovadas. Ele enfatiza que os trabalhadores terceirizados são os que mais adoecem, são mais demitidos, mais trabalham, mas os que menos recebem. “Se não houver mobilização social de fato, vão passar essas reformas e estamos fadados a virar uma nova Índia, com empresas multinacionais ganhando muito dinheiro e o conjunto da população na miséria nas ruas”, compara.
Resultado na economia
O economista e professor da Universidade de Passo Fundo (UPF) Dr. Marco Antonio Montoya explica que a terceirização é um processo de modernização do mercado de trabalho que passa pela flexibilização de das leis trabalhistas como forma de ganhar produtividade, mas que representa um processo de perda de estabilidade e segurança do trabalho. Tudo isso pode gerar impactos positivos ou negativos, baseados na experiência de outros países, que irão depender da forma como o mercado e as empresas farão a utilização da terceirização.
“A flexibilização do mercado de trabalho que permite aos empresários terceirizar não só atividades fim como atividades meio. Essa flexibilização pode deixar a contratação da mão de obra mais barata, no entanto, temos que lembrar que essa reforma fala o seguinte: impostos que não são pagos pelo contratante - a terceirizado- são de responsabilidade de quem está tomando o serviço, então tem uma questão negativa para os empresários. Se por um lado pode flexibilizar, por outro lado pode gerar maiores ônus ou responsabilidades”, exemplifica Montoya.
O professor explica que em alguns países, esse modelo funciona bem, mas que dependendo de como a terceirização é aplicada, ela pode precarizar a mão de obra, assim como pode também proporcionar mais competitividade às empresas. “As leis trabalhistas não ficam estancadas, elas são dinâmicas. Os tempos são novos, então a adequação no mercado de trabalho é uma questão que vai acontecer mais cedo ou mais tarde, e está acontecendo agora. Um ponto importante é que se têm leis que lesam em demasiado a sociedade, normalmente, com o tempo elas tendem a ser eliminadas ou melhoradas. Os desdobramentos sobre isso só poderemos analisar nos próximos anos”, finaliza o especialista.
Pequenos negócios
O presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos, comemorou a regulamentação da terceirização. Afif é defensor do modelo e acredita que a contratação de empresas terceirizadas é uma das saídas para a crise. “A terceirização é um fator de geração de emprego. É uma oportunidade para o surgimento de muitas atividades para novos empreendedores que hoje são trabalhadores. O operário vira empresário”.
De acordo com pesquisa realizada pelo Sebrae, 41% dos donos de pequenos negócios acreditam que poderão aumentar o faturamento com o fornecimento de serviços terceirizados. “A terceirização irá permitir que as empresas participem de cadeias produtivas como prestadoras de serviços especializados ou tenham contratos de trabalho que sejam adequados às modernas relações que a CLT não contempla e traz insegurança jurídica”, pontua Afif.
Votação
Mesmo sob forte protesto da oposição, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira (22), o Projeto de Lei (PL) 4.302/1998, de autoria do Executivo, que libera a terceirização para todas as atividades das empresas. O projeto foi aprovado por 231 a favor, 188 contra e 8 abstenções. Desde o início da sessão, a oposição obstruía os trabalhos. A obstrução só foi retirada após acordo para que fosse feita a votação nominal do projeto e simbólica dos destaques. O acordo foi costurado entre o líder do governo, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e parte da oposição.
Pelo projeto, as empresas poderão terceirizar também a chamada atividade-fim, aquela para a qual a empresa foi criada. A medida prevê que a contratação terceirizada possa ocorrer sem restrições, inclusive na administração pública. Atualmente a legislação veda a terceirização da atividade-fim e prevê a adoção da prática em serviços que se enquadrem como atividade-meio, ou seja, aquelas funções que não estão diretamente ligadas ao objetivo principal da empresa.
Trabalho temporário
O projeto que foi aprovado pelo plenário da Câmara também modifica o tempo permitido para a contratação em regime temporário dos atuais três meses para 180 dias, “consecutivos ou não, autorizada a prorrogação por até 90 dias, consecutivos ou não, quando comprovada a manutenção das condições que o ensejaram”, diz o projeto. Decorrido esse prazo, o trabalhador só poderá ser contratado novamente pela mesma empresa após 90 dias do término do contrato anterior. O texto estabelece a chamada responsabilidade subsidiária da empresa contratante em relação aos funcionários terceirizados.
A medida faz com que a empresa contratante seja “subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer o trabalho temporário e em relação ao recolhimento das contribuições previdenciárias”, diz o texto.
Projeto de 1998
Originalmente, o projeto foi encaminhado à Câmara em 1998 pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e aprovado no Senado em 2002. Deputados contrários ao projeto criticaram a votação da proposta 15 anos depois e chegaram a defender a apreciação de outro texto, em tramitação no Senado, que trata do tema.
“Já votamos essa matéria aqui e aprovamos uma matéria que foi para o Senado e que é muito diferente desse projeto que está na pauta aqui hoje. Essa matéria não passou pelo debate dessa legislatura e seguramente representa um duro ataque aos direitos dos trabalhadores”, disse a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Manifestação contrária
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), entidade que representa cerca de 4 mil juízes do Trabalho, Divulgou nota manifestando-se sobre a aprovação:
1 – A proposta, induvidosamente, acarretará para milhões de trabalhadores no Brasil o rebaixamento de salários e de suas condições de trabalho, instituindo como regra a precarização nas relações laborais.
2 – O projeto agrava o quadro em que hoje se encontram aproximadamente 12 milhões de trabalhadores terceirizados, contra 35 milhões de contratados diretamente, números que podem ser invertidos com a aprovação do texto hoje apreciado.
3 – Não se pode deixar de lembrar a elevada taxa de rotatividade que acomete os profissionais terceirizados, que trabalham em média 3 horas a mais que os empregados diretos, além de ficarem em média 2,7 anos no emprego intermediado, enquanto os contratados permanentes ficam em seus postos de trabalho, em média, por 5,8 anos.
4 – O já elevado número de acidentes de trabalho no Brasil (de dez acidentes, oito acontecem com empregados terceirizados) tende a ser agravado ainda mais, gerando prejuízos para esses trabalhadores, para a Sistema Único de Saúde e para Previdência Social que, além do mais, sofrerá impactos negativos até mesmo pela redução global de recolhimentos mensais, fruto de um projeto completamente incoerente e que só gera proveito para o poder econômico.
5 - A aprovação da proposta, induvidosamente, colide com os compromissos de proteção à cidadania, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho previstos no artº 1º da Constituição Federal que, também em seu artigo 2º, estabelece como objetivos fundamentais da República construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.
6 – A Anamatra lamenta a aprovação do PL nº 4302/98, firme na certeza de que não se trata de matéria de interesse do povo brasileiro e de que a medida contribuirá apenas para o empobrecimento da nação e de seus trabalhadores.
7 – Desse modo, conclama o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Dr. Michel Temer, a vetar o projeto, única hipótese de afirmar os princípios constitucionais que asseguram dignidade e a cidadania aos trabalhadores.