Na noite da última sexta-feira (9), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu o seu veredito: a chapa Dilma-Temer não terá seus direitos políticos cassados. A repercussão em torno disso gerou ar de dúvida em todo país: afinal, em que fator foi baseada a decisão do ministro presidente do TSE, Gilmar Mendes, condutor do processo e responsável por proferir o voto de minerva – aquele que tem o poder de decidir um empate –? Três ministros votaram pela absolvição da chapa [Napoleão Nunes Maia Filho; Admar Gonzaga e Tarcisio Vieira de Carvalho Neto], enquanto dois acompanharam o relator, Herman Benjamin [Luiz Fux e Rosa Weber]; que defendeu a cassação da em mais de 550 páginas de relatório. Em seu documento constava a análise detalhada de provas e perícias que comprovavam relações de gastos ilícitos e recebimento de diferentes tipos de propina que foram usufruídos pela chapa 'Com a força do povo', nas eleições de 2014. Na conclusão de Herman, tanto o PT quanto o PMDB receberam, de maneira constante, propinas de empresas vinculadas à Petrobras para sua campanha eleitoral. O recebimento de dinheiro teria vindo tanto por doação oficial quanto por caixa dois.
Em Passo Fundo, um grupo se organiza para sair às ruas no dia 25 – dia em que se completa quatro anos de uma das maiores manifestações realizadas em 2013, movimento também conhecido como o “Vem pra Rua”. Lideranças políticas e jurídicas se manifestaram sobre a decisão do TSE e buscaram entender seu significado junto da atual conjuntura política do país. O resultado você confere a seguir.
“Tudo se resume em insegurança jurídica”
Para o advogado e integrante do Observatório da Democracia, Julio Ramos, duas palavras podem resumir a decisão do TSE: insegurança jurídica. “Hoje a metamorfose que acontece dentro da Justiça brasileira é algo realmente perigosa para a sociedade”, começou ele. O julgamento, como complementa, não se pautou propriamente pelo Direito ou pela Constituição, mas pela medida em que os fatos estão acontecendo. É uma espécie de adaptação da realidade. “Esta adaptação entende que, se for necessário, pode-se passar por cima de garantias ou de direitos individuais, já compreendidos como dogmas. Tudo para legitimar algo que já vem acontecendo: um golpe coberto de absurdos e abusos”, compreende Ramos. Já que estamos em um ponto em que estas manobras são escrachadas e toda sociedade sabe, isso acaba gerando insegurança não apenas à sociedade como um todo, mas também à economia, por exemplo. “É um desmonte institucional. Juridicamente, o presidente do TSE – no caso, o juiz – é sempre o último a se manifestar. O ministro Gilmar Mendes foi o primeiro: já balizou o seu voto desde o princípio. Não observou as provas – inclusive, o TSE afastou as provas para título de julgamento. Isso tudo é inadmissível”, justificou ele. Como consequência, as instituições civis derretem diante dos olhos da população – e tudo em vista do poder econômico de poucos. “Não podemos analisar esta situação individualmente. É uma conjuntura em que o Brasil está envolvido. Estas reformas [Previdenciária e Trabalhista] são apenas algumas das que estão por vir. Depois disso teremos a diminuição do Estado Social, o perdão da dívida [de mais de R$ 94 bilhões] das grandes empresas. A lógica do TSE é a lógica do golpe. Se tivemos, antes, um golpe militar, hoje temos um golpe jurídico e midiático”, pontuou. Para ele, o momento só pode ser otimista se houver uma radicalização da democracia. “A população que bateu panelas não pode se esconder. Este silêncio ensurdecedor me perturba e preocupa”, terminou.
“Total falta de sintonia”
Já o vereador Márcio Patussi (PDT) entende que a sintonia entre provas coletadas e votação dos ministros do TSE passou longe naqueles dias de julgamento da semana passada. “Três ministros vinculados ao STF tiveram um julgamento rigoroso, que primava pela condenação da chapa e seus efeitos; enquanto o presidente da Corte [Gilmar Mendes] apresentou um voto quase que vinculado a própria defesa dos indiciados”, começou ele. Um Tribunal, quando julga um prefeito ou governador, ele segue rigorosamente as regras – o que definitivamente não aconteceu neste caso em específico –, pontuou Patussi. “Houve uma aquiescência, o que gerou dúvidas. Dois dos ministros presentes, inclusive, foram nomeados recentemente por Temer. Estas questões favoreceram a chapa – e não a maioria dos brasileiros. Com isso, se cria um ambiente de instabilidade”, entende o vereador. Esta instabilidade passa a existir a partir do momento em que os julgamentos são feitos em modo político – e não jurídico. “Isso compromete a eficiência da Justiça. Nos preocupamos em como será o comportamento do TSE em casos futuros, já que situações como esta abrem jurisprudência [neste caso, a possibilidade de adaptação de leis com base em algo que já foi decidido anteriormente] mais adiante”, completa. Para Patussi, o Tribunal perdeu uma grande oportunidade de dar exemplo e assegurar o comprometimento junto da sociedade brasileira.
“Processo nasceu do não-reconhecimento da derrota”
Para o líder de governo na Câmara, Alex Necker (PCdoB), o aspecto da não-cassação – a partir de um conjunto de provas apresentadas colhidas posteriormente ao pedido de abertura do processo – não é totalmente errada. O prejudicial, no entanto, é a natureza deste pedido. “Ele vem de um momento político de não reconhecimento da derrota. Foi feito pelo PSDB, com a única intenção de prejudicar o andamento do mandato da ex-presidente Dilma Rousseff”, pontuou ele. Na sequência, o processo chegou a ser arquivado, mas logo voltou à tona junto do processo impeachment. “O ministro Gilmes Mendes recuperou este processo e chamou-o para si para manter a presidente afastada sob a ponta da lança. Depois do impeachment, ficou claro que ele não queria o afastamento da chapa toda. Este julgamento foi muito mais político que técnico ou jurídico”, analisa Necker. Para ele, vivemos em um momento em que “um golpe se desmantela atrás do outro”. “Pouco importa o que aconteceu, o que se praticou. Só importa que este governo ascendeu ao poder porque negociou com as elites nacionais. Pouco importa se temos corrupção ou se o presidente está envolvido; só importa avançar esta linha neoliberal há pouco recuperada, que prejudica os direitos dos trabalhadores”, completa ele, que acrescenta: o julgamento do TSE só dá sequência a uma “sobrevida” ao governo Temer para levar adiante as reformas já previstas.