O Partido dos Trabalhadores sempre teve representatividade em Passo Fundo. Prova disso é o histórico de eleições no município: de 1988 até 2016 não houve um só ano sem um candidato petista eleito para a Câmara. Em 2012, por exemplo, quatro compuseram a bancada, o que não se repetiu em 2014, quando o partido amargou derrota, por conta da crise política que atingia em cheio a sigla, em âmbito nacional. Este dado é um sinal claro da crise política que abalou as estruturas do partido a nível nacional: o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff somado a punhados de denúncias e investigações sobre corrupção tornaram o PT um alvo fácil.
Em 2017, já sem representantes nos espaços locais, o diretório tenta recuperar o tempo perdido. Prova disso é a frase que enfatiza a necessidade de “recuperação do protagonismo do PT”, vinda do presidente local recém-eleito, Jorge Gimenez. Sua chegada ao posto de governança do partido partiu da necessidade de renovação da imagem, da atividade e da ocupação de espaços políticos na cidade. Os conhecidos como “cabeças-brancas” partem para os bastidores depois do desgaste interno que dividiu o grupo e, principalmente, foi fator que contribuiu para a não eleição de nenhum dos candidatos nas proporcionais. Gimenez surge como a tomada de fôlego: aos 34 anos, filiou-se em 2015, depois de naturalizar-se brasileiro. Natural do distrito de Minga Porá, no Paraguai, é formado em Filosofia pelo Instituto de Filosofia Berthier (IFIBE), especializado em Direitos Humanos e, em breve, deve se formar mestre em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Nesta entrevista, ele discorre sobre os acontecimentos que fizeram com que o Legislativo passo-fundense ficasse sem representantes petistas e, mais que isso, exibe os planos do partido em Passo Fundo. Um deles é o posto alto do Executivo: nas metas a longo prazo está a eleição de um prefeito petista.
ON: Aqui em Passo Fundo temos o histórico de um PT bastante radical. Como está o clima interno?
Jorge: Um dos diferenciais do PT é que ele se organiza em correntes. Tem a articulação de esquerda, a da Comunidade da Luta Democrática (CLD), do Avante Socialismo 21, etc. Isso para alguns é um problema, mas pra outros não. Para mim contribui muito para aquilo que chamamos de democracia interna. Ou seja, você tem diferentes visões dentro de um único grupo. Tanto que o PSTU e o PSOL eram correntes internas do PT que acabaram saindo por não concordar com a lógica nacional. É natural que exista divergência entre estes grupos – e em Passo Fundo não é diferente. É claro que temos divergências internas, mas sempre foi assim. No fim é saudável: nós temos capacidade de sentar na mesa e entender que, mesmo com as diferenças, vemos um horizonte único de fortalecimento e reconstrução do partido. Eu diria que o clima interno é normal e não está diferente de outras épocas. Obviamente existe um clima de preocupação, e nem preciso explicar como a situação é difícil. Esta é, inclusive, uma das razões pela renovação, em colocar um rosto novo neste processo – ainda que isso tenha passado por um processo eleitoral.
A eleição
Num primeiro turno, concorreram três candidatos: Jorge, o bancário aposentado Ivan Canal e o líder de movimentos habitacionais, Julio Gonçalves. No segundo turno contra Canal, Jorge fez cerca de 60% dos votos. A eleição foi no dia 30 de abril, no Plenarinho da Câmara.
ON: E a partir de agora, quais os planos?
Jorge: O clima agora é de análise. Achamos que perdemos um pouco da análise da realidade, em tentar entender onde está a crise na nossa base. Entendemos que não é só o partido que está em crise, mas a esquerda em si – e isso em todo país. Isso inclui os movimentos sociais e o sindical, principalmente, que sempre foi o nosso braço direito, e está muito desgastado. São lideranças que não se renovam. A ideia é passar o próximo período fazendo debates e a partir disso começar a produzir elementos novos para colocar o partido em seu devido lugar. Queremos, sim, ter representação na Câmara, queremos disputar liderança nas associações de moradores, diretórios acadêmicos, movimentos de mulheres, de saúde, de rua, etc.
ON: Tentar voltar para a essência, de alguma forma...
Jorge: Acho que antes temos que discutir e entender de fato qual é a principal base do PT. Esta é a real pergunta: qual é a nossa base? Nos anos 1970 e 1980 sabíamos que eram os movimentos que estavam aflorando no Brasil. O PT se fortaleceu com isso. Hoje a realidade não é mais esta.
ON: São contextos diferentes.
Jorge: Exato. E é sobre isso que o partido precisa pensar. Temos que analisar para poder voltar. Temos que reafirmar a nossa origem. Qualquer outro partido da cidade quando elege a sua direção não tem um desafio tão grande. Precisa no máximo acomodar-se perante os grupos e lideranças que figuram ali dentro. O PT tem nos movimentos sociais a sua identidade: ele não vai apostar no centro da cidade, por exemplo, embora isso não esteja totalmente descartado. É que a nossa identidade são os movimentos, organizações, sindicatos, pastorais. Esta é a nossa base e é para lá que temos que voltar de alguma forma e, a partir destes espaços, construir novas perspectivas para a cidade.
ON: A partir disso, quais vão ser as prioridades do partido?
Jorge: Voltar a ocupar os espaços de representatividade do município. Essa prioridade, claro, não se constrói sozinha: temos que ter uma estratégia. Sem dúvida o nosso foco passa pelo fortalecimento dos espaços que historicamente construímos na cidade. Nós deixamos o nosso espaço e agora surgem movimentos muito presentes que inclusive viraram agenda na cidade. Um exemplo é o CMP [Centro Municipal de Professores], que tem chamado muita luta. São pessoas próximas, mas não é a CUT [Central Única dos Trabalhadores] nem o PT. Precisamos recuperar o nosso protagonismo.
ON: O que pode ser feito para mudar isso, na prática?
Jorge: Vamos fazer um bom debate sobre qual é a fotografia do movimento comunitário. Não é porque necessariamente queremos votos, mas porque achamos que este movimento tem que ter uma certa autonomia em relação a gestão pública. Eles servem para descentralizar o poder na cidade. Também não achamos que é suficiente governar somente para o centro. Essa é uma das maiores críticas feitas ao governo Luciano [Azevedo]. É, sim, muito interessante deixar a cidade bonita, mas temos muitos problemas nos bairros. A questão habitacional é um exemplo latente. A nossa ideia é recuperar estes espaços estratégicos que reafirmam a nossa identidade. Isso vai fazer com que fortaleçamos a perspectiva de governo e política na cidade.
ON: Qual é a ideia do PT para Passo Fundo?
Jorge: Precisamos de novo nos tornar para o eleitorado a esperança da mudança. Isso foi muito vinculado a ideia do partido, inclusive no campo ético – o que foi perdido completamente devido aos processos que temos hoje. O PT ganhou muitas eleições justamente por representar uma esperança de uma nova política vinculada a ideia da justiça social, da redistribuição de renda. Temos que recuperar a nossa identidade social e é evidente que para isso temos que construir mecanismos para dialogar com a sociedade. Como diria o cientista político Giovanni Sartori, um partido que não sonha com a questão eleitoral não é um partido político. Se não está no horizonte a representação eleitoral nos espaços dedicados para isso, pode ser tudo – menos um partido político. O PT quer voltar para a Câmara e, sim, quer governar Passo Fundo. É a nossa meta a longo prazo.
ON: E sobre a decisão de não estabelecer alianças nas últimas eleições: qual é a consideração do partido sobre isso?
Jorge: Acho que acertamos. Se tivéssemos feito [aliança] nas proporcionais – e estivemos muito perto de fazer com o PR – podíamos ter eleito ao menos um candidato, mas isso não era garantia. Já na majoritária sabíamos que o potencial eleitoral era de, no máximo, 10 mil votos. Fizemos pouco mais de 5,5 mil e isso não ficou fora do esperado. Sabíamos que o momento era difícil. Depois das eleições pudemos fazer algumas conjunturas. Havia um grupo muito importante do PT que queria fazer uma aliança com o Osvaldo [Gomes, candidato do PP]. Agora está explicado porque foi tão desgastante, certo? A decisão final do diretório, inclusive, foi pela aliança. O diálogo acabou não indo para frente e optamos pela candidatura própria. Depois de tudo a gente entende que talvez tenha sido acertado não ter feito aliança. O quadro não teria mudado muito. Hoje não vemos erros. Boa parte do PT ia contra esta aliança por motivos ideológicos. O PT e o PP eram e são polares. Hoje é praticamente inviável pensar uma coisa dessas. São duas margens distantes – embora eu já tenha ouvido falar que as margens na política são mais próximas do que a gente imagina.