Governo anuncia que vai sancionar com vetos

O que representa a reforma trabalhista aprovada pelo Congresso. Em meio a tantas discussão, ON esclarece alguns dos principais pontos desta lei que interfere diretamente no cotidiano do trabalhador brasileiro

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O texto da reforma trabalhista aprovado na terça-feira (11) no Senado, já está no Palácio do Planalto para a sanção presidencial. O presidente Michel Temer tem até o dia 31 de julho para assinar o projeto de lei aprovado. O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, anunciou que Temer vai sancionar a lei nesta quinta-feira (13). A reforma chegou ainda na terça-feira ao Planalto, mesmo a votação tendo terminado depois das 22h. Finalizada a sessão no Senado, o presidente deu uma declaração à imprensa. Ele comemorou o resultado e afirmou que a nova legislação trará empregos e deixará o país mais competitivo.

O texto seguiu para o presidente sem alterações, o mesmo aprovado na Câmara dos Deputados, como parte de um acordo entre governo e parlamentares da base aliada, que rejeitaram todas as emendas. A medida deu celeridade à reforma, que não precisou voltar à Câmara para uma nova análise. No entanto, como resposta aos pontos polêmicos da proposta, há um compromisso do presidente Michel Temer de vetar seis pontos da reforma como forma de aperfeiçoar esses pontos para que sejam reapresentados por medida provisória ou projeto de lei. Uma declaração do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pode desfazer o acordo. Ele disse, por meio do Twiter, que os deputados não aceitarão mudanças na reforma. Maia disse que caso o presidente Michel Temer envie uma medida provisória sobre o assunto, a proposta “não será reconhecida” pela Câmara. O Nacional repercutiu a aprovação da Reforma entre advogados, economistas, empresários e sindicalistas de Passo Fundo.

Benefício maior é das empresas

O sociólogo e economista Ginez de Campos disse que algumas mudanças, deverão beneficiar muito mais as empresas do que os próprios trabalhadores. “De fato algumas mudanças são necessárias em função das recentes transformações econômicas e produtivas no mundo do trabalho. No entanto, as propostas foram encaminhadas visando atender muito mais aos interesses dos grupos empresariais, interessados na flexibilização da legislação trabalhista, do que em considerar os impactos para a classe trabalhadora”, afirmou. Ele acrescenta que a classe trabalhadora, por meio dos seus sindicatos, não teve a devida oportunidade de participar de forma democrática das discussões da nova legislação. “Infelizmente a motivação oculta por parte desta proposta de flexibilizar as relações de trabalho visa reduzir custos para as empresas, o que de certa maneira pode significar uma forma de tornar as condições de trabalho mais precárias”, completa. Isso se justifica pelo anseio já antigo da classe empresarial de haver uma reforma trabalhista. Segundo ele, a CLT atual é vista como “ultrapassada e demasiadamente protetiva com elevados custos para as empresas”.

“Um dos argumentos do setor empresarial é que a flexibilização da legislação poderia melhorar a competitividade da economia brasileira quando comparada a outros países, cujos custos do trabalho são menores. No entanto, ao meu ver a proposta atual acontece em um momento de profunda recessão da economia brasileira, num contexto de elevado desemprego estrutural, o que poderá significar a redução cada vez maior dos níveis de salários dos trabalhadores e do correspondente aumento dos lucros para o setor empresarial. A atual crise política institucional é outro fator que tira toda e qualquer legitimidade do congresso nacional para propor uma mudança que afetará a vida de milhões de trabalhadores no país”, ressalta. Entre as mudanças, ele afirma que muitas das questões da nova regra deveriam ser melhor trabalhadas, por trazerem proposições polêmicas. Entre eles, o destaque vai para o novo regime de férias parcelado em três períodos e a questão da jornada de trabalho com carga horária de até 12 horas em um dia, por exemplo. “São algumas questões que precisariam de um melhor debate com a classe trabalhadora através da participação dos seus sindicatos. Precisamos de fato realizar algumas mudanças pontuais na legislação trabalhista, que por sua vez em muitas situações podem acabar inibindo a geração de empregos no país, mas isto não deve significar uma proposta que tire direitos adquiridos e precarize as condições de trabalho gerando insegurança no emprego e achatamento da massa salarial”, terminou.

Impacto no volume de processos trabalhistas

Para o advogado trabalhista empresarial e professor de Direito da Universidade de Passo Fundo, Paulo Henrique Schneider, haverá redução do volume de processos trabalhistas no Brasil. Isso porque a Reforma aponta que o trabalhador terá de comprovar que não pode arcar com os custos judiciais. “Não acho que vá aniquilar a Justiça do Trabalho, mas certamente vai impactar na quantidade de ações trabalhistas que tramitam hoje. O empregado, na medida em que sabe que a Justiça do Trabalho já não é mais gratuita – a não ser com a comprovação, vai ter que pagar a perícia, as insalubridades, em caso de perda. Por isso a tendência é que algumas ações diminuam o próprio número de pedidos. Se deixa de imprimir um vale tudo para ser mais criterioso no momento em que ingressar no processo trabalhista”, declarou. Os últimos dados apontam que o país possui cerca de 9 milhões de processos tramitando na Justiça do Trabalho. O número, segundo ele, é extremamente elevado.

Além desta, também devem haver outras mudanças. Ele cita como exemplo a invenção do depósito recursal para recuperação judicial. “É um ponto que até então não era abordado pela legislação trabalhista. A empresa que deseja interpôr um recurso em uma sentença, precisa ter um depósito recursal”, explicou. Hoje a tabela da Justiça do Trabalho prevê a quantia de cerca de R$ 8 mil para o depósito. Com isso as empresas poderão ter direito ao recurso sem efetuar este depósito. “É uma significativa alteração processual”, disse. Além disso, outro exemplo trata sobre os trabalhadores domésticos e microempresários, que terão 50% de desconto neste depósito. “Se tiver que recorrer, terá de incluir o depósito. Com a nova sistemática você vai reduzir este valor pela metade”.

“Uma visão míope”

“Nos moldes de como foi pensada, esta reforma aparentemente traz uma maior flexibilidade para os empresários, mas não acredito que ela consiga sanar ou resolver os problemas econômicos”, começa a economista Cleide Moretto. É que, para ela, os problemas da dinâmica produtiva vão muito além da relação custo/trabalho. “Temos muitos outros, principalmente na questão dos tributos. O que percebo é que a reforma vem oficializar uma tendência que já estamos vendo, inclusive em países desenvolvidos, que é a precarização do trabalho”, explica. Isso se explica pelo boom de trabalho informal em comparação com o trabalho formal. “Em função do risco do trabalhador entrar na Justiça, muitos empregadores optam por não estabelecer contrato formal. A longo prazo, ele não terá que arcar com as consequências”, completa. A questão é que existe sim um porcentual de trabalhadores que podem colocar este risco em adverso – mas a reivindicação é menor que o comum. “Os espaços de trabalho hoje estão muito intensificados, com muita exigência de produtividade. Um pouco da culpa é do advento da tecnologia, já que temos que acompanhar o ritmo da máquina. A tendência, perante isso, é uma geração de pessoas que dedicam a maior parte do seu dia ao trabalho”.

Só que esta dedicação pode trazer problemas não só na saúde dos empregados, mas também em outros setores da sociedade. Um exemplo é o previdenciário. “A tendência é que com esta flexibilidade tenhamos cada vez mais pessoas trabalhando por si ou por terceirização. A partir disso, parte para as pessoas a responsabilidade de pagar o seu próprio fundo de garantia. A remuneração, que já é baixa, não vai ser destinada para este fim”, diz Cleide. Este movimento vem acompanhado da insegurança e, consequentemente, da diminuição do consumo. “Insegurança nunca faz vem. Isso traz o adoecimento – e mesmo que não seja exclusivamente físico, deve ser principalmente mental. O mundo vive discutindo essa ideia de trabalho decente, de melhorar as relações de trabalho. Não é o que estamos vendo. Este é um retrocesso aos moldes do século 19. Se você está inseguro, você não tem o que negociar – sempre vai sair perdendo. Nunca é uma negociação tranquila. É uma visão míope”, defendeu a economista. “Se pensarmos como a massa salarial é importante ficaríamos menos vulneráveis perante as crises. Todos pensam a curto prazo e cortam logo a ponta mais frágil, que é a do trabalhador. Só que pessoas mais frágeis consomem menos – e adoecem mais. Isso interfere na saúde pública e por aí vai. É, sim, um retrocesso social – uma desconstrução de algo que devíamos estar avançando”, terminou.

“É a galinha negociando com a raposa” 

A frase dita pelo presidente do Sindicato dos Comerciários, Tarciel da Silva, serve para ilustrar a indignação sobre o novo texto da Reforma Trabalhista. Ele explica o por quê. “Estão passando para a sociedade que os sindicatos são contra [a reforma] porque vai terminar o imposto sindical. Não é nada disso”, começa. É que, de acordo com o novo texto, a contribuição dos funcionários para os sindicatos passa a ser opcional e não mais obrigatória, como é a regra atual da CLT. “O problema maior é que a classe trabalhadora não vai mais ter nenhum direito garantido. Por exemplo, se você trabalha em uma construção, nos dias de chuva o empresário simplesmente vai te deixar em casa e não vai te pagar por este dia. As mulheres grávidas perdem direitos se trabalham em locais com insalubridade. É uma afronta ao trabalhador. É jogar no ralo todos os direitos que foram construídos e discutidos por anos”, completou. Mas o ponto que causa maior indignação é o que o trabalhador perde completamente o direito de entrar na Justiça contra a empresa. “A rescisão, os cálculos... tudo é feito na empresa. Temos várias denúncias onde o trabalhador assina a rescisão e não ganha o dinheiro. Quero questionar quem lê este jornal: você teria coragem de olhar para a cara do seu patrão e pedir um aumento ou dizer que precisa discutir o horário? O imposto sindical não muda nada. Você realmente acha que vai poder reclamar se chegar no dia 10 e ainda não ter recebido o teu salário? Imagine o que esta reforma significa para o trabalhador, na qual o acordado é superior ao legislado. O que você definir com o seu patrão é superior a uma lei. É a galinha negociando com a raposa”, terminou.

“Retroceder é não mudar”

O vice-presidente da Acisa, Marco Mattos, tem a resposta pronta quando questionado sobre o motivo da Reforma Trabalhista não ser um retrocesso. “Retroceder é ficar onde está, é não querer mudar. São questões do dia a dia do trabalhador que eram contempladas na CLT e precisavam ser”, disse. Por isso ele acredita que a reforma surge não apenas para melhorar a relação capital/trabalho, mas também para contemplar a modernidade destas relações. Ele cita como exemplo as evoluções apresentadas pela atualização da lei, como uma flexibilização das jornadas e no que considera uma maior “equidade” no trabalho para a gestante, que poderá continuar desenvolvendo suas atividades mesmo se operar em ambientes insalubres. A terceirização é outro ponto defendido. “Ao contrário do que se pensa, com isso criaremos muito mais oportunidades de trabalho do que desemprego. Além disso, as negociações das categorias vão permitir uma melhor avaliação daquilo que realmente querem trabalhadores e empregadores. Vemos com bons olhos. Não podemos ficar atrelados a pensamentos radiais de determinados tribunais porque não contemplam nem a vontade dos trabalhadores e nem dos empregadores”, pontuou.

“É uma modernização” 

Já a empresária e presidente do Sincomércio, Sueli Marini, julga a Reforma Trabalhista como algo positivo. “É uma modernização”, disse. Para ela, este é um complemento bem-vindo para auxiliar o empregador. “Hoje o empreendedor pensa muito antes de ampliar, de contratar mais gente. Isso porque o Brasil concentra 98% das ações trabalhistas do mundo. É muito comum fazermos um trato com o colaborador no início do contrato e, no fim, tudo que foi conversado perde o seu valor”, justifica. Por causa disso, muitas vezes o empresário fica sem ter como pagar o custo da causa trabalhista. “Se você concordou e assinou o contrato, por que não reclamou ainda na primeira vez que não recebeu o combinado? Se isso não aconteceu, você não pode reclamar no final. Depois de receber a mesma coisa por cinco, dois ou três anos de contrato não dá para achar que foi injustiçado. Este é o maior problema hoje do empreendedor e, por isso, diminui as suas vagas. Nesta crise, o que mais vai demorar – e nem sei se volta ao normal – é a retomada do emprego”, termina ela.

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