As estratégias estão postas para a sessão da Câmara dos Deputados desta quarta-feira (2), quando os parlamentares votam pela admissibilidade da denúncia contra o presidente Michel Temer. O processo apresentado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ainda no início de julho acusa Temer pelo crime de corrupção passiva. O cenário de polaridade na Câmara não é de agora: já vem se desenhando desde a apresentação – e rejeição – do primeiro parecer de Sérgio Zveiter (PMDB-RJ), que recomendava dar prosseguimento à denúncia. Na contramão disso está o parecer lido na tarde de ontem (1) elaborado pelo deputado Abi-Ackel (PSDB-MG), que contestou a validade das provas apresentadas contra Temer. O voto recomendado por ele é pelo arquivamento do processo. Se a denúncia for aprovada, a acusação será investigada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e Temer pode ficar até 180 dias afastado do cargo. Caso contrário, é enterrada entre pilhas e pilhas de processos do Congresso.
Para evitar a investigação
Não foi segredo para ninguém o que o governo Temer fez para tentar barrar o prosseguimento da investigação. Na tarde de ontem, o próprio ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou que os ministros com mandato de deputado serão exonerados temporariamente do cargo para retornar à Câmara. O motivo: participar da votação no plenário. Todas deverão ser publicadas na edição do Diário Oficial da União. “Todos votam, exceto Raul Jungmann [ministro da Defesa], que está no Rio de Janeiro. Amanhã o Diário Oficial libera os ministros que querem exercer o direito a voto. O simbolismo da votação se reveste também da participação dos ministros no plenário fazendo as conversas que normalmente se faz e também exercendo o direito ao voto”, disse Padilha.
Essa não é a primeira vez que ministros retornam ao Congresso para votar em matéria de interesse do governo. Em outubro do ano passado, Temer exonerou dois ministros para que votassem a proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê um teto para os gastos públicos. Em abril deste ano, o presidente usou o mesmo recursos ao exonerar os ministros para reassumir o mandato de deputado federal e votar no projeto da reforma trabalhista, que foi aprovada. Também em abril, Temer havia decidido que ministros retornariam mais uma vez à Câmara para participar da votação em plenário da PEC da Reforma da Previdência. O PMDB, partido de Temer, já definiu que toda a sua bancada votará contra a admissibilidade da denúncia. No total, são 63 deputados. A informação veio do presidente do partido e líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). “O PMDB definiu fechamento de questão e qualquer ato em oposição à decisão do partido terá consequências”, disse ele. Além disso, ele também negou que a denúncia será capaz de paralisar os trabalhos na Câmara até que haja definição dos deputados.
Já a bancada de oposição aproveitou a leitura do relatório na tarde de ontem para articular sobre estratégias de barrar a não-admissibilidade do processo. Uma das possibilidades cogitadas é a de não registrar presença para dificultar o alcance do quórum. O deputado Pompeu de Mattos (PDT-RS) disse em entrevista que o governo “perdeu o controle da base” e que prevê um impasse na votação. “Vai ser uma briga feia”, declarou. O representante da Rede (RJ), Alessandro Molon, apontou que o governo está “jogando a toalha” e “batendo cabeça” para evitar que a denúncia vá para o STF. "Seja qual for o resultado hoje aqui, o governo já perdeu porque precisou trocar membros da comissão para fabricar um resultado artificial, para manipular a votação da CCJ e isso à custa do dinheiro do povo brasileiro", disse, adiantando que a estratégia dos contrários ao presidente será de apenas garantir quórum caso a sessão não seja "esvaziada".
Relatórios opostos e pressão interna
Mesmo sendo da base aliada, Zveiter defendeu na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que a denúncia contra Temer devia, sim, ser analisada. Derrotado, seu parecer foi substituído pelo de Abi-Ackel, que defende o arquivamento da proposta. No relatório de Zveiter, ele enfatizava a necessidade de investigação contra o presidente, já que a denúncia da PGR apresentava sérios indícios de corrupção passiva e, por isso, era preciso esclarecer o ocorrido com a sociedade. Diante disso, muitas trocas foram feitas na CCJ. Uma estratégia governista trocou 25 dos 66 membros da comissão – o que ajudou a garantir a maioria dos votos para derrubar o primeiro parecer.
“A derrota que se afigura hoje aqui é uma derrota que foi montada artificialmente. Uma derrota aqui não vai ser do parecer, vai ser a derrota do povo brasileiro que quer uma política limpa, honesta, correta, que repudia que deputados eleitos livremente pelo voto se submetam as manobras de oferecimento de emendas parlamentares e cargos”, declarou. Alguns dias depois, surge um novo parecer. Desta vez, o texto contesta a acusação de que Temer tenha cometido qualquer crime de corrupção passiva. Com um novo relator, o novo parecer foi lido e votado em pouco mais de uma hora. No novo enunciado, Abi-Ackel questiona a validade técnica das provas apresentadas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
Os passos da votação
Existe possibilidade de adiamento da votação. Isso por conta do quórum aguardado para este tipo de processo: é necessário que pelo menos 342 deputados estejam presentes na sessão – dois terços dos 513 parlamentares da casa, número expressivamente alto e difícil de ser atingido, por conta da essência da matéria. Em entrevista, o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou acreditar que o quórum será alcançado e a votação concluída até o final da tarde. Com a aprovação, a acusação será investigada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Rito da votação
- Tudo começa com a leitura do parecer aprovado na CCJ. Em seu relatório, o tucano pede que a denúncia contra Temer seja arquivada por falta de provas.
- Na defesa, o presidente Michel Temer ou seu advogado poderão falar por até 25 minutos.
- Depois disso, cada deputado poderá manifestar-se por até cinco minutos.
- Após a exposição de quatro oradores, a secretaria esclarece que é permitida a apresentação do requerimento para encerrar a discussão. Este requerimento é submetido à votação dos deputados, no caso do plenário já ter a presença de pelo menos 257 parlamentares – quórum mínimo estabelecido pelo Regimento Interno para votações.
- Encerrada a discussão, terá início o processo da votação do parecer. Para encaminhar a votação, poderão falar mais dois oradores contrários e dois favoráveis ao parecer de Abi-Ackel por até 5 minutos cada. Os líderes partidários poderão falar por um minuto para orientar o voto das bancadas.
- Aí então o mérito do parecer da CCJ será submetido à votação nominal. Cada deputado deverá responder “sim”, “não” ou abstenção, conforme aprove ou rejeite o voto do parecer. Os parlamentares serão chamados conforme seus estados por ordem alfabética. A chamada será alternada entre estados das regiões Norte e Sul.
- Alcançados os 342 votos, a Presidência da Câmara poderá proclamar o resultado. Para derrubar a denúncia, basta que a base aliada tenha a maioria dos votos dentre o mínimo de 342 votantes. Já para aprová-la, a oposição precisa ter, no mínimo, 342 votos.