Sete meses e 15 vetos

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A inconstitucionalidade marca a maioria dos vetos feitos pelo Executivo Municipal aos projetos que foram aprovados pela Câmara de Vereadores de Passo Fundo no primeiro semestre do ano. Segundo levantamento feito pelo próprio Legislativo, de 15 vetos encaminhados pelo Executivo, 12 foram totais e três parciais. Dentre estes 15, estão incluídos os últimos dois vetos a projetos aprovados pelos vereadores. No entendimento da Procuradoria-Geral do Município, os textos que tratam do recolhimento de veículos abandonados (PL 65/2017); e da obrigatoriedade de que o carnê do IPTU indique valores em atraso (PL 45/2017) apresentam vício de iniciativa. Isso representa dizer que a origem das propostas não deve ser da Câmara, mas do próprio Executivo, já que geram novos ao município. São projetos inconstitucionais, que ferem a liberdade entre os Poderes - condição básica do exercício público.

Desde o início do ano já são 15 vetos do Executivo - 12 totais e três parciais. Do total, oito foram acatados pelos vereadores - ou seja, todos concordaram que, de fato, esses textos previamente aprovados não deveriam virar leis. Só um veto do Executivo foi derrubado: a pressão dos movimentos sociais na Câmara fez com que a maioria dos vereadores bancasse o projeto de Regularização Fundiária rejeitando o veto do prefeito no final de junho. Com uma base de 18 aliados, só quatro votaram pelo acatamento. É um número bem maior comparado ao primeiro ano da legislatura anterior. Até agosto de 2013, apenas seis projetos da Casa foram vetados pelo Executivo. Em todo ano, foram 15 vetos negados.

A situação atraiu o olhar da Associação de Moradores e Amigos do Centro (AMAC), que chegou a entrar em contato com a subseção de Passo Fundo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para esclarecer o que há de errado com os projetos da Casa. Isso porque a própria AMAC ganhou recentemente uma ação na Justiça contra o município por conta de outra legislação julgada inconstitucional. Trata-se do artigo 4º da lei nº 4.849/2011, que proibia o estacionamento de veículos num raio de 100 metros dos postos de combustível das 22h às 6h. A lei que entrou em vigor em 2011 acabou sendo revogada a partir da decisão do órgão especial do Tribunal de Justiça do RS. “A intenção é entender como isso funciona, ver como a OAB se posiciona. Já derrubamos uma lei inconstitucional. Percebemos que a Prefeitura tem esse cuidado de vetar o que não está de acordo, mas tem algo errado. Se a Câmara aprova e o prefeito veta, temos um conflito de ideias. Quem sempre acompanha acaba ficando na dúvida, então acreditamos que a OAB possa esclarecer de que se trata”, disse o presidente da entidade, José Rodrigo Santos.

Ele usou como exemplo outra lei vetada recentemente, de autoria do vereador Rafael Colussi (DEM). A proposição queria proibir a venda de fogos de artifício com estampido no município - o que também foi considerada inconstitucional. Neste caso, a própria procuradoria jurídica da Câmara apresentou um parecer contrário a legalidade do projeto. “Aí a gente questiona: para quê serve a procuradoria, se eles aconselham e ninguém ouve?”, completa José Rodrigo. De fato, a Procuradoria da Câmara tem como função orientar os parlamentares na questão técnica dos projetos. “Todos os projetos de lei apresentados recebem um parecer sobre sua legalidade ou constitucionalidade. No processo legislativo existem diferentes fases e uma delas é a procuradoria”, disse o procurador da Casa, Fausto de Morais. Quem define pela constitucionalidade, ou não, de uma lei é a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “A área jurídica da Câmara é de orientação técnica. Ela elabora um parecer jurídico para que os vereadores possam tê-lo como referência, mas pelo regimento interno, quem responde pela análise de constitucionalidade é a CCJ”, disse o advogado especialista em direito político e autor do livro ‘O que é ser vereador’, André Leandro Barbi Souza.

Afinal, qual é o papel do vereador?

Um vereador não serve só para “criar projetos”. Também não foi eleito só para frequentar sessões ou falar ao microfone. Na teoria, sua função vai muito além disso: é parte essencial da democracia. “As duas principais funções do vereador são fiscalizar e legislar. Isso não necessariamente pode ser confundido com protocolar projetos de lei”, explica André Souza. Segundo ele, é perceptível que muitos parlamentares têm a preocupação em propor vários projetos para que pareçam estar “legislando mais”.

O conceito, na verdade, não é esse. “Legislar é atuar em todas as fases do processo de elaboração da lei. Não é o número de projetos de lei que gera um mandato de qualidade, mas estar atento a todos os projetos que tramitam na Câmara”, destaca ele. Este pensamento quantitativo é cultural no país. Basta observar os números: hoje temos mais de 180 mil leis em vigor no Brasil. Nos primeiros 25 anos da atual Constituição - de 1988 a 2015 - o país gerou uma média de 570 leis por dia útil. Para resolver este volume, só enxugando as que já estão em vigor e eliminando leis supérfluas, deixando assim o que é realmente importante. “O caminho é inverso: não criar mais, mas melhorar as que já existem”, disse.

Onde está o vício de iniciativa

No poder público, todos os assuntos relacionados a atuação do governo - um serviço público, a atuação de um órgão ou a definição de uma obra, por exemplo - precisam vir exclusivamente do aval do chefe do Executivo. Essa regra existe tão e somente para garantir a governabilidade. Se não existisse, seria impossível governar o país, estado ou município. “Se este princípio não fosse claro, um vereador poderia chegar e dizer para terceirizar a coleta de resíduos; outro decretaria que o funcionalismo teria 30% de aumento e outro instituiria o ensino de língua italiana nas escolas. Ficaria ingovernável. Por outro lado, o prefeito não pode fazer qualquer coisa ser uma lei aprovada pela Câmara. É um sistema de freios que fazem com que os dois poderes se complementem e tenham importância dentro deste que é um sistema democrático”, explicou o especialista.

"O plenário é soberano, mas dentro da legalidade"

A fala é do procurador-geral do município, Adolfo de Freitas. Segundo ele, é necessário entender os limites do legislador. Quando o prefeito sanciona uma lei, ela já está no mundo jurídico e, portanto, é obrigatório que seja cumprida. Ele cita como exemplo o projeto que propunha a obrigação de entrega dos resultados de exames citopatológico em até 30 dias - também vetado pelo Executivo. "Não podemos furar a fila do SUS, porque quem controla é o Estado. Se alguma mulher morrer e o médico entender que foi por diagnóstico tardio, o prefeito e o secretário da saúde poderiam ser responsabilizados. Não podemos interferir em um sistema que já vem sendo desenvolvido pelo estado. As leis precisam ser executadas. O plenário é soberano, mas precisa estar dentro da legalidade", explicou ele.

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