Quatro dígitos carregados de muita expectativa: 2018 será o ano marcado pela corrida eleitoral em um momento onde o país se encontra em contexto delicado. São as primeiras eleições após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ocorrido em 2016, acompanhado de uma série de denúncias da Operação Lava Jato, que expôs figuras já tradicionais na política brasileira. Dez meses antes das eleições, um questionamento: afinal, o que esperar da movimentação política neste ano? Para o economista e doutor em Sociologia Política, Ginez de Campos, 2018 deve ser marcado pela bipolarização de duas candidaturas, o que reflete o retrato de um país dividido ideologicamente. O cenário se desenha com uma variedade de incertezas capazes de conduzir a tendência de instabilidade no mercado. Neste caso, estamos suscetíveis a complicações que atingem em cheio a economia e, consequentemente, a rotina dos brasileiros, como a queda nas bolsas, a alta do dólar e o retorno da inflação. Se este cenário se comprovar, todo o otimismo projetado pelos analistas de mercado para 2018 vai para o ralo: o agravamento da crise econômica poderá servir para uma indignação ainda maior do eleitor. “E é sempre bom lembrar que o que orienta o comportamento político do eleitor brasileiro é muito mais a situação da economia - e não a sua ideologia”, pontuou ele.
A influência econômica no voto é, sim, determinante, mas não o fator principal capaz de mudar o rumo de uma eleição. Quem vê desta forma é o coordenador do Centro de Gestão e Negócios da IMED, Adriano José da Silva. Segundo ele, a população, de forma geral, ainda demora a perceber que a inflação está sob controle e a taxa de juros Selic [Sistema Especial de Liquidação e de Custódia] figura no patamar mais baixo da história. Esta taxa, de modo geral, não influencia só nos investimentos pessoais (já que é ali que os bancos se baseiam para cobrança dos juros), mas também servem para que o Banco Central ajuste seus índices para combater a o aumento generalizado dos preços - ou seja, a inflação. “A gasolina e gás de cozinha ainda estão com preços elevadíssimos, idem para a energia elétrica. O atual governo colocou a economia nos trilhos, mas o senso comum sabe que está pagando a conta de tanta roubalheira e se monstra incrédulo com a atual classe política”, completou.
Defendidos por quem?
“No caso brasileiro, quais seriam atualmente os nomes e os partidos que surgiriam como alternativas às "velhas" formas de se fazer política? Simplesmente estamos vivendo um vazio de boas lideranças”, reitera o professor Ginez. Ainda que as pesquisas eleitorais estejam oficialmente liberadas desde o primeiro dia de janeiro - após mudança da Reforma Política - já pipocam apontamentos sobre candidatos que concorreriam ao segundo turno, marcado para acontecer no dia 28 de outubro. O último levantamento do Ibope, por exemplo, em outubro do ano passado, mostra que o ex-presidente Lula lidera as intenções de voto, com possibilidade de disputar o segundo turno com o deputado federal Jair Bolsonaro (sem partido). “As candidaturas de Lula e de Bolsonaro refletem um dos lados mais nefastos da política brasileira e também latino americana: somos sociedades pouco politizadas e ainda cativas do populismo político messiânico, ou seja, estamos sempre dependentes de um "messias" ou "salvador da pátria" que nos conduza a uma espécie de "paraíso" onde reina a liberdade e a prosperidade econômica”, disse ele. Só que este populismo, como compreende Ginez, está sempre associado ao engano, a mentira e manipulação, tornando-se, no decorrer do caminho, uma falsa política.
Outros nomes - todos com menos de 10% das intenções de voto - também foram colocados na mesa, como Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB) e até mesmo o apresentador Luciano Huck (sem partido). “Estamos diante da possibilidade de termos, em 2018, as eleições com o maior número de votos brancos, nulos e abstenções desde o processo de redemocratização do país. Este será, no meu ponto de vista, uma tendência muito mais predominante do que a de renovação da classe política”, opinou. Para o professor Ginez não há, no cenário político atual, a mínima possibilidade do surgimento de uma alternativa nova, já que candidaturas tradicionais já estão sendo veiculadas pela mídia em geral. “Só uma ampla e profunda reforma política, com o estabelecimento de novos regramentos jurídicos ao sistema eleitoral e partidário do país, poderia ser capaz de resgatar novamente a credibilidade na política e nos partidos políticos no Brasil. Caso contrário continuaremos reproduzindo as "velhas práticas" e os "velhos vícios" da política tradicional brasileira. Em resumo, um sentimento de frustração com a política e com os partidos políticos será a tônica que caracterizará o processo eleitoral neste ano de 2018, sendo que as redes sociais irão potencializar este sentimento em grande parte da sociedade brasileira”, pontuou. Por outro lado, também há esperança de uma possível refundação da república a partir do próximo pleito. “Torço para que tenhamos um bom debate e que a agenda de reformas tão necessárias para o futuro do país seja amplamente debatida, e que o vencedor [das eleições] tenha a legitimidade do voto para realizá-las”, completou o professor Adriano.
Estamos preparados para ir às urnas?
A questão foi levantada pelo professor de história, Maurício Paim. Para ele, é este o primeiro ponto que deve ser observado para compreender o contexto eleitoral deste ano. “O resultado passa pela disponibilidade dos eleitores votarem em quem consideram o mais correto para a sociedade. Mas será que nós, com uma democracia tão recente, tão nova quando comparada com outros países, estamos politicamente alfabetizados para votar nesta ‘pessoa certa’?”, começou. Isso porque a eleição passa, também, pela expectativa do eleitorado, já que, como defende, o voto consciente é a única alternativa para melhorar qualquer panorama. “Não adianta ter ‘voto de protesto’ ou engordar o discurso da não confiança aos políticos. No fim, acabamos generalizando-os e isso não é saudável. Existem muitos políticos bons, em todas as esferas - desde o Congresso até a Câmara de Vereadores - que estão preocupados em fazer o que é correto. Então porque continuar votando em personagens absurdos como ‘protesto’, já que isso não nos leva a nada?”, questionou ele. Outro ponto criticado pelo professor é o voto por ideologia. “Parece que o Brasil resgatou esta rivalidade de esquerda e direita. O pior, no entanto, é que surgiram pessoas radicais e fundamentalistas de ambos os lados. Uma discussão eterna que igualmente não leva a parte alguma”, completou. Para o especialista, o panorama mundial é que um destaque crescente da extrema direita, como foi na eleição dos Estados Unidos, com Donald Trump, ou como os deputados conservadores da Alemanha. Áustria e França, por exemplo. “Há um crescimento, sim, de apoiadores da extrema direita que se dizem indignados com a extrema esquerda e vice-versa”, observou.
O segredo para votarmos melhor, segundo Paim, é aprendermos a votar no partido, e não no candidato. “A partir do momento que tivermos partidos realmente fortes, vamos votar no conjunto e não na pessoa já que, afinal, a figura política tem obrigação de defender as ideias do partido, exclusivamente. Aí sim teremos uma democracia enraizada. Mas isso passa por uma série de mudanças, como a reforma política”, explicou. Para o professor, o ideal é que seja extinta a possibilidade de troca de partido e a reeleição ininterrupta de parlamentares. “Quando isso acontecer, podemos dizer que somos democraticamente bem alfabetizados”, concluiu.
Voltamos a 1992?
O momento, como observa Paim, é muito semelhante ao vivido no início dos anos 1990, quando houve o afastamento do então presidente Fernando Collor. Na época, ele explica, havia muita agressividade implícita no debate político e uma dualidade que estampava a disputa entre direita e esquerda. Agora - mais de 20 anos depois - o ciclo se repete, mas com uma agressividade aparentemente maior. “A rivalidade neste momento está muito mais acirrada, principalmente por conta do impeachment da ex-presidente Dilma. A partir disso crescem críticas entre extremos de direita e esquerda, a busca pela figura do ‘salvador da pátria’, bem como era Collor em 1989. Como bem lembramos, Collor era cotado para ‘salvar’ o Brasil na época, e não foi isso que aconteceu. Certamente não é o que vai acontecer se uma figura semelhante assumir agora a presidência do país”, discorreu. No início de 2018, entende o professor, o cenário é de dualidades, sem novidades e, mais que isso, sem espaço para o aparecimento de novas figuras políticas. “Tivemos algumas mudanças, mas continua a mesma coisa de 20 anos atrás: o poderio econômico reina e os partidos com mais possibilidade de investimento conseguem melhores espaços na eleição”.