Entre a prisão e a corrida presidencial

Especialistas do Direito levantam possibilidades e divergências de interpretações no seguimento do processo criminal de Lula e sua candidatura à Presidência

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A condenação, na segunda instância, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), vem movimentando o país desde quarta-feira (24). A sentença respingou em diversas áreas. A candidatura de Lula à Presidência da República e o início da execução da pena estão entre os pontos que mais geram debate e divergência de interpretações no âmbito jurídico.


Longe de ser uma ciência exata, não é possível afirmar com certeza qual será o destino do ex-presidente. Finalizado o julgamento do colegiado, que recusou, por unanimidade, a apelação do ex-presidente, a defesa de Lula tem a seu favor, agora, em âmbito de TRF4, a possibilidade de solicitar embargos de declaração. O recurso serve para esclarecer algum ponto da decisão, mas não para rever o conteúdo da sentença. O prazo para protocolar o embargo é de dois dias após a intimação das partes, o que deve ocorrer na próxima semana.


Com três votos a zero, as possibilidades da defesa diminuíram significativamente, conforme a análise do advogado e professor de Direito da UPF Luiz Fernando Pereira Neto. Isso porque não existe a possibilidade de entrar com recurso para reavaliar a sentença. Recurso que seria possível por meio de um embargo infringente, que só pode ser protocolado quando um dos votos é diferente dos demais.


Os embargos de declaração são pedidos quando há alguma dúvida sobre a sentença. “É importante lembrar que os embargos de declaração cabem novos embargos de declaração. Com esse recurso, deve demorar em torno de 45 a 60 dias para que o processo saia do TRF4. Se não houver outros embargos”, enfatiza. Depois que o processo sai do TRF4, ele deve retornar para Curitiba, às mãos do juiz federal, Sérgio Moro. Neste momento, caberá recurso especial, destinado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ou ainda recurso extraordinário – analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).


A pena do ex-presidente passou para 12 anos e um mês em regime fechado. A decisão acolheu a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Na primeira instância, a condenação aplicada por Moro havia sido nove anos e meio pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.


Execução da pena
Quando o processo for tramitado para Curitiba, já existe a possibilidade de Lula ser preso. Isso porque há uma orientação do STF para que se execute a pena antecipada, após condenação na segunda instância (como no processo de Lula). O caso, porém, divide os juristas, já que o artigo 5º inciso LVII (57) da Constituição Federal prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A expressão ‘trânsito em julgado’ é usada no direito para se referir a processos em que não cabem mais recursos.


O advogado criminalista e professor de Direito da Imed, Gabriel Ferreira dos Santos, aponta que este é um dos pontos mais polêmicos. “Esta é a forma de pensar dos ministros que são relatores, em Brasília, do caso da Lava Jato que envolve o processo do Lula. Porém, existem outros ministros, que podem fazer parte da composição da turma criminal e eles podem não ter o mesmo posicionamento. O que a gente mais vai acompanhar a partir de agora diz respeito à prisão ou liberdade de Lula. Esse é o tema que talvez tenha talvez maior polêmica”, analisa.
Para Pereira Neto, a discussão é complexa porque se relativiza a presunção de inocência do indivíduo. “Eu entendo que é um direito público absoluto. Não concordo com a posição do Supremo. Acredito que a execução da pena só poderia se dar a partir do trânsito em julgado. A Constituição é clara neste aspecto”, defende o advogado. Essa orientação abre brecha, por exemplo, para que um sujeito julgado em segunda instância seja preso e depois, em outro recurso, seja julgado inocente. “É como se um sujeito pagasse uma conta que não foi liquidada”, simplifica Pereira Neto.


Porém, ao mesmo tempo, os processos demoram demais. “Uma decisão como essa acaba afetando todo o processo penal do Brasil inteiro. O sujeito que responde um processo solto em Passo Fundo, ele tem recurso de apelação, de um crime comum, como um furto, por exemplo, ele vai ter a possibilidade de execução antecipada também quando julgam a apelação dele no Tribunal de Justiça do Estado do RS. Porque passa a ser uma orientação jurisprudencial a nível nacional”, exemplifica Luiz Fernando Pereira Neto.


Orientação do STF
No fim de 2016, o Supremo Tribunal Federal julgou uma ação protocolada pelo Partido Nacional Ecológico (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O Habeas Corpus (HC) 126292 se referia ao réu Márcio Rodrigues Dantas, condenado por roubo, na segunda instância, no interior de São Paulo. As entidades pediam a concessão da medida cautelar para suspender a execução antecipada da pena de todos os acórdãos prolatados em segunda instância.


O PEN e a OAB entendiam que o mandado de prisão estava gerando grande controvérsia jurisprudencial acerca do princípio constitucional da presunção de inocência, porque, mesmo sem força vinculante, tribunais de todo o país “passaram a adotar idêntico posicionamento, produzindo uma série de decisões que, deliberadamente, ignoram o disposto no artigo 283 do CPP”.


O Supremo entendeu como possível a execução provisória da pena. A decisão, porém, não foi unânime no Plenário. Votaram favoráveis a execução antecipada da pena os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Os votos contrários foram dos ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello.


Ferreira dos Santos argumenta que esta foi uma decisão quase que 50 a 50. Para ele, do ponto de vista técnico, a decisão do HC foi equivocada. “Esta decisão está sendo cada vez mais revisada. Já se tem uma expectativa de que, se esse tema fosse para julgamento novamente, hoje o placar não seria mais o mesmo. Seria invertido, no sentido que, por força constitucional, temos que aguardar o esgotamento de todos os recursos cabíveis em um processo para então a pessoa possa ser recolhida à prisão”, pontua.


Candidatura
Logo após a sentença, na quarta-feira (24) o Partido dos Trabalhadores (PT) divulgou uma nota informando que Lula será candidato à Presidência da República. Porém, a caminhada do petista ao posto mais alto do executivo não depende somente das urnas. Antes disso, o ex-presidente precisa ter sua candidatura autorizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).


A Lei da Ficha Limpa é mais um dos obstáculos do ex-presidente. Conforme a Lei Complementar Nº 135, de 4 de junho de 2010, sancionada pelo próprio Lula, candidatos que tenham contra si condenação transitada em julgado não podem ser diplomados e tomarem posse do cargo. “O controverso é que as legislações preveem que para ser impedido de concorrer, o sujeito teria que ter o processo trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Justamente o que não se tem no caso do Lula. Ele pode conseguir uma medida liminar e com essa medida ele pode avançar no pleito eleitoral”, ressalva Gabriel Ferreira dos Santos.


O ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Gilson Dipp defendeu, em entrevista para a BBC Brasil, que a condenação de Lula não significa o fim de sua candidatura. "Por enquanto, não há nada em matéria eleitoral. Até que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) diga que Lula não é elegível, Lula continua elegível", poderou Dipp, ao portal.


Os especialistas pontuam que a defesa de Lula pode obter uma medida liminar. “É uma candidatura que tramitaria sub judice (em julgamento) e que, na sequência, se prevalecendo essas medidas liminares, ele obtendo êxito nas urnas e revertendo o status de condenado, Lula assumiria. Se confirmada a condenação dele, os votos das eleições conferidos a ele seriam contabilizados como votos nulos. Neste caso, o segundo mais votado assumiria como presidente”, explica Ferreira dos Santos.


Luiz Fernando Pereira Neto ressalta que – considerando as hipóteses de a candidatura de Lula passar pelo TSE – se eleito, se tem um imbróglio jurídico. “Se ele for eleito e ainda não houver o trânsito em julgado e, por ventura chegar a janeiro de 2019 nesta situação, o STF tem uma jurisprudência muito forte no sentido de não processar por crimes que não estão na constância do mandato. Talvez pela primeira vez na história do Brasil, tenhamos um presidente condenado sendo votado e, até mesmo eleito, condenado e governando nessas condições”, analisa Pereira Neto.


Gabriel Ferreira dos Santos concorda que há possibilidade de Lula concorrer nas eleições. O prazo máximo para realizar inscrição de candidatura é 15 de agosto. Depois deste período, o TSE analisa se o candidato pode avançar ou não. O prazo para trocar de candidato vai até 17 de setembro.

 

Habeas Corpus negados
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, negou na noite de quarta (24) dois pedidos de habeas corpus preventivo em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois pedidos foram apresentados por estudantes de Direito. Em um deles, foi pedida a concessão de liminar “até o esgotamento de todas as possibilidades de recursos da segunda instância”. O outro pedido diz que haveria “eminente ameaça de prisão injusta, sem trânsito em julgado, podendo gerar constrangimento irreversível e ilegal (…) sem qualquer prova cabal”. A argumentação apresentada pela ministra para os pedidos foi similar, tendo por base a justificativa de que "não é atribuição do STF decidir, neste momento, esta questão".

 

Sem passaporte
O juiz federal Ricardo Leite, da 10ª Vara Federal em Brasília, determinou na quinta (25) a apreensão do passaporte do ex-presidente, o que o impede de deixar o país. A medida foi solicitada pelo Ministério Público Federal (MPF) em virtude de uma viagem que o ex-presidente faria na sexta (26) à Etiópia para participar de um evento da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).


Em nota à imprensa, o Ministério da Justiça informou que, após ser comunicado sobre a decisão da Justiça pelo diretor-geral da PF, Fernando Segóvia, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, orientou que a intimação de Lula seja feita na casa dele “de modo a evitar constrangimentos”.
Em nota, o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, informou que o passaporte de Lula seria entregue à Polícia Federal na manhã de sexta (26), mas que tomaria “medidas cabíveis” para reverter a liminar. Ele se disse “estarrecido” com a decisão que proíbe o ex-presidente de deixar o país e ainda determina a apreensão de seu passaporte. Ainda de acordo com Cristiano Zanin, “Lula tem assegurado pela Constituição Federal o direito de ir e vir (CF, art. 5º, XV), o qual somente pode ser restringido na hipótese de decisão condenatória transitada em julgado, da qual não caiba qualquer recurso, o que não existe, e acreditamos que não existirá porque ele não praticou qualquer crime”.

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