O juiz da 1ª Vara da Justiça Federal de Passo Fundo Rafael Trevisan, indeferiu a liminar solicitada por quatro vereadores (Gabriel Toson, Mateus Wesp, Ronaldo Rosa e Renato Tiecher), em uma ação civil pública, para que fosse proibido o ato com o ex-presidente Lula, na sede da Universidade da Fronteira Sul. A ação deu entrada ontem, no fim da tarde. No seu despacho, o juiz diz que “Proibir a realização de uma visita, de um ex-presidente da república, notoriamente um líder político de expressão (o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva), a uma instituição de ensino como a Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS, ou proibir que referido visitante use da palavra, como chegam a pleitear os autores, seriam medidas aparentemente contrárias aos fundamentais valores constitucionais e democráticos.” Leia a íntegra da decisão
É o breve relato. Decido.
Inicialmente, aceito a competência para o processar e julgar esta ação, uma vez que a Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS, autarquia, é parte ré (CF, art. 109, I), e este foro de Passo Fundo é o domicílio dos autores (art. 7º da Lei nº 4.717/65 c/c art. 109, I e §2º, da Constituição Federal).
Deve ser indeferida a liminar
Em primeiro lugar, importante observar que o Brasil é um Estado Democrático de Direito no qual são garantias de todos, por exemplo, a livre manifestação de pensamento, o direito de reunião e livre associação (art. 5º, incisos IV, XVI e XVII, da Constituição Federal). Proibir a realização de uma visita, de um ex-presidente da república, notoriamente um líder político de expressão (o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva), a uma instituição de ensino como a Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS, ou proibir que referido visitante use da palavra, como chegam a pleitear os autores, seriam medidas aparentemente contrárias a estes fundamentais valores constitucionais e democráticos, antes referidos. Em segundo lugar, neste caso e neste momento, com base no que consta dos autos, não verifica este Juízo plausibilidade na alegação dos autores de que a mencionada visita violaria o princípio da legalidade, ou o princípio da moralidade, norteadores da Administração Pública (art. 37 da Constituição Federal). A realização de uma visita como esta, nas instalações da instituição pública de ensino, não afronta, aparentemente, os referidos princípios constitucionais, apenas por contar com a presença do referido líder político, no contexto atual. As instituições superiores de ensino, no Brasil, gozam de autonomia didáticocientífica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial (art. 207 da Constituição Federal), devendo ser, em tese, admitida, no seu interior, e nas suas atividades, pluralidade de opiniões, ideologias, e até mesmo simpatias partidárias diversas. Admite-se, assim, que eventos das mais diversas conotações filosóficas, políticas, científicas, etc, ocorram em instalações e espaços físicos das instituições de ensino, que são públicos. É fato notório que o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, realizou recentemente visita aos municípios de Bagé e Santa Maria, no Rio Grande do Sul, com ocorrência de conflitos e até mesmo tumultos em razão de manifestações populares apoiadoras ao Sr. Ex-presidente, assim como contrárias a sua visitação (nesse sentido documentos do E1, OUT10 e OUT25). Ocorre que não cabe a este Poder Judiciário, e especificamente a este Juízo Federal, nesta ação popular, interferir na dinâmica envolvida na livre manifestação das mais diferentes vertentes de pensamento. De igual modo, não cabe a este Juízo dispor sobre as medidas de segurança pública recomendáveis ou necessárias em eventos assim, pois existem órgãos específicos da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, encarregados de prover e organizar a segurança, bem como preservar a integridade física dos diferentes participantes, sejam eles apoiadores do visitante, sejam eles seus opositores. A vida em democracia exige liberdade, e esta tem, realmente, potencial para gerar um certo grau de conflito. Para que se preserve, porém, a democracia, deve haver, no convívio social, um certo grau de tolerância, não sendo a prática de proibição de reunião, proibição de comparecimento a lugares, ou proibição do uso da palavra, por esta ou aquela pessoa, quer pelo Poder Judiciário, quer por outros setores do Estado, soluções razoáveis e viáveis para que sejam preservados, de fato, estes fundamentais valores democráticos. No que se refere à alegação de desvio de finalidade que estaria sendo praticado pelo Sr. Reitor da UFFS, ao permitir a realização do evento nas instalações da Universidade, verifica este Juízo que não está suficientemente demonstrada, de plano, a efetiva prática de tal ilegalidade. O convite formulado pelo reitor, dirigido aos vereadores de Passo Fundo, documento citado pelos autores desta ação popular (E1, OUT4), é claro no sentido de: (a) afirmar que haverá uma visita de um ex-presidente da república; (b) mencionar que durante seu mandato ocorreu a criação da instituição de ensino; e (c) convidar o Poder Legislativo Municipal para tal visita, expressamente referindo "como em todas as atividades realizadas na UFFS no Campus Passo Fundo, as instituições parceiras tem efetiva participação". O fato de a visita estar inserida em uma programação maior denominada "Caravana do Lula" ou de "Caravana pelo Brasil" não significa seja a visita ao Campus da UFFS, em si considerada, algo contrário ao direito ou aos valores constitucionais.
O fato de o Sr. Jaime Giolo, Reitor da UFFS, ser filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), o mesmo partido do ex-presidente da república que fará a visita (E1, OUT16), também não é, por si só, motivo para entender que esteja havendo, no episódio em questão, desvio de finalidade ou utilização de espaço público para fins partidários ou eleitorais. A filiação partidária de um professor ou dirigente de entidade pública é um fato que deve ser encarado com naturalidade, seja qual for o partido, num ambiente democrático e de liberdades políticas, como se pretende no Brasil. Eventual conduta imprópria ou ilícita, por parte de servidor público, filiado a partido, neste caso, não pode ser presumida ou prevista, deve ser apurada diante de fatos concretos e com a observância das formalidades e garantias constitucionais e legais. Consigno que esta ação popular foi ajuizada por cidadãos que também têm filiação partidária, menos de 48 horas antes da visita à UFFS, não havendo tempo hábil para contraditório, por exemplo. Alegam os autores que a legislação eleitoral veda a prática de propaganda eleitoral, pelos candidatos, antes do período estabelecido em calendário eleitoral. Não há dúvida disso. Ocorre que não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, nem pode existir, norma que proíba as lideranças políticas e sociais, locais, regionais ou nacionais, de articularem-se para uma participação nas futuras eleições, e até mesmo manifestarem-se, publicamente, sobre as possibilidades vislumbradas, possíveis candidaturas, etc, exercitando o direito de livre expressão que deve caracterizar a normalidade, em uma democracia. Sustentam os autores desta ação popular, por fim, que o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva é "um dos maiores envolvidos em todo esse caos de corrupção que assola o país é, sem sombra de dúvidas – tanto que já foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em 1° e 2° instância" (E1, INIC1, p. 4). Tem sido amplamente noticiado o trâmite das ações penais em curso, nas quais é réu o ex-presidente. Há, inclusive, e isso também tem sido amplamente noticiado, especulação a respeito da possibilidade de haver, ou não, até mesmo a prisão deste réu. O que importa para a apreciação do pedido de liminar, nesta ação popular, porém, é consignar que não tendo havido qualquer restrição ao direito de ir e vir de tal pessoa, pelos juízos criminais competentes, inexiste qualquer fundamento minimamente razoável para que, neste juízo federal cível, em ação popular, alguma medida seja adotada, restritiva à liberdade de manifestação de tal cidadão e líder político. Diante de todo o exposto, e em síntese, embora evidente a urgência na apreciação do pedido formulado nesta ação popular - esta ação foi distribuída a esta Justiça Federal menos de 48 horas antes da visita que visa a impedir (a distribuição ocorreu em 21.03.2018, às 16h38min, e a visita está programada para as 13hs do dia 23.03.2018) - inexiste plausibilidade ou relevância de fundamentos que justifiquem seja cogitada alguma interferência deste Juízo Federal na programação envolvida na anunciada visita do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva ao campus da UFFS.
Isso posto, INDEFIRO A LIMINAR e determino: a) intime-se, com urgência, e pessoalmente, a parte ré, para que fique ciente desta decisão; b) Intime-se eletronicamente a parte autora para, num prazo de 15 (quinze) dias, regularizar sua representação processual, trazendo aos autos instrumento de mandato outorgado ao seu advogado; c) Após regularizada a representação, cite-se eletronicamente a parte ré para apresentar resposta, conforme previsão do art. 7º, IV, da Lei 4.717/65. d) Sem prejuízo das determinações anteriores, abra-se imediatamente vista, no processo eletrônico, ao Ministério Público Federal (art. 7º, I, "a", c/c art. 6º, §4º, da Lei n. 4.717/65). Cumpra-se. Intimem-se.