Opiniões divididas

Possível concessão de habeas corpus para ex-presidente Lula, após condenação em segunda instância, divide opinião de juristas. Entenda o motivo

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O que motiva tanta discussão em torno do julgamento do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Além do óbvio as denúncias e duas condenações por corrupção envolvendo um triplex no Guarujá e demais manifestações políticas que ou reprimem ou anseiam pelo retorno de Lula ao cargo que ocupou por oito anos no Palácio do Planalto  o processo também se encaixa como a consolidação de uma polêmica já antiga ao Supremo Tribunal Federal. Nesta quarta-feira, 4 de abril, o futuro do ex-presidente está nas mãos de uma corte dividida: de um lado, um grupo de ministros defende o habeas corpus de Lula, enquanto outro exige a prisão do petista por já ter sido condenado em segunda instância.

 

Esta discussão, no entanto, pode ser compreendida se olharmos para outro contexto. Em 2010, Dilma Rousseff era escolhida a nova presidente do país e a Lei da Ficha Limpa acabava de sair do papel após uma série de escândalos envolvendo o já conhecido Mensalão, uma trama que beneficiava congressistas brasileiros, que veio a público em 2008. Até então, o STF era favorável a possibilidade de serem concedidas prisões em segunda instância. Depois de 2010, no entanto, a corte adotou uma visão diferente: o entendimento era de que a Constituição deveria ser alterada e as prisões, quando levadas para decisão do STF, só seriam concedidas após movimento conhecido como trânsito em julgado - a decisão final, sem possibilidade de recursos. Em resumo, além do réu já ter sido condenado em segundo grau, a decisão só poderia vir após o vencimento de todos os recursos possíveis. “Um dos principais motivos para o STF agir desta maneira foi o volume de habeas corpus revertidos na época: em torno de 30%. Isso fez com que se reconhecesse uma ilegalidade no STF, e se libertasse pessoas que ainda estavam discutindo o processo judicial”, lembrou o doutor em Direito Público e professor de Direito Constitucional do Instituto Meridional (IMED), Fausto Morais.

 

As decisões seguiram desta forma até 2016, quando o STF decidiu por uma nova modificação: novamente, o Supremo entende que é possível prender uma pessoas a partir da condenação em segundo grau - mesmo que esta decisão ainda gere controvérsias entre os magistrados. “A apreciação de matérias, por força da pressão da Lei de Ficha Limpa, mudou o entendimento, que ainda não está 100% consolidado. Alguns ministros decidiram a favor, outros contra. Então, sim, ainda existe uma controvérsia sobre o assunto”, resumiu Morais.

 

Então o que esperar deste julgamento?
Em primeira análise, pode-se considerar que, sim, o STF pode decidir pela prisão imediata do ex-presidente Lula por já ter sido condenado em segundo grau, já que é isso que a corte vem decidindo desde 2016. Tudo até poderia ser relativamente simples, se não envolvesse uma das figuras políticas mais relevantes do Brasil. Na visão da Mestre em Direito Processual Civil e professora na Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF), Edimara Sachet Risso, o julgamento do habeas corpus chega acompanhado de uma grande insegurança. “São vários motivos, mas aqui enumero especialmente dois: a mudança da posição final sobre o tema, já que o STF está no ápice da hierarquia jurisdicional no Brasil, ou seja, o que ele disser, está dito; e a composição do STF: quem decidirá, pode não ter apenas influências jurídicas, mas também políticas, ou seja, atender a interesses de determinados grupos políticos”, disse. “Ao meu ver, a Justiça criminal brasileira não pode se pautar nem por uma visão jurisprudencial de um punitivismo populista, nem tampouco por um viés garantista seletivo. Ou seja, a interpretação deve ser a mesma para todos, independente da posição social ou política do acusado uma vez que as garantias individuais são conquistas da própria cidadania”, completou o também professor da UPF e especialista em Ciências Criminais, Luiz Fernando Pereira Neto. Além deles, outros juristas deram suas visões sobre o caso. Acompanhe:

 

“Analisando pelos ministros envolvidos e o que já foi visto em outros julgamentos, na minha opinião e neste caso específico, há uma grande chance de o STF permitir a prisão em segundo grau e não deferir pelo habeas corpus. Não vejo isso como um marco para a Justiça brasileira. O processo do ex-presidente Lula é, em si, controverso. Somente os advogados que atuam no caso conseguem falar com propriedade sobre as provas, por exemplo. Mas falando de um ponto de vista geral, para a área do Direito, este movimento passa a ser a marca da demonstração que o Poder Judiciário assumiu em condições de efetivamente processar, julgar, condenar e fazer com que grandes políticos associados a esquemas de corrupção façam cumprir pena no Brasil. Até o mensalão, nunca tivemos uma atuação tão forte do Judiciário”.

 

“A posição adotada em 2016 - apesar de criticada por alguns juristas mais tradicionais - teve excelente aceitação tanto na comunidade jurídica quanto na sociedade, pois tornou efetiva a consequência em um processo crime. Afinal, o texto constitucional não é hermeticamente fechado, devendo adaptar-se à realidade social. E qual era essa realidade? Ineficácia das penas, tendo em vista que, apesar de já terem sido condenados em segunda instância, os poucos que conseguiam chegar ao STF (porque dispunham de muito dinheiro para sustentar o processo até lá) - dentre eles, e principalmente, os políticos - ficavam impunes, até mesmo por conta de uma prescrição. Eu sou otimista com relação ao futuro não só da Justiça mas de todas as instituições públicas do país. A penalização de políticos tem sido uma realidade.  E a Justiça tem se mostrado bastante eficaz e firme no propósito de cumprir com sua missão de processar e julgar pessoas e fatos de forma isenta. Creio que o momento seja de consolidação da democracia brasileira, que implica a fiscalização e a punição dos recursos e bens públicos, como sendo efetivamente de todos”.

 

“O processo penal e suas decisões são o termômetro do estado da democracia de uma Nação: se a mentalidade jurisprudencial se consolida como autoritária, a maturidade democrática significa estar cada vez mais distante. O que temos que discutir é o tempo que um processo penal demora para trilhar todo o seu caminho, o que também configura em violação a direito individual sobre a garantia de ter-se um julgamento em prazo razoável. Punir é preciso, mas para que se faça de forma legítima, não se pode atropelar direitos. Vejo com preocupação posições jurisprudenciais que julgam conforme suas consciências, em especial quando provêm do Tribunal que deve ser o guardião da Constituição Federal. O ideal é que o julgamento seja apenas conforme o texto maior [a Constituição] ou, tomando como espelho os vários tratados internacionais que o país é signatário. Pensamento diferente seria possível apenas se alterarmos nossa Carta Magna e nos retirarmos dos principais pactos de direitos humanos que assumimos cumprir. Mas pior ainda é ver decisões de tribunais desta envergadura, que dizem se amoldar a vontade popular, algo difícil inclusive de mensurar. Me preocupa qualquer forma de ativismo judicial quando se trata de relativizações desta ordem, até por que, o resultado geral é a grande insegurança jurídica”.

 

“Não vejo que esta discussão vai gerar uma nova jurisprudência com força vinculante, mas sim um entendimento não pacificado, pois os juízes continuarão a decidir de acordo com suas convicções. De concreto posso dizer que, infelizmente, teremos um decisão política e baseada na repercussão causada. A votação será apertada, com resultado imprevisível. Existe até mesmo a possibilidade do julgamento ser interrompido com pedido de vistas. Como advogado, desejo que a ordem jurídica e a Constituição sejam observadas e seja retomada a posição anterior no sentido de que a pena somente seja executada após o esgotamento de todos os recursos, com sentença de trânsito em julgado”.


Entenda
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julga hoje o pedido de habeas corpus preventivo com o qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer evitar sua prisão após condenação pela segunda instância da Justiça Federal no caso do tríplex do Guarujá (SP). Os 11 ministros que compõem a Corte devem entrar no mérito do pedido de liberdade de Lula, que não foi abordado no julgamento iniciado em 22 de março, quando o ex-presidente ainda tinha um recurso pendente de julgamento no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), com sede em Porto Alegre.
As expectativas estarão voltadas para a ministra Rosa Weber, que é contra a execução provisória de pena, mas que por outro lado tem respeitado o entendimento que prevalece até o momento no STF, de permitir a prisão de condenados mesmo que ainda caibam recursos a instâncias superiores. É o seu voto que pode decidir o impasse: no momento, cinco ministros defendem e aplicam monocraticamente a tese de que condenados em segunda instância só devem começar a cumprir pena após o trânsito em julgado, quando se encerram todos os recursos possíveis. São eles Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes e o decano, Celso de Mello. Os outros cinco ministros – Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Alexandre de Morais e Luiz Fux – têm até agora se posicionado a favor de que o condenado possa ser preso quando se esgotam as apelações em segunda instância. A expectativa é de que mantenham a posição e votem contra o habeas corpus preventivo de Lula.

Possível desfecho à vista
Além de toda onda de discussões, também existe uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ACD) que busca uma decisão final para o caso. Essa ação, em resumo, serve para definir que, para fazer parte do quórum do processo penal, só é constitucional se admitir a prisão apenas em trânsito em julgado, e não em segundo grau”, explicou o professor Fausto Morais. Como hoje há divisão de opiniões nessa temática, cada caso é apreciado de forma diferente: a ADC viria para uniformizar o posicionamento do STF. “Vemos que o entendimento de 2016, que prevê a prisão em segundo grau, vai se consolidar”, concluiu. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil também apresentou uma proposta sobre o tema. “Se tivesse optado por essa via, não estaríamos tratando da possibilidade ou não de violação da presunção constitucional do estado de inocência em relação a determinado réu, e sim sobre toda a coletividade de condenados provisórios no país. Infelizmente não foi este o caminho adotado pela Suprema Corte”, terminou o professor Luiz Fernando.

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