Brasil vive estado de exceção, diz cientista político

O doutor em Ciência Política pela USP, Aldo Fornazieri, critica condutas do Supremo Tribunal Federal e afirma que não há segurança jurídica no país

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Aldo Fornazieri participou de evento na UPFAldo Fornazieri participou de evento na UPF
Aldo Fornazieri participou de evento na UPF
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Crítico ferrenho das decisões do Judiciário em processos que envolvem políticos brasileiros, o doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), Aldo Fornazieri acredita que o Brasil vive um estado de Exceção. Para ele, as razões vão desde o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff até a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva antes do trânsito em julgado. Fornazieri, que é professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), esteve em Passo Fundo neste mês para debater o processo democrático brasileiro. Ele foi convidado para a aula pública “Democracia na encruzilhada: neoliberalismo e estado de exceção”, realizada na Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo (UPF), no dia 20 de abril.


Em virtude da rápida passagem por Passo Fundo, Aldo Fornazieri concedeu entrevista por e-mail ao Jornal O Nacional. Além da questão democrática abordada no evento da UPF, o professor trabalha com temas que envolvem o lulismo, crise de representação, análise da conjuntura política, entre outros. O especialista comentou os últimos acontecimentos que envolvem o ex-presidente Lula – julgamento do habeas no STF e a prisão – e as possibilidades do Partido dos Trabalhadores a partir de agora. Ainda falou sobre o sistema judiciário e a corrupção no país.

 

O Nacional: O ex-presidente Lula foi preso depois de mais de 24 horas na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, cercado por manifestantes. Na sua interpretação, o que essa prisão e todo o movimento dos apoiadores – de tentar impedir que Lula se apresentasse à PF – representa para o Brasil e para o processo democrático do país?


Aldo Fornazieri: Em primeiro lugar é preciso assinalar que Lula nunca cogitou não se entregar. Mas ao permanecer por mais de 24 horas no Sindicado dos Metalúrgicos do ABC ele quis manifestar a contrariedade e a inconformidade com o caráter político da sua prisão. Afinal de contas, ele nunca foi dono do tríplex, o apartamento não é de nenhum familiar seu e ele nunca usufruiu do apartamento. Então, de fato, a condenação e a prisão são políticas e visam unicamente afastar o ex-presidente das eleições presidenciais. Quanto ao apoio que ele teve dos militantes é um fato normal, justamente porque há um sentimento de que Lula está sendo injustiçado, vítima da perseguição implacável do juiz Sérgio Moro e de outros setores do Judiciário.


O Nacional: Quais são os caminhos ou possibilidades que o PT tem nesse momento, diante da prisão de Lula?


Aldo Fornazieri: Penso que o PT deve seguir até o fim com a candidatura Lula, pois a Justiça precisa pagar o preço de tirar das eleições o líder das pesquisas. Uma eleição sem Lula não pacificará politicamente o país no próximo período, pois as eleições se revestirão de um grau de ilegitimidade. Mas o PT deveria indicar imediatamente um candidato a vice na chapa de Lula para que os espaços políticos e eleitorais sejam ocupados já que o candidato está preso. O candidato a vice deveria assumir a interlocução com a sociedade e, se a Justiça Eleitoral terminar vetando a candidatura de Lula, esse vice assumiria a titularidade da candidatura. Do meu ponto de vista, o melhor nome para assumir essa tarefa é o do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Além de seu preparo e qualificações, ele sinalizaria uma renovação.


O Nacional: Estamos em um Estado de exceção? Por quê?


Aldo Fornazieri: Estamos vivendo sob vários aspectos de Estado de exceção. Em primeiro lugar porque ocorreu um impeachment sem crime de responsabilidade, o que caracteriza que o afastamento de Dilma Rousseff da presidência da República foi um golpe. Em segundo lugar, a Vara da Justiça Federal onde atua Sérgio Moro age como um tribunal de exceção. Na sentença contra Lula, o próprio Moro reconhece que o caso do tríplex não tem relação com a corrupção da Petrobrás. Se é assim, Sérgio Moro não tem a competência judicial para julgar Lula. Ele não é o juiz natural do caso. Este caso deveria ser julgado por um juiz de São Paulo, onde reside Lula e onde se localiza o tríplex. O próprio TRF4, ao julgar um pedido de juristas contra Moro, sentenciou a validade de medidas de exceção. Por fim, o Supremo Tribunal Federal (STF) vem violando a Constituição várias vezes, a exemplo, entre outros casos, na decretação da prisão sem trânsito em julgado. Quando a normalidade constitucional e legal é violada, vive-se um Estado de exceção. É isto que está ocorrendo no Brasil.


O Nacional: Existe uma possibilidade de não haver eleições neste ano? O senhor acredita nisso?


Aldo Fornazieri: Penso que as eleições vão ocorrer. Se isto não acontecer será a desmoralização final do Brasil no mundo. Tanto os investimentos internacionais quanto internos cairiam drasticamente. O Brasil mergulharia numa crise política, econômica e social muito mais grave desta que se vive. Poderíamos caminhar para uma situação de convulsão social. Não há condições de Temer continuar governando o Brasil. Afinal o governo dele já não funciona e ele é um cadáver político, acusado de ser chefe de quadrilha. Assim, para que o país volte a funcionar minimamente, é preciso que haja um presidente eleito legitimamente.


O Nacional: Recentemente, o senhor vem falando sobre o posicionamento político dos órgãos do judiciário. Quais sãos as ocasiões em que começa a se perceber esse posicionamento ideológico dos agentes envolvidos?


Aldo Fornazieri: Os exemplos do envolvimento político-partidário de setores do Judiciário são vários. A começar por Sérgio Moro, amigo de Aécio Neves, de João Dória e de tantos outros tucanos. Fotos e eventos provam esta ligação de Moro com o PSDB. Ele não tem isenção política para estar na Lava Jato. O próprio ministro Gilmar Mendes vem sendo uma espécie de assessor de Michel Temer. Vários juízes, pelo Brasil afora, vem se manifestando contra o PT e em favor de Bolsonaro. Vários setores do Judiciário estão partidarizados e isto é um grande mal para o Brasil porque a Justiça não é imparcial. A própria Carmen Lúcia, presidente do STF, desmoralizou o Tribunal para salvar o mandato de Aécio Neves e rasgou a Constituição para ver Lula na cadeia.


O Nacional: Sobre o julgamento do Habeas Corpus do Lula pelo STF e o debate em torno do trânsito em julgado, de que ninguém poderia ser preso até que se acabe os recursos. Como tu analisa esse julgamento do STF?


Aldo Fornazieri: Neste caso, o STF, de forma criminosa, está violando a Constituição. O STF deveria ser o guardião da Constituição e não o seu violador. Nenhum Tribunal Constitucional de qualquer país democrático do mundo pode adotar medidas contrárias ao espírito e à letra da Constituição. O artigo quinto da Constituição, inciso 57, é claro em garantir a liberdade até o trânsito em julgado. O STF não tem a prerrogativa legal para mudar esse comando constitucional. Isto só pode ser feito por um poder Constituinte – algo que o STF não é.


O Nacional: Quais as consequências desse posicionamento do judiciário, na figura do Supremo, para a democracia brasileira?


Aldo Fornazieri: Existem duas consequências gravíssimas. Primeira: a instauração de um Estado de exceção de que falamos acima. A normalidade constitucional do país vem sendo violada pelo próprio tribunal constitucional. Um verdadeiro absurdo. Segunda: O STF implantou uma anarquia constitucional e institucional no país. Não existe segurança jurídica e a autoridade está desmoralizada. O STF perdeu o respeito e a autoridade. Vivemos sob a égide do arbítrio judicial, onde os juízes pronunciam sentenças a partir de suas vontades arbitrárias e não segundo os ditames das leis e da Constituição.


O Nacional: Falando sobre corrupção. Qual é a relação do Brasil com a corrupção, historicamente?


Aldo Fornazieri: O Brasil sempre foi corrupto. Foi fundado por corruptos. A própria sociedade é corrupta e isto se manifesta de várias formas. Assim, a corrupção no Brasil é endêmica, estrutural. Trata-se de um grande mal. Mas não é o único e nem o maior. A corrupção desvia dos cofres públicos, anualmente, cerca de oitenta bilhões de dólares enquanto que a sonegação desvia cerca de quatrocentos bilhões anualmente. Isto se traduz em falta de saúde, falta de educação, falta de segurança pública e falta de direitos. Trata-se de uma verdadeira tragédia.


O Nacional: Quais os possíveis caminhos para a redução da corrupção no país?


Aldo Fornazieri: Trata-se de várias medidas. Antes de tudo, leis rígidas e que garantam a punição de corruptores e corruptos. Os corruptores, aqueles que mais se beneficiam da corrupção, são os grandes empresários e eles não estão sendo devidamente punidos pela Lava Jato. O instituto da delação premiada, tal como ele vem sendo usado pela Lava Jato, é uma verdadeira mãe para os grandes corruptores. Depois, é preciso construir uma cultura cívica anticorrupção na sociedade, pois a própria sociedade é corrupta. É preciso criar um valor anticorrupção na sociedade. Em terceiro lugar, o próprio sistema educacional precisa assumir a tarefa de uma educação moral e ética das crianças e jovens tornando a corrupção um antivalor. Em quarto lugar, é preciso reduzir a desigualdade e a injustiça na sociedade, garantindo educação e cultura. Uma sociedade educada e culta reduz os níveis de corrupção.

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