Judicialização da política, crise econômica, propagação de notícias falsas na Internet, e a ferida ainda aberta dos escândalos de corrupção. Neste contexto tumultuado e denso do país, sobressaem, no cenário eleitoral, a polarização e pulverização de candidatos. A menos de três meses para o primeiro turno das eleições gerais de 2018, as candidaturas das siglas começam a ser oficializadas. Até o momento, cinco nomes que vão concorrer à Presidência da República já foram divulgados.
Se de um lado os partidos se organizam pela disputa de poder, por outro, os eleitores se mostram apáticos e desacreditados da política. As estatísticas comprovam o que se observam em rodas de conversas. Uma pesquisa recente do Instituto Datafolha, apontou que sete em cada dez pessoas declaram não ter confiança em partidos políticos. Mais de 60% dos entrevistados também afirmaram não acreditar no Congresso Nacional e na Presidência da República. Aliado a isso, as pesquisas com intenções de votos revelam números altos de brancos/nulos e indecisos, nos mais diversos cenários – com ou sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em pesquisa encomendada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), a intenção de votos nulos e brancos, na categoria espontânea – quando a pergunta da entrevista é aberta –, foi de 21,4%. Os indecisos somaram 39,6%. Atrás deles, Lula foi o candidato mais citado, com 18,6% de intenção de votos. Os resultados apontaram, além de uma descrença com a política, o pouco crédito atribuído, pelos brasileiros, ao poder judiciário.
Esse desinteresse é atribuído, sobretudo, aos jovens, conforme análise do historiador e jornalista Maurício Paim. Esta conjuntura foi pauta de uma debate interdisciplinar, promovido pelo Estúdio 4 da UPFTV e cedido em parceria ao jornal O Nacional, cujos profissionais de três áreas distintas abordaram precedentes históricos desta conjuntura, os impactos jurídicos e previsões econômicas. Além de Paim, participaram o advogado e professor de Direito, Alcindo Roque e a professora e doutora em Economia, Cleide Moretto.
O historiador traça um paralelo das eleições deste ano com as de 1989, quando também havia um grande número de candidatos concorrendo. Entre as semelhanças, relembra da polarização entre direita e esquerda. “São dois extremos e um grupo de pessoas, a sociedade no meio, sem saber para onde vai. Se há uma extrema esquerda, como já sendo resgatado um discurso de 1989 ou se há uma extrema direita que se mantém desde o tempo da ditadura militar. Nós estamos nesse meio”, pontua.
As principais diferenças, porém, dizem respeito ao interesse dos jovens pela política e as ferramentas pelas quais as propostas eram consumidas. Conforme Paim, àquela época, o único meio de acompanhar a política era pelo horário de propaganda gratuito na televisão. Além disso, os jovens pareciam engajados e ativos no processo eleitoral. “E a juventude de hoje? Será que ela está tão interessada assim também na política a ponto de fazer a diferença como se fez em 89? Isso é angustiante. A televisão que era o meio, hoje não é mais. Hoje temos a internet e ela vai ser muito utilizada. Me preocupa os fakes”, salienta.
Para Alcindo Roque, há dois fatores que permeiam esse processo de acompanhar e escolher os candidatos: a imagem e a análise de conteúdo. “Esse conteúdo o eleitor está desacreditado e não está ouvindo propostas. Segundo informações de dados de pesquisas, há um índice elevadíssimo de votos nulos e brancos e até mesmo de abstenção. Isso não é bom. Isso leva a uma perda de legitimidade, mas também para a manutenção de quadros que nós também reprovamos”, garante.
Judicialização
Além da descrença, a judicialização da vida vem contornando o ano eleitoral. Conforme o advogado, esse nível tão elevado não tem precedentes no país. “Alguns dizem que nós estamos criminalizando a política e judicializando a política. É importante deixar claro que o judiciário nunca vai agir de modo espontâneo. Ele é provocado por isso e é nesse quadro de conflitos e enfrentamentos que aquilo que não foi resolvido nas relações de poder, nas disputas políticas, que todos buscam o judiciário”.
Roque traz como exemplo o caso do ex-presidente Lula. “A candidatura do presidente Lula, e não diz respeito se você concorda ou não com a condenação do presidente Lula, se você acha que é justa ou não a condenação, mas existe uma regra jurídica que é a lei da ficha limpa. Todo aquele que tiver condenação em segunda instância, ela já está inabilitada, impossibilitada de concorrer ao cargo público. Há um enfretamento não só do judiciário, mas da legislação”, analisa.
Essas circunstâncias jurídicas deverão acompanhar todo o processo eleitoral. “Eu creio que o judiciário, que já se manifestou, não de forma específica porque alguns ministros do STF e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral já manifestou que somente pode concorrer quem tem condições de concorrer. Isso vai desencadear uma pulverização até mesmo de ações do país a cerca disso. Recentemente o Supremo Tribunal Justiça recebeu mais de 130 habeas corpus padrões para poder colocar em liberdade o ex-presidente Lula. Não estamos discutindo se é certo ou errado, mas essa estratégia de inviabilizar o poder judiciário, e de certo modo afrontar, é perigoso para as instituições”, complementa.
Economia em espera
A economia do país, que não apresenta sinais de melhora, ainda sofre com a crise das instituições, de acordo com Cleide Moretto. “Nós, nos últimos anos, ainda tivemos o azar de um problema grave político em uma situação de crise econômica internacional. No momento em que nós precisamos ter condições efetivas em termos de taxas de juros, de créditos, de uma série de questões, se instala uma situação de insegurança total. Nós ainda estamos nesse período. Nós não descolamos e com a entrada do Temer, nesse governo provisório. Havia uma expectativa de retomada e que não se configurou”, explica.
Segundo a professora, não deve haver grandes transformações na economia durante o período eleitoral. “O período eleitoral vai ser de espera. Se tivermos que apostar em uma retomada efetiva da economia, vai ser a partir do próximo ano quando tivermos um governo instalado, e com uma proposta de governo. O que preocupa é que vale muito mais a imagem do marketing do candidato do que uma proposta efetiva de condução do país com estratégias de longo prazo. Nós carecemos há anos de um modelo de desenvolvimento, de estratégias, de retomada do setor que mais agrega valor que é a indústria, porque nós desindustrializamos nesse período e estamos reféns dessa crise”, enfatiza Cleide.