"Estado não deve ser empresário"

Entrevista com o candidato Mateus Bandeira

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Mateus Bandeira é candidato ao governo do Estado pelo NovoMateus Bandeira é candidato ao governo do Estado pelo Novo
Mateus Bandeira é candidato ao governo do Estado pelo Novo
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Mateus Bandeira (Novo) é o único entre os principais candidatos ao governo gaúcho que nunca participou de uma eleição. Apesar disso, conhece o setor público por dentro: foi servidor de carreira do Estado e chegou, no governo Yeda Crusius, a secretário de Planejamento e presidente do Banrisul. Na campanha, defende um programa de inspiração liberal, com uma política rigorosa de controle de despesas que inclui privatizações – inclusive do Banrisul – e até congelamento de salários de servidores, sem sequer a reposição inflacionária, além de revisão das isenções fiscais a empresas. Embora aprove o acordo de recuperação fiscal com a União, diz que é preciso negociar a cláusula que diz respeito à proibição de novas contratações para repor os efetivos da segurança. Na entrevista a seguir, também defendeu a extinção da EGR e a sua substituição por concessões.

 

Gazeta - Para o senhor, qual deve ser a pauta prioritária do futuro governador?
Bandeira - O que precisa ser atacado de imediato é o tema das finanças e da segurança pública. O Estado está com as finanças em absoluto descontrole, uma bagunça fruto de descaso e irresponsabilidade nos últimos anos. Tivemos despesas muito mais elevadas do que as receitas, o Estado não consegue pagar os seus servidores, que é o compromisso mais básico, e perdeu o controle do combate à criminalidade. Hoje, a capital do nosso Estado está entre as 50 cidades mais violentas do mundo. Então, é preciso restabelecer a ordem e criar um ambiente de negócios que favoreça a capacidade do Rio Grande do Sul de atrair investimentos.

 

Gazeta - O senhor vê possibilidade de regularizar os salários dos servidores?
Bandeira - É claro que os servidores sofrem com o drama de receber os salários com atraso. Mas esse é também um drama para a sociedade, que está deixando de receber, na forma de serviços, aquilo pelo qual ela paga e paga caro. Então, os servidores estão sofrendo, mas a sociedade está sofrendo mais. Não há nenhuma hipótese de restabelecer o equilíbrio de imediato. Não tenho uma bala de prata. A receita é menor do que a despesa, e o ajuste é um processo gradual e que exige muita persistência. Mas há uma injustiça nessa questão do parcelamento: hoje apenas servidores do Executivo sofrem com o atraso. Por quê? Por que um deputado, um juiz ou um promotor tem que receber primeiro do que um policial ou um professor?

 

Gazeta - Vence no fim do ano o aumento nas alíquotas de ICMS. O senhor, se eleito, prorrogaria?
Bandeira - Essa elevação na carga tributária foi um erro. Nosso problema não é de receita, mas de despesas. Entendo, porém, que reduzir imposto sem reduzir despesa seria irresponsabilidade, porque agravaríamos o deficit e os parcelamentos. O que eu defenderia, caso o governo propusesse, é a manutenção das alíquotas com redução gradual e imediata. Essa medida, somada à adesão ao Regime de Recuperação Fiscal e a suspensão do pagamento da dívida com a União por três anos, nos daria condições de normalidade para fazer as reformas. Mas se o governo não encaminhar, nós não encaminharemos.

 

Gazeta - Se o problema é a despesa, por onde o senhor começaria, considerando que a maior parte da folha corresponde aos inativos, que os servidores já recebem parcelado e que os professores não recebem o piso?
Bandeira - É por isso que eu digo que existe muito pouco espaço para cortar e que o processo de ajuste é uma jornada que exige persistência. O primeiro é garantir que a despesa não cresça. Temos de congelar as despesas e tomar todas as medidas necessárias, legislativas inclusive, para que a despesa não cresça.

 

Gazeta - Isso inclui salários?
Bandeira - Sim. Como vamos dar reajuste de salário em um Estado que não consegue pagar os salários? É uma insanidade. Qual é a empresa que, quando não tem recurso para pagar os seus empregados, aumenta a folha de salários? Ela desliga, mas o Estado não pode desligar, porque os servidores são estatutários. Da despesa do Estado, 79% é com pessoal e quase 60% da folha corresponde a inativos e pensionistas. Não tem como demitir inativos e pensionistas, então precisamos fazer a reforma no tempo, congelando e adotando as medidas para que o ambiente de negócios possa melhorar, o Estado possa ter crescimento econômico e, com isso, a receita aumente e gradualmente a gente possa fechar essa lacuna.

 

Gazeta - Os servidores não devem receber nem a inflação?
Bandeira - Claro, porque esse é o espaço fiscal que nós temos para recuperar gradualmente o equilíbrio entre receita e despesa. Veja, os trabalhadores comuns que pagam os impostos que sustentam o governo não estão recebendo reajuste. Estamos vivendo um período de baixa inflação, muitos perderam seus empregos. Como nós vamos, nesse ambiente, continuar dando reajuste? Boa parte do problema da irresponsabilidade fiscal beneficiou também os servidores, que ganharam reajuste acima da inflação, é preciso reconhecer isso. Os servidores públicos, mesmo os que detêm os menores salários, ganham mais do que o rendimento médio do trabalhador brasileiro, que é R$ 2,4 mil. Posso falar com tranquilidade porque fui servidor público de carreira. Ingressei em 1993 e, se tivesse continuado, daqui a cinco anos estaria aposentado com salário de ministro. Vocês acham isso justo?

 

Gazeta - O senhor defende privatizações. Na sua opinião, onde o Estado deve efetivamente atuar?
Bandeira - O Estado não deve ser empresário. Não deve ter nenhuma empresa, nada justifica isso.

 

Gazeta - Mesmo o Banrisul?
Bandeira - Mesmo o Banrisul. Eu fui presidente do Banrisul, conheço, sei da competência de muita gente de lá, fizemos um ano extraordinário na minha gestão. Mas veja: São Paulo, estado mais rico da federação, não tem um banco. Os paulistas estão piores do que os gaúchos porque São Paulo não tem um banco? Santa Catarina, nosso vizinho, está muito melhor do que a gente, está reduzindo impostos e atraindo empresas, inclusive do Rio Grande do Sul, e não tem um banco, federalizou o seu banco 20 anos atrás. Vocês acham que os catarinenses estão piores do que os gaúchos? Então, afinal de contas, pra que serve o Estado ter um banco? O que justifica o Estado ser dono de um banco e não conseguir nos dar segurança pública?

 

Gazeta - Considerando a necessidade que o senhor aponta de reduzir despesas, não seria o caso de sacrificar também as isenções fiscais?
Bandeira - Não, acho que precisamos de uma profunda revisão das isenções fiscais, que historicamente foram concedidas sem nenhum tipo de avaliação de impacto e retorno. Mas eu sou contrário a incentivos seletivos, que só causam distorções, mesmo por conta da guerra fiscal. Vale muito mais manter a carga tributária geral mais baixa e trabalhar para desburocratizar o Estado, ao invés de dar pequenos incentivos para determinados grupos.

 

Gazeta - Como seria a sustentação política do seu governo, considerando que a Assembleia seguirá dominada pelas forças políticas tradicionais, que o Novo tanto critica?
Bandeira - Acredito que a legitimidade tem que ser dada no voto. Eu tenho falado em todos os lugares onde vou que vamos fazer privatizações, combater privilégios, que se faltar recursos tem que faltar para todos, que vamos revisar as isenções fiscais, desburocratizar e reduzir drasticamente a estrutura de secretarias, tudo isso eu venho falando. Se ganharmos a eleição, ganharemos a legitimidade da maioria da população para fazer. Não há Parlamento que possa se opor.

 

Gazeta - O senhor já citou a segurança pública mais de uma vez. Como faria para resolver problemas como o deficit de efetivo nas polícias e o aumento na criminalidade?
Bandeira - Os três pilares de atuação para combater a criminalidade são o policial, o prisional e o judicial. O judicial não está na mão do governador, mas ele não pode abrir mão do seu dever cívico de pressionar o Congresso Nacional para aprovar medidas mais duras em relação à lei penal. Além disso, é muito importante a lei aprovada na semana passada, que permite que o empresário destine parte do seu ICMS para um fundo de reaparelhamento das polícias. Ao mesmo tempo, precisamos adotar medidas para recompor gradualmente o efetivo. Não dá para passar três anos sem contratar e fazer um grande concurso no último ano. Tem que ter regularidade de ingresso.

 

Gazeta - Sem elevar as despesas?
Bandeira - Esse é o único ponto que eu quero negociar com a União ao discutir o acordo de recuperação fiscal. A União impõe uma série de condições e uma delas é não repor funcionários além do ritmo de aposentadoria. Só que nós já perdemos muito na segurança, precisamos botar gente pra dentro. No entanto, o que podemos fazer também é criar incentivo para permanência e incentivo para aqueles que se aposentaram recentemente mas poderiam vir para desempenhar funções específicas. Por exemplo: tem cerca de 500 ou 600 brigadianos trabalhando em forças-tarefas especiais no Presídio Central e na PEJ. Por que não colocar, com incentivo, aqueles que já se aposentaram para operar nessas duas penitenciárias e liberar esse efetivo para voltar ao policiamento ostensivo nas ruas?

 

Gazeta - E quanto ao sistema prisional, que também enfrenta deficit de vagas?
Bandeira - Temos o compromisso de buscar recursos do Funpen, tem mais de R$ 4 bilhões disponíveis que esse governo e o anterior não buscaram. Queremos buscar para construir casas prisionais, uma delas dedicada exclusivamente ao Regime Disciplinar Diferenciado. Não é possível que a gente tenha que mandar líder de facção para fora do Estado. Vamos criar um RDD aqui, colocar essas lideranças lá e isolá-las, tirá-las do mercado.

 

Gazeta - Parcerias com a iniciativa privada para construir presídios?
Bandeira - Nós vamos resgatar uma PPP que montamos lá em 2009, sob minha liderança como secretário de Planejamento. Fomos conhecer os modelos de presídios mais eficientes do mundo e desenhamos um modelo em que o parceiro privado cuidaria de toda infraestrutura e hotelaria e onde o preso possa trabalhar e, no final, sair de lá com algum ofício e algum dinheiro. Isso pode ajudar na ressocialização e é muito mais fácil de fazer com uma PPP do que com uma prisão estatal. Não se abre mão do controle disciplinar e da supervisão da execução da pena, mas toda essa outra parte pode ser assumida por um empregador privado.

 

Gazeta - E qual modelo o senhor pretende aplicar na gestão de rodovias? Há um movimento que pede a concessão da RSC-287 para viabilizar a sua duplicação.
Bandeira - A EGR foi um dos maiores erros políticos recentes da história do Rio Grande do Sul. Não tem outra possibilidade que não extingui-la e vendê-la, se é que tem algum valor. E precisamos buscar interessados em investir nas estradas do Estado.

 

*As entrevistas com os candidatos ao governo do Estado foram produzidas pela Gazeta do Sul e compartilhadas com os jornais associados da ADI, a qual O Nacional faz parte.

 

 

Pedro Garcia e Ronaldo Falkenback
Gazeta do Sul/Associado ADI

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