Direitos previdenciários da população LGBTI vira tema de livro

Procuradora federal e servidor da INSS organizam livro que aborda questões jurídicas destinadas a esse público

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Um pedido de aposentadoria pode se transformar em uma grande dor de cabeça e uma batalha judicial para uma pessoa transexual. Isso porque não há posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) ou do Supremo Tribunal de Justiça sobre a matéria. Pensando nesta lacuna, a partir de um caso descrito em uma novela da Rede Globo, uma procuradora federal e um servidor do INSS coordenaram um livro que aborda essas questões jurídicas. I “Direito Previdenciário e a População LGBTI” foi lançado no site da Juruá Editora, no dia 8 de novembro.

“A sociedade brasileira, em geral, ainda tem muito preconceito sobre a temática, fruto tanto do desconhecimento quanto da intolerância de muitos. Esse preconceito também se estabelece no âmbito das leis, em especial as previdenciárias, pois ainda não há nenhum instrumento normativo que trate sobre a matéria”, explica Marianna Martini Motta, uma das organizadoras da publicação.

O objetivo do livro, que reúne artigos de diversos profissionais e pesquisadores da área, é justamente tentar ampliar os horizontes jurídicos no que se refere aos direitos deste público. “A coletânea pretende instigar a reflexão dos leitores sobre a questão previdenciária envolvendo a população LGBTI, ou seja, quais as implicações previdenciárias antes e após a mudança de sexo, por exemplo, além dos reflexos para a percepção de um benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez e/ou de salário-maternidade. Além disso, buscamos analisar a mudança de gênero perante a Lei de Custeio e, não bastasse, adentramos em aspectos relativos a precedentes judiciais nacionais e internacionais a respeito do tema, sem nos olvidarmos de abordar as questões relativas às perícias médicas previdenciárias envolvendo, principalmente, a população trans”, enfatiza Marianna.

Além da procuradora federal, o livro é coordenado por Adriano Mauss. Advogado, servidor do INSS e professor de pós-graduações, Mauss é mestre em Desenvolvimento pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Ele também é pesquisador de direito processual administrativo previdenciário, ex-chefe do Serviço de Benefício da Agência do INSS de Carazinho/RS e membro do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP.

Marianna, graduada em direito pela UFSM e mestre em Direito, Democracia e Sustentabilidade pela IMED, também é professora visitante de pós-graduações e cursos preparatórios para concursos. Ela concedeu entrevista sobre a temática ao jornal O Nacional. Confira o conteúdo na integra.

 

Como surgiu a ideia para trabalhar a temática e reunir os textos em uma única publicação (livro)?

A ideia para trabalhar a temática surgiu em razão da novela "A Força do Querer", transmitida em 2017, pela rede Globo, na qual tínhamos a personagem Ivana, biologicamente do sexo feminino, mas que, no decorrer da novela, se identificou como sendo do sexo masculino e veio a engravidar. Na época, comecei a refletir sobre os reflexos dessas questões no âmbito da Previdência como, por exemplo, se o direito ao salário-maternidade deveria respeitar o sexo biológico ou a identidade de gênero, bem como sobre a idade para aposentadoria, em caso de mudança de gênero ao longo da vida laboral, por exemplo. Convidei o Dr. Adriano Mauss, que é servidor do INSS em Carazinho que, prontamente, abraçou a ideia e, juntos, começamos o trabalho de coordenação do livro definindo a temática que seria explorada por cada um dos autores de modo a serem abordados tanto temas relativos ao custeio da Previdência, como aqueles relacionados aos benefícios em espécie e, ainda, a questão das perícias médicas e sociais, além de questões jurisprudenciais envolvendo Direito Previdenciário e a População LGBTI.

Quais os principais desafios da população LGBTI no que se refere a direito previdenciário?

Os principais desafios da população LGBTI no que se refere ao Direito Previdenciário estão intrinsecamente relacionados à falta de regulamentação dos seus direitos. Atualmente, se bater à porta da Previdência um pedido de aposentadoria de transexual, por exemplo, não temos lei específica e, provavelmente, o INSS indeferirá o pedido, devendo o segurado socorrer-se do Poder Judiciário para ter garantido o seu direito previdenciário e o seu direito fundamental à identidade de gênero.

Na descrição do livro, argumenta-se que não há nenhum instrumento normativo que trate da matéria no país. No atual contexto político, há perspectivas de mudanças?

Atualmente, tem-se posição jurisprudencial do STF e do STJ a respeito da possibilidade de ser alterado o registro civil (nome e gênero) independentemente da cirurgia de redesignação sexual, porém não se tem, ainda, mudança na legislação previdenciária para albergar esses casos. Acredita-se que, a medida em que esses casos começarem a chegar ao âmbito da Previdência, teremos, então, regulamentação específica à semelhança do que tivemos com as concessões de pensões a casais homoafetivos, isto é, concessão de pensão ao cônjuge supérstite em casos de uniões homoafetivas, tendo, primeiro, uma mudança jurisprudencial para, então, ter-se uma alteração na lei.

A Reforma da Previdência é uma das prioridades do próximo governo. Que movimentos precisam ser feitos para contemplar a população LGBTI nesta reforma??EUR<

A reforma da Previdência para vir ao encontro dos novos reclames da sociedade deverá, sobretudo, estar atenta às mudanças biológicas, sociais e culturais pela qual se tem passado. Do mesmo modo que se observa aumento da expectativa de vida do brasileiro e, com isso, a Reforma pretende alteração do limite de idade para aposentadoria, a Reforma da Previdência deverá contemplar temas que já se encontram sedimentados na jurisprudência do STF e do STJ e que terão impactos na Previdência como, por exemplo, o direito fundamental à identidade de gênero independentemente de cirurgia de redesignação social. Caso contrário, será mais uma Reforma que virá em descompasso com a atual dinâmica social, deixando, assim, o Legislativo, a possibilidade de regulamentar o tema e jogando sobre o Judiciário a responsabilidade da decisão.

 

O livro pode ser comprado direto no site da editora Juruá, pelo link: https://www.jurua.com.br/shop_item.asp?id=27365

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