Há uma semana no comando da Presidência da República, anúncios, promessas e medidas de Jair Bolsonaro (PSL) deverão trazer impactos a Passo Fundo e a região. Entre eles, está a questão das terras indígenas e a expectativa do mercado com a flexibilização ao acesso de armas de fogo. Confira, na reportagem, quais são as mudanças, possibilidades e reflexos em cada uma dessas pautas abordadas.
Áreas indígenas podem ser revistas
Os processos envolvendo demarcações e delimitações de áreas indígenas poderão ser revistos na região. A declaração é do procurador do Estado, Rodinei Candeia, que integrou o grupo de transição do governo de Jair Bolsonaro (PSL). O assunto veio à tona após a publicação de uma medida provisória, assinada pelo presidente recém-empossado, transferindo essas atribuições para o Ministério da Agricultura.
Até então, a responsabilidade pelas terras indígenas era da Fundação Nacional do Índio. As demais atribuições da Funai foram repassadas à pasta de Direitos Humanos. A regularização de terras quilombolas, função antes desempenhada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), também foi passado à Agricultura.
Na prática, essa mudança pode trazer consequências significativas para comunidades indígenas. Candeia alega que há irregularidades em reservas próximas de Passo Fundo e que algumas até foram revistas em função disso. “Aqui mesmo em Erechim, foi anulada uma demarcação porque houve irregularidades e até coisas grotescas no processo de identificação. Em Sananduva também foi anulado. O caso de Mato Castelhano não é muito diferente”, cita, como exemplo.
Segundo o procurador, a possibilidade dessas áreas serem reavaliadas é porque tais demarcações “foram mal feitas” e não obedecem a uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), conhecida como Marco Temporal. Porém, ainda não foi definido como serão feitas as revisões dos processos e como será procedido frente às possíveis denúncias recebidas. “Não foi montado como isso vai acontecer, é uma nova etapa e vai demorar algum período até que isso seja organizado”, esclareceu Candeia.
“Distorções e falta de credibilidade”
De acordo com o procurador, a decisão pela transferência da Funai foi oriunda de um levantamento que identificou “inúmeras distorções graves com autodeclaração de pessoas que não são indígenas, muitas invasões violentas de terras”, além de um clima de insegurança e violência.
Tal pesquisa apontou 126 fazendas invadidas no Mato Grosso do Sul e mais de 100 no sul da Bahia, conforme Candeia. Outra questão identificada pelo grupo foi a dificuldade em acessar os processos de demarcação. “A partir do momento em que é feita a invasão, pede-se que seja feita a demarcação e a Funai começa o processo. Monta um grupo de trabalho que é coordenado por um antropólogo terceirizado. Esse antropólogo geralmente é vinculado ao Centro de Trabalho Indigenista, que é uma das ONGs que patrocina todo esse movimento. Começa a correr dentro da Funai esse processo de delimitação e demarcação sem que ninguém tenha acesso até a finalização do último relatório”, explica.
Candeia argumenta que a Funai iniciava o processo, instruía-o e julgava, o que, segundo ele, acabava comprometendo a credibilidade e permitindo distorções. “Se está preocupado só com a demarcação, ou seja, de mais áreas e mais terras, e ninguém fala na qualidade de vida das comunidades indígenas. Eles estão hoje na miséria, com poucos aproveitando dos edifícios de arrendamentos e a grande maioria tem os piores índices de saúde, educação e desenvolvimento. Isso tem que ser o foco da Funai agora: como fazer para recuperar a cidadania e a dignidade das pessoas indígenas”, complementou.
“Se está preocupado só com a demarcação, ou seja, de mais áreas e mais terras, e ninguém fala na qualidade de vida das comunidades indígenas. Eles estão hoje na miséria, com poucos aproveitando dos edifícios de arrendamentos e a grande maioria tem os piores índices de saúde, educação e desenvolvimento”.
Rodinei Candeia, procurador do Estado e integrante da equipe de transição do governo Bolsonaro
Aumento de disputas
A decisão do governo Bolsonaro deve agravar os conflitos fundiários entre indígenas e agricultores, na opinião do professor e membro da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo (CDHPF) Paulo Carbonari. “Colocar a questão indígena, ou parte da questão indígena, sobretudo no que diz respeito à demarcação das terras, como responsabilidade do Ministério da Agricultura, que existe para os interesses dos ruralistas e que é comando por uma ruralista (Teresa Cristina) que historicamente tem tido posições contrárias aos indígenas no Mato Grosso Sul, é assumir um lado do conflito”, argumenta.
De acordo com Carbonari, a história dos povos indígenas no Brasil é marcada, ao mesmo tempo, por ataques sofridos, desde a chegada dos portugueses, e por resistência. “Há, nos últimos anos, um conflito aberto entre empresários rurais, conhecidos como ruralistas, e indígenas. É um conflito desfavorável aos povos indígenas, que têm tido perdas incríveis nas questões de demarcação das suas terras e das condições de organização da sua vida”, explica.
Por entender que os indígenas são a parte mais vulnerável nestas disputas, a entidade se posiciona em favor deles. “Essa decisão (de transferir a responsabilidade das demarcações de terras para a pasta da Agricultura) desfavorece aqueles que ao longo da história sempre estiveram do lado mais fraco. As pessoas sempre dizem que os Direitos Humanos estão contra as vítimas e a favor dos agressores. Nós estamos a favor das vítimas: os indígenas”, pontuao professor.
A postura da CDHPF, e de outras entidades de apoio aos direitos humanos, será o de acompanhar de perto os conflitos. “Houve uma missão, há dois anos, que avaliou a situação indígena aqui no sul do país. Nós estamos acompanhando isso e reportado aos órgãos de Direitos Humanos e ao Ministério Público e vamos continuar acompanhando. Eu entendo que é um dever nosso, como organização, defender aqueles que estão mais vulneráveis e serão mais atacados por essa decisão”, finaliza.
“Colocar a questão indígena, ou parte da questão indígena, sobretudo no que diz respeito à demarcação das terras, como responsabilidade do Ministério da Agricultura, que existe para os interesses dos ruralistas e que é comando por uma ruralista (Teresa Cristina) que historicamente tem tido posições contrárias aos indígenas no Mato Grosso Sul, é assumir um lado do conflito”, Paulo Carbonari, professor e representante da Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo
Terras indígenas no RS
As terras indígenas possuem quatro modalidades diferentes: Tradicionalmente Ocupadas, Reservas Indígenas (quando se destinam à posse permanente dos povos indígenas), Terras Dominicais (de propriedade das comunidades indígenas, havidas, por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da legislação civil) e Interditadas (aquelas interditadas pela Funai para proteção dos povos e grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito de terceiros na área).
Segundo dados extraídos do site da Funai, há 48 áreas indígenas em solo gaúcho. 44 estão na modalidade de tradicionalmente ocupadas. Destas, 18 estão em fase de estudo no processo administrativo e 17 estão regularizadas. As demais estão declaradas (7) ou delimitadas (2). As outras quatro áreas são consideradas reservas indígenas: três delas estão regularizadas e uma está em estudo.
Com flexibilizações prometidas, venda de armas tende a aumentar
Outra promessa de campanha, o presidente Jair Bolsonaro afirmou, nesta semana, que o decreto flexibilizando a posse de armas de fogo será publicado neste mês. Bolsonaro disse que o decreto vai tirar a “subjetividade” do Estatuto do Desarmamento. “Ali, na legislação diz que você tem que comprovar efetiva necessidade. Conversando com o [ministro da Justiça] Sergio Moro, estamos definindo o que é efetiva necessidade. Isso sai em janeiro, com certeza”, disse em entrevista ao SBT, a primeira após ter assumido a Presidência da República.
Ele disse que uma das ideias é comprovar a efetiva necessidade com base em estatísticas de mortes por arma de fogo. Assim, moradores de locais com altos índices de mortalidade teriam mais facilidade em adquirir armas. Além disso, o presidente quer aumentar o limite de armas por cidadão. Para ele, o limite de duas armas por pessoa pode ser aumentado, sobretudo para agentes de segurança. Nesse caso, o limite pode subir para “quatro ou seis armas”.
O decreto a ser editado pelo governo diz respeito à posse de arma de fogo, que permite ao cidadão ter a arma em casa ou no local de trabalho. Já o porte diz respeito à circulação com arma de fogo fora de casa ou do trabalho. Sem se alongar muito, Bolsonaro diz que também facilitará o acesso ao porte de arma. “A questão do porte vamos flexibilizar também, pode ter certeza. Podemos dar por decreto, porque tem alguns requisitos para cumprir. E esses requisitos são definidos por decreto”.
Mercado financeiro
O tema já era uma promessa de campanha de Bolsonaro e o compromisso já havia sido reiterado durante o discurso de posse, no dia 1º de janeiro. A fala do presidente movimentou o mercado financeiro já no primeiro dia útil do ano. Na quarta-feira (2), o dólar fechou em queda, com cotação em R$ 3,8087, uma variação negativa de 1,69%. Já a B3, bolsa de valores oficial do Brasil, iniciou o ano com alta de 3,56%, totalizando 91.012 pontos no fechamento de quarta, atingindo valor recorde. O recorde anterior, de 89.820 pontos, havia sido registrado em 3 de dezembro de 2018.
A promessa de flexibilização ao acesso de armas ao cidadão comum fizeram as ações da ForjasTaurus (empresa que fabrica armas) dispararem na quarta-feira. No índice Ibovespa, o aumento atingiu 50% no dia 2 de janeiro. Em 2018, a Taurus foi a empresa que registrou o maior aumento no valor das ações, com acréscimo de 180%.
No comércio também há expectativa de certo aumento na procura por armas. Otomar Neumann, proprietário de uma loja, que vende armas de fogo em Passo Fundo, acredita que o acréscimo deva acontecer nos primeiros meses após as alterações prometidas serem publicadas. Ele esclarece que atualmente não é proibido comprar armas no Brasil, apesar de haver algumas restrições. O processo passa pelo aval da Polícia Federal e envolve exames psicológicos e técnicos que comprovem capacidade para manuseio. O preço médio de uma arma varia, conforme o proprietário, custando entre R$ 1,2 mil e R$ 4,5 mil.
Segundo Neumann, uma das principais reivindicações e expectativa é em relação ao registro, que atualmente precisa ser renovado de cinco em cinco anos. A ideia é que não haja data de validade para o registro da arma. Outro ponto é em relação à importação de armas, hoje proibida no país. Espera-se que compra de outros países seja legalizada.
Processo na Polícia Federal
Para adquirir uma arma de fogo de uso permitido, a Polícia Federal estabelece uma série de condições e documentos. A idade mínima é de 25 anos (exceto para alguns cargos) e não ter antecedentes criminais (não responder a inquérito policial ou processo criminal). É preciso apresentar documentação de ocupação lícita e declaração da efetiva necessidade, justificando o pedido. Além disso, há comprovações de aptidão psicológica e de capacidade técnica para manuseio.