"O governo precisa reduzir o Estado e acertar a economia", diz Antônio Amantino

Historiador diz que maiores vítimas do descalabro do Estado são os mais pobres e que a resistência ao governo virá do Legislativo e Judiciário

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“Ao mesmo tempo em que as crises provocam sofrimento, elas promovem esperança, ainda que pareça contraditório.” A declaração foi dada pelo historiador e professor Antônio Kurtz Amantino, ao Jornal O Nacional, na entrada de 2017. Na época, ele afirmava que, “após tantos anos de uma política mais de esquerda, começam a surgir tendências mais liberais na sociedade brasileira. “Parece que, finalmente, estamos descobrindo que o Estado brasileiro transformou-se num fardo que os cidadãos brasileiros não conseguem mais carregar. Nosso Estado sofre de obesidade mórbida. Necessita urgente de uma cirurgia que possa diminuir seu tamanho”, declarou. Passados dois anos, ao iniciarmos 2019 e também um novo governo, alinhado a direita e ao pensamento liberal, Amantino fala de expectativas diante do novo cenário, em outra entrevista concedida ao jornal.


ON - O que esperar do governo de Jair Bolsonaro?
Antônio Kurtz Amantino - Seus eleitores esperam que ele cumpra o que prometeu. Os brasileiros, certamente, esperam que ele coloque a economia no caminho do crescimento, o que vai exigir a recuperação das finanças públicas e a diminuição do tamanho do Estado. Hoje, como todos sabemos, a União, os Estados e os municípios não tem a mínima capacidade de investimento. Todos sofrem com a precariedade dos serviços prestados pelo Estado, mas as maiores vítimas do descalabro dos serviços públicos são os mais pobres.

 

ON - O que pode ser determinante para o sucesso do atual governo?
Amantino - Recuperação das finanças públicas. Diminuição do tal de “custo Brasil”, a fim de destravar a economia. Hoje, o ambiente para quem quiser empreender no Brasil é profundamente hostil. Será uma tarefa difícil. Nosso mastodôntico Estado sufoca os brasileiros, especialmente aqueles que mais podem contribuir para a geração de riquezas. E também se transformou numa perversa máquina produtora de privilégios e concentradora de renda. E serão esses privilegiados, encastelados no setor público, notadamente no Legislativo e no Judiciário, que deverão oferecer a maior resistência às reformas que a sociedade brasileira terá de fazer.

 

ON – Então o fracasso seria determinado pelo rumo econômico?
Amantino – Exatamente, não recuperar as finanças do Estado pode significar fracasso. A superação da crise fiscal é condição indispensável para que o Estado nacional recupere a capacidade de investimento, especialmente nos serviços públicos (segurança, saúde, educação, infraestrutura). A história mostra que não são apenas as eleições que dão legitimidade aos governantes. O desenvolvimento econômico também faz isso. Um exemplo contemporâneo e muito eloquente vem da China e do Vietnã. Os dirigentes comunistas daqueles dois países perceberam que o desenvolvimento da economia era necessário para que eles permanecessem no poder. Mais uma das tantas ironias da história: os comunistas, que tanto pregaram contra o capitalismo e que mataram tanta gente para coletivizar a economia, resolveram apelar ao capitalismo para que possam se manter no poder.


ON - Quando o presidente disse em seu discurso que estava acabando com o socialismo no Brasil, que recado ele deu, na sua avaliação, como historiador?
Amantino - O Brasil sofre de uma presença nefasta do Estado sobre a economia, não só pelo excesso de regulamentações e burocracia, mas também pelo número de estatais. Diz-se até que o Brasil tem mais estatais do que a China. Verdade ou não, o fato é que a economia brasileira está longe de poder ser chamada de economia de mercado, embora não possa ser chamada de socialista. No entanto, há cerca de três décadas o Brasil vem sendo governado por socialistas. Os petistas, que ficaram por treze anos no poder, nunca esconderam sua preferência pelo socialismo, seja ele bolivariano ou castrista. O Foro de São Paulo deixava bem clara e explícita sua proposta de desenvolver práticas socialistas. A “presidenta” do PT foi a Venezuela prestigiar a posse do ditador Maduro. A propósito, vale lembrar que a mesma se recusou a ir a posse do presidente brasileiro, este sim indicado por eleições livres e legais. Os tucanos, por sua vez, arrepiavam as penas quando eram acusados de não serem socialistas e de pertencerem a um partido de direita. Deve ser essa a interpretação do que disse o presidente: a nova diretriz governamental será estimular a economia de mercado (capitalista). E nesse aspecto parece estar correto. Todas as experiências socialistas fracassaram em todo o mundo, da Rússia ao leste da Europa, da Cuba dos Castros à Venezuela do chamado “socialismo bolivariano” ou “socialismo do século 21”. A propósito, a lição histórica é muito clara: a economia de mercado, fundamentada na livre iniciativa econômica, é o melhor instrumento desenvolvido pela humanidade para gerar riqueza e, portanto, melhorar o bem-estar das pessoas. Até a esquerda, pelo menos aquela de bom senso, coisa rara em nossas plagas, está convencida disso. Os partidos de esquerda nas democracias mais modernas não propõem mais a estatização da economia. Se alguém tem dúvida sobre o que quis dizer o presidente quando falou em fim do socialismo no Brasil, preste atenção no que tem dito e proposto o “super-ministro” da economia, Paulo Guedes.

 

ON - O senhor acha que o ministro Paulo Guedes vai conseguir implementar uma economia mais liberal no país?
Amantino - Espero que sim, mas, como diz o ditado, o futuro a Deus pertence. Torço para que ele consiga, visto que a alternativa é o prosseguimento das desgraças nacionais. O cenário é positivo para suas propostas, pois há uma grande convergência sobre a necessidade de liberalizar a economia brasileira. “Quando não há alternativa a mente humana fica espantosamente clara”, já disse alguém cujo nome não lembro.

 

ON - O senhor consegue estabelecer relação deste momento vivido pelo país com outro da história?
Amantino - É difícil fazer essa relação. Desde a redemocratização talvez possamos lembrar as propostas do governo de Fernando Collor de Mello de maior abertura da economia brasileira.Aquele governo,como sabemos, não teve continuidade. Foi deposto por um processo de impeachment. O programa de privatizações do governo chefiado por Fernando Henrique Cardoso também pode ser lembrado. No entanto, os próprios candidatos tucanos que se seguiram a FHC negaram ou esconderam aquele programa. A julgar pelas declarações do ministro Paulo Guedes a transformaçãoproposta parece ser mais profunda do que as mudanças anteriores. Diz o ministro que haverá uma “mudança de eixo”, que “depois de 30 anos de aliança política de centro-esquerda, agora é uma aliança de conservadores em princípios e costumes, mas liberais na economia, uma centro-direita. Nossa democracia está capenga sem isso. (...) Vamos na direção da liberal-democracia.”

 

ON - O senhor acredita que Bolsonaro conseguiu, durante a campanha, revigorar um sentimento de amor pela Pátria?
Amantino - Manifestações entusiasmadas com bandeiras do Brasil e roupas com as cores verdes e amarelas indicam que sim, que houve um inequívoco sentimento de patriotismo.

 

ON - Como o senhor define o governo: de direita ou de extrema-direita?
Amantino - A expressão “extrema-direita” tem sido utilizada pelos adversários de Bolsonaro como forma de difamá-lo. Não há dúvida, no entanto, que tudo indica que será um governo de direita, de centro-direita para usar a expressão de Paulo Guedes. Essas expressões, esquerda e direita, perderam seu caráter objetivo e passaram a ser usadas, especialmente por quem se julga de esquerda, como armas para caluniar o adversário. É uma espécie de novilíngua, para lembrar George Orwell. Na verdade, como disse Mário Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura, a esquerda latino-americana configura os verdadeiros reacionários contemporâneos, uma vez que se opõe a todas asformas de modernização, pretendendo continuar a fazer crescer o Estado e prosseguir acreditando nas formas coletivas de economia. Não esqueçamos que a expressão esquerda nasceu na França durante o processo revolucionário iniciado no final do século 18 designando os partidários da reforma do Estado francês. Assim sendo, como definir entre nós aqueles que se opõem de forma tão convicta às reformas necessárias para o progresso nacional?Enfim, não é de bom tom entre nós uma pessoa ou governo se definir como de direita. Como disse Roberto Campos, a esquerda pretende ser a “categoria que, por (auto) definição, agruparia os inteligentes, os bons, os justos e quiçá os belos. As esquerdas não simpatizam apenas com os monopólios estatais. Reclamam para si o monopólio da compaixão e da sensibilidade social e pretendem, ridiculamente, que o burocrata imperfeito corrija as imperfeições do mercado.” Ainda de acordo com Roberto Campos, a única clivagem remanescente depois do fim da União Soviética e da queda do Muro de Berlim é entre liberais, que acreditam na economia de mercado e dirigistas, que se apegam ao mito do Estado benfeitor.

 

ON - Quem não está com o atual governo, hoje é taxado de petista, comunista. O senhor vê uma criminalização da esquerda no Brasil?
Amantino - É claro que os petistas e comunistas são os mais ferrenhos adversários desse novo governo. Mas é uma generalização inadequada dizer que todos que se opõem a ele são comunistas ou petistas. E também não é correto afirmar que toda a esquerda foi criminalizada. Entretanto, é verdade que os principais líderes do maior partido de esquerda no Brasil, o PT, estão ou estiveram na cadeia. Lula, sua liderança maior, está preso depois de ser acusado e condenado em duas instâncias, além de ser réu em outros processos criminais. José Dirceu, o segundo na hierarquia petista, também está condenado e já esteve preso. Palocci, outro dirigente graduado, está preso e é réu confesso dos crimes cometidos por seu partido. Dos tesoureiros do PT parece que não sobrou um que não tenha sido condenado e preso: Delúbio Soares, Paulo Ferreira e João Vaccari Neto.

 

ON - Qual é o papel da esquerda ou da oposição ao atual governo nesse contexto histórico?
Amantino - Isso cabe a esquerda responder. Acho que nesse ou em qualquer outro contexto histórico cabe as oposições desempenhar o papel de adversários do governo e não do Estado. É papel das oposições nos Estados democráticos fiscalizar e propor mudanças de rumo aos eventuais governantes.

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