Email do MEC enviado às escolas é questionado pelo MPF

Sugestão para que alunos fossem filmados durante a execução do hino e que carta com slogan de campanha de Bolsonaro fosse lida, foi revista pelo ministério

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Vídeo com alunos cantando o hino deveria ser enviado ao governoVídeo com alunos cantando o hino deveria ser enviado ao governo
Vídeo com alunos cantando o hino deveria ser enviado ao governo
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A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), que integra o Ministério Público Federal, encaminhou ontem pedido de esclarecimento ao ministro da Educação, Ricardo Vélez, sobre mensagem enviada a escolas do país. A PFDC solicita que o MEC apresente, em até 24 horas, justificativa do ato administrativo com base "nos preceitos constitucionais e legais a que estão submetidos todos os agentes públicos". A mensagem enviada pelo MEC solicitava que uma carta do ministro fosse lida para estudantes, professores e demais funcionários, e que os alunos ficassem perfilados para cantar o Hino Nacional. Na mensagem, pede que um representante da escola filme as crianças durante o ato e que as imagens sejam enviadas ao ministério e à Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República. A carta continha o slogan utilizado na campanha do presidente Jair Bolsonaro - “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”. Ontem, o MEC informou em nota que enviou uma nova mensagem às escolas, com uma carta sem o slogan de campanha. A pasta ressalta que o ato é voluntário, para as escolas que quiserem aderir. O MEC diz ainda que as imagens serão utilizadas mediante autorização dos pais e responsáveis.

 

Argumentos
De acordo com a procuradoria, a mensagem feriu o Artigo 5º da Constituição Federal, que assegura ser livre a manifestação do pensamento e que é inviolável a liberdade de consciência e de crença. "O mesmo artigo constitucional garante que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", disse em nota. O documento cita também Artigo 37 da Constituição Federal, segundo o qual a publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. A PFDC argumenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura à criança e ao adolescente o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

 

Repercussão
Para o advogado, Julio Pacheco, essa orientação vai em sentido oposto ao núcleo constitucional de Estado Laico – que assegura ao cidadão a liberdade de professar qualquer religião ou não crer em um Deus por conter, na mensagem final, a invocação a uma entidade religiosa. “Também afronta o princípio da autonomia dos entes federativos que têm suas atribuições e administração do ensino estadual e municipal. Quando invoca uma expressão de campanha eleitoral também lesa o princípio da impessoalidade da Administração Pública”, especifica.
A mensagem, classificada como “fatídica”, pelo professor e dirigente do CMP Sindicato, Eduardo Albuquerque, foi duramente criticada por profissionais da área educativa. “O problema não é cantar o Hino Nacional, mas gravar os alunos para, talvez, utilizar o material como propaganda política justamente porque o governo se contradiz ao manter um discurso de 'combate a uma doutrinação' nas escolas do país ao mesmo tempo em que insere um slogan de campanha”, sugere Albuquerque.


O presidente da Liga da Defesa Nacional de Passo Fundo, Gilmar Teixeira Lopes, se opõe. Para ele, a recomendação do ministro Vélez Rodrigues enaltece os símbolos pátrios nacionais. “A resolução é amparada em lei, e algumas escolas já adotam a entoação do hino. Isso ressalta o amor à Pátria e passa a defender os verdadeiros valores éticos e morais intrínsecos ao ser humano para que não haja doutrinação”, defende.


Esse debate motivado pelo conteúdo da mensagem é reflexo da agenda ultra-conservadora adotada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro ao se chocar com setores que adotam uma visões mais progressista da sociedade, como justifica o historiador e professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo (IFCH/UPF), prof. Dr. Adelar Heinsfeld. “A preocupação exacerbada com o patriotismo é própria de regimes autoritários, sejam eles de direita ou de esquerda. A História nos aponta que tentar impor um modelo de patriotismo é uma forma de ideoloutro aspecto negativo deste comunicado foi o de ignorar a construção histórica da Educação no Brasil, que sempre foi pautada por discussões amplas com os segmentos envolvidos na educação, como pais, estudantes e professores, por meio de planos em âmbito nacional, estadual e municipal, mas sempre ouvindo a todos. As imposições de cima, sem estudo e diálogo, não são reconhecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A medida é ilegal nesse aspecto.ogia”, destaca.


Cortina de fumaça
Os especialistas em Educação e Direito foram unânimes ao argumentar que a proposta não sugere nenhuma medida para combater aquilo que eles consideram problemas educacionais graves no Brasil, como a desvalorização ao professor, a falta de material e estrutura física para abrigar os estudantes e treinamento aos profissionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. “Outro aspecto negativo deste comunicado foi o de ignorar a construção histórica da Educação no Brasil, que sempre foi pautada por discussões amplas com os segmentos envolvidos na educação, como pais, estudantes e professores, por meio de planos em âmbito nacional, estadual e municipal, mas sempre ouvindo a todos. As imposições de cima, sem estudo e diálogo, não são reconhecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. A medida é ilegal nesse aspecto”, explica o advogado Julio Pacheco.


Em contato com a reportagem do jornal O Nacional, a 7ª Coordenadoria Regional de Educação, sediada em Passo Fundo, informou não registrar nenhum comunicado de escolas que tenham recebido e-mails com a orientação do MEC. As falas do ministro estão sendo analisadas pela Secretaria Estadual de Educação (Seduc), que irá se manifestar, assim como os sindicatos ligados à classe educativa, como CMP e Cepers.

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