Aplicar vivências holísticas e utilizar a experiência cooperativa num espaço de diversidades extremas e ambiente de disputas políticas acirradas parece complexo. Não para o deputado federal Giovani Cherini, PR, que consegue correlacionar estes temas na prática diária como parlamentar. Eleito deputado federal pelo PR para o terceiro mandato com 151.719 votos, cerca de 36 mil a mais do que em 2014, quando ainda estava no PDT, Cherini foi reconduzido à coordenação da bancada gaúcha no Congresso Nacional. Lidera pelo quinto ano consecutivo 30 parlamentares e 03 senadores de todos os partidos. Atribui ao novo mandato como coordenador ao fato de aplicar na política fundamentos que norteiam sua vida desde pequeno: o cooperativismo. Aos 58 anos, foi quatro vezes deputado estadual e está no terceiro mandato como federal. Deixou o PDT depois de contrariar orientação do partido, votando pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Hoje está filiado ao PR.
Fundador da Cooperativa de Líderes (espaço que trabalha a formação de jovens líderes), sempre esteve voltado para questões da saúde. Manteve por longos anos as casas de apoio para pacientes com câncer que precisavam se deslocar do interior para tratamento na Capital gaúcha ou em cidades pólo como Passo Fundo. Voltado a práticas místicas, é organizador do Encontro Holístico, que neste ano, está na 13ª edição. O evento será realizado de 15 a 17 de março, no Centro de Eventos da PUC. No ano passado, mais de seis mil pessoas participaram. Neste ano, o tema central será o autocuidado e 30 palestrantes estão confirmados. “O grande desafio é fazer na vida da gente o que pensamos que os outros devem fazer. Isso vale para a alimentação, atividade física e o consumo de água. Precisamos avançar no processo de autocuidado para o qual não estamos preparados”, disse Cherini durante a entrevista que concedeu ao Jornal O Nacional esta semana. Ele falou dos compromissos da Bancada Gaúcha, da reforma da previdência e do prazo que deu ao governo para mostrar a que veio.
ON - O senhor está sendo reconduzido à coordenação da bancada gaúcha pela quinta vez consecutiva. A que atribui a confiança dos parlamentares?
Cherini - Para liderar líderes, tem que saber tratar diferentes de forma igual e contemplar todos. Valorizar as diferenças e são muitas, já que temos deputados e senadores de todos os partidos. Nestes cinco anos sempre procurei contemplar todos os parlamentares. Emendas de bancada, por exemplo, são os deputados e senadores que indicam e não o coordenador como ocorre em outros Estados. Só para se ter uma ideia, no ano passado, conseguimos distribuir 576 máquinas para 336 municípios do Estado e todos os parlamentares fizeram indicações, eu só administrei. Mesmo quando tem uma emenda de bancada já destinada para infraestrutura como para BR 116, hospital São Lucas da PUC ou Santa Casa de Porto Alegre, a bancada é comunicada e participa. Essa é a forma que eu atuo. Faço um trabalho cooperativo. Eu nunca fiz campanha para ser coordenador. Quando eu estava hospitalizado (Cherini passou por um câncer em 2017 e ficou oito meses afastado) os deputados me procuraram e pediram o que deveriam fazer. Disse a eles que decidissem e que poderiam eleger outro coordenador. Fui reeleito por unanimidade no Hospital.
ON – Como é essa forma cooperativa de coordenação?
Cherini – Existem algumas regras e uma delas é pensar no bem comum dos gaúchos. Nós temos o nosso grupo e nele não podemos divulgar coisas pessoais, ações políticas partidárias. Cada um tem a tribuna ou o gabinete para fazer isso. Dentro da bancada debatemos o que nos une que são os grandes assuntos do RS como saúde pública, infraestrutura e questões que envolvem a governabilidade. Para este ano, a previsão é de que a bancada tenha um aporte de R$ 250 milhões para distribuir em emendas.
ON – Quais serão as primeiras ações da bancada neste começo de mandato?
Cherini - Duas delas já estão programadas. No dia 18 nos reuniremos com o governador Eduardo Leite, em um almoço, e depois com o presidente da Assembleia Legislativa, Luiz Augusto Lara. O tema central será a situação dos municípios e o nosso compromisso de lutar por um novo pacto federativo. Uma das promessas de campanha do presidente Bolsonaro foi fazer um novo pacto federativo, alterando a participação dos municípios na distribuição do bolo orçamentário. Hoje os municípios recebem 17% e o presidente chegou a falar em 30%. Se os prefeitos estão desesperados por um aumento de 1%, imaginem 30%? Eu fico muito triste de ver prefeitos virem a Brasília para brigar por emendas de 20, 30, 50 mil reais. No gabinete, chegamos a receber mais de 80 prefeitos por semana, todos de chapéu na mão em busca de recursos. Esta lógica tem que mudar e o pacto federativo é a única alternativa. O que não pode acontecer é usar os recursos para gastar em despesa de pessoal. Tem que haver um limitante e o dinheiro deve ser utilizado para educação, saúde, infraestrutura.
ON – Sobre a crise do Estado, como a bancada pretende se mobilizar?
Cherini - Mesmo o governo fazendo a reforma da previdência, que deve impactar nos estados, o Rio Grande do Sul precisa de dinheiro. Por isso que defenderemos um novo pacto federativo. Precisamos mexer no Fundo de Participação. Se não fizermos isso, não só os estados em dificuldades, mais 50% dos municípios não poderão pagar os salário dos servidores na metade deste ano.
ON – O presidente Jair Bolsonaro disse, durante a campanha, que queria acabar com a política do toma-lá-dá-cá. Com uma proposta de reforma da previdência tramitando no Congresso, isso é possível?
Cherini - O problema todo é saber qual é o conceito que se atribui ao toma-lá-dá-cá. Leva-se a entender que essa é uma prática de corrupção. Só que na política ela é uma estrada de duas vias. Tanto o Bolsonaro quanto os deputados foram eleitos pelo voto. É lógico que eu quero retribuir o máximo para os municípios que ajudaram a me eleger. Se esse toma-lá-da-cá significa emendas e essas emendas vão beneficiar os municípios e suas comunidades, então é uma prática de boa conduta da política. Hoje, por exemplo, estou trabalhando para liberar emendas para Passo Fundo: são R$ 400 mil para o Hospital de Clínicas, R$ 400 mil para o Hospital Municipal César Santos, e mais um Raios-X para o HSVP. Esse recurso vai beneficiar a comunidade. O que não pode ocorrer é quando a prática gera um benefício pessoal. Isso tem que ser abolido.
ON – Essa mão de duas vias que o senhor fala não envolve só emendas parlamentares, mas também indicação de cargos?
Cherini – Sim, exatamente. Quem vai indicar os cargos? Se não for indicação política, será técnica e se for somente técnico não vai funcionar. Eu vou dar um exemplo de como as coisas devem funcionar. Quando o ministro da saúde era Ricardo Barros, no governo passado, ele tinha cinco salas para atender audiências. Agora, no governo Bolsonaro, para marcar uma audiência para a BR 116, faz um mês e meio estou pedindo e não consigo porque é um técnico e ele não tem tempo, não tem sensibilidade política para atender. Ele não se importa se a pessoa fez mil quilômetros para chegar a Brasília. Ele olha a agenda e quando chega o fim do expediente ele vai embora. Um político fica até mais tarde para cumprir esta agenda. No Brasil tem uma coisa engraçada, ou é só político ou é só técnico. Não pode ser assim. A política responsável é necessária. É preciso mesclar a sensibilidade política com a atuação técnica. Um ministro deve ser político. O que conta é a responsabilidade pública que as pessoas devem ter, sejam políticos ou técnicos.
ON – O senhor foi apoiador da campanha de Jair Bolsonaro, qual é avaliação deste início de governo?
Cherini - O presidente se elegeu basicamente pelas redes sociais. Hoje tem disputas fortes dentro do PSL, entre os generais e em diversos espaços políticos. Não está fácil este começo, mas precisamos dar, pelo menos, seis meses de mandato para fazer uma avaliação. Depois disso, o governo não tem mais o direito de errar. Por enquanto está bem complicado. Mas tenho esperança que acerte. Hoje o governo não tem votos para aprovar a reforma da previdência, por exemplo. Seria um grande desastre. O governo não pode querer resolver os problemas do país com o aposentado rural, com o aposentado no INSS que ganha média de R$ 1,6 mil, enquanto que em outros poderes a média é de R$ 30 mil mensais.
ON – O senhor está cotado para ser relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça?
Cherini - Eu estou trabalhando neste sentido, porque acho que posso dar uma grande contribuição. Tenho um compromisso com a vida e com o futuro do país. O relator tem que ser um bom articulador e cuidador de pessoas. E isso acho que sei fazer: administrar conflitos humanos que acontecem aqui dentro. É preciso entender como funciona a correlação de forças. Hoje, com o regimento interno da Câmara, que privilegia as minorias, é bem fácil barrar matérias importantes como a reforma. Porque aqui, ser oposição significa votar contra o governo, nem que o projeto garantisse R$ 50 mil de salário para os aposentados. A relatoria requer muito cuidado e diálogo com a oposição, porque se a oposição não quiser votar, não vota nada.
ON – Qual é sua análise da proposta?
Cherini - É ousada. Mexe com a aposentadoria rural. Há uma facilidade para aposentadoria rural e o governo resolve isso na proposta. Mexe também com o aposentado urbano, militando a idade da mulher. Acho que o projeto tem gordura para gastar. Se o Brasil aprovar idade mínima de aposentadoria para todos, resolveria o problema previdenciário. O governo precisa dialogar para gastar esta gordura e não tentar colocar a sociedade contra os congressistas. A estratégia pode não funcionar.
ON – Passo Fundo não tem deputado federal há dois mandatos e o senhor sempre teve uma boa relação com a cidade. Fez aqui quase cinco mil votos em 2018. O senhor se sente comprometido com a cidade?
Cherini – Sou cidadão passo-fundense e me sinto parte da cidade, mas preciso que a população perceba que eu posso representá-la. Tenho conversado muito com o prefeito Luciano Azevedo. Ele é prefeito que tem pés no chão e nos próximos dias teremos mais um encontro para tratar de grandes projetos para o município.
Sobre o câncer
Em 2017 tive um câncer de garganta. Estou curado. Faço consultas de seis em seis meses e fiquei oito meses afastado do mandato. Desde que a doença foi diagnosticada, mudou tudo na minha vida. Faço o que posso fazer. Tendo saúde, estou feliz comigo mesmo. Estou mais tranqüilo. Aceito melhor as coisas, a vida. Aprendi muito com a dor e com a doença. Temos que ajudar a mudar o mundo, mas a partir de nós mesmos. Quando acontece uma coisa assim, a gente parece que fica no ar. O que eu fiz durante todo o tempo foi aceitar. E senti um pouco do que as pessoas que faziam quimioterapia passavam nas casas de apoio que ajudei a manter por muitos anos. Durante meu tratamento sempre tive condições de me locomover. Imagina quem saia de São Borja para fazer quiomioterapia em Porto Alegre. É um grande sofrimento. É por isso que a cada três pacientes, dois morrem. Um deles é porque o tratamento é muito duro. O desafio hoje é buscar tratamentos que não sejam estes, que movimenta bilhões para a indústria farmacêutica, mas que ainda são únicos no combate a doença. Nós precisamos trabalhar com a prevenção e é nessa caminhada que eu estou dedicado.