O PCdoB foi um dos 14 partidos que precisou se readequar para continuar vivo no cenário político nacional. A sigla não conseguiu alcançar a cláusula de barreira por muito pouco. A legenda fez 1,44% dos votos válidos na eleição passada, enquanto precisava chegar a 1,50%. Por conta disso, formalizou em recente congresso extraordinário, a incorporação do PPL. Uma força política com afinidade ideologia e que garante ao PCdoB a manutenção do Fundo Partidário, espaço em rádio e TV, a ampliação no número de filiados e representantes no Legislativo. E quem preside o partido no Rio Grande do Sul é o passo-fundense Juliano Roso. Na bagagem, uma experiência acumulada de atuação como vereador (três mandatos), vice-prefeito e um mandato de deputado estadual. Juliano foi eleito em 2014 com 17 mil votos, mas não se reelegeu no ano passado, mesmo ampliando a votação para 20,3 mil. “Já avaliamos o resultado e entendemos que três fatores contribuíram para não elegermos deputados federais e estaduais. E um destes fatores é de exclusiva responsabilidade do partido, que não soube mover as peças do xadrez”, diz. Juliano defende uma ampla frente de esquerda nacional para lutar pela democracia, mas diz que é preciso, antes disse, fazer uma profunda reflexão do resultado e do papel da esquerda no país. Juliano concedeu entrevista ao Jornal O Nacional esta semana.
ON – Como ocorreu a incorporação do PPL ao PCdoB? O que esse grupo trouxe ao partido?
Juliano Roso – Essa incorporação se deu em congresso extraordinária. É um partido que tem afinidade ideológica com o PCdoB. O PPL é o antigo MR8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) que foi ampliado quando o grupo deixou de ser um movimento para ser um partido, há cerca de 10 anos. Nessa transição, eles atraíram outros setores que não eram originários do MR8. O PCdoB foi um dos partidos a não alcançar a cláusula de barreira por muito pouco, 0,06%. Nós fizemos 1,44% dos votos, quando tínhamos que ter feito 1,50%. A incorporação nos permite superar cláusula de barreira, nos permite ganhar um deputado federal, dezenas de deputados estaduais, centenas de vereadores, prefeitos e mais 5 mil militantes no Brasil. Nossa direção tinha 129 membros, passa a ter 170 com ingresso de 41 do PPL. São cientistas políticos, pesquisadores, militantes de longa trajetória. Partido deu salto de qualidade muito grande, por que compartilhamos as mesmas defesas como um programa nacional desenvolvimentista e a defesa do socialismo. Dos municípios gaúchos, em Santa Maria é onde o PPL sempre teve muita força. Em Passo Fundo, o PPL tinha como liderança o Pai Cesar de Oxalá, que, assim como os demais passa a integrar o PCdoB.
ON - Como você está enfrentando este desafio de comandar o partido no Estado, neste momento político do país?
Juliano – Primeiro, estamos saindo de uma derrota política e ideológica que determina repensar os rumos da esquerda no Brasil. O PCdoB defende a construção de uma ampla frente política que restabeleça a democracia. Dentro desta luta temos outros desdobramentos como a defesa da aposentaria do povo brasileiro, não entrega das nossas riquezas ao capital internacional, a defesa da soberania nacional, mais do que nunca necessária, pela subserviência do governo Bolsonaro aos interesses aos Estados Unidos. Defendemos a indústria nacional, o petróleo brasileiro e a retomada do emprego, e acima de tudo a democracia que está sendo ameaçada.
ON – Há alguma relação do atual momento com a história mais recente do país?
Juliano - O momento que vivemos hoje é muito parecido com o da década de 1960. A propagação da ideologia antiesquerda, a busca por modelos americanos para o Brasil, o combate à violência pelo aspecto armamentista, que não vai solucionar nada, são alguns elementos que mostram que estamos passando por situações semelhantes dos anos 60. Quando você tem um governo que incentiva as pessoas a se armarem e passa a mensagem e recados de violência, isso atinge a população, é inegável. Esse caso que aconteceu na escola pública em Suzano, SP, obviamente que a responsabilidade não é do presidente da República, mas quando o presidente passa mensagens ao lado de crianças, visita fábricas de armas e pousa com armas na mão, isso cria um imaginário de violência no coletivo brasileiro. Precisamos retomar uma cultura de paz no Brasil.
ON – Como os partidos e lideranças de esquerda podem enfrentar as campanhas que atribuem ao socialismo todas as mazelas da sociedade?
Juliano - Não é uma novidade para nós. Nosso partido é combatido desde que surgiu em 1922. Vamos completar 97 anos no dia 25 de março. Nós enfrentamos isso na República Velha, com Getúlio Vargas, que inclusive decretou perseguição aos nossos militantes. Estivemos, nestes 97 anos, a maior parte na ilegalidade e clandestinidade. Então, a campanha não é uma novidade. A única forma de combater isso é mostrando para as pessoas os projetos e ações do partido que hoje, no Brasil, estão consolidados no estado do Maranhão, através do governador Flávio Dino de Castro e Costa, tratado nos bastidores como pré-candidato à Presidente da República. O governo do Maranhão é um dos melhores do Estado com o maior salário pago a professores, com investimentos sociais, em obras públicas e um projeto de desenvolvimento daquele estado que é o mesmo que queremos para o Brasil.
ON - Não te parece que há mais ódio envolvido nas manifestações?
Juliano - A gente percebe, porque vivemos nesta época. Mas quando conversamos com pessoas que militaram nos anos de 1960, tanto do MR8, no PCdoB e outras organizações, eles dizem que é muito parecido. A diferença que hoje temos as redes sociais que fazem com que as informações circulem com mais rapidez e muitas vezes são mentirosas.
ON – Já há precedente na história, é possível afirmar que é um ciclo? De que forma este momento será superado?
Juliano - Esse momento só vai ser superado se as forças políticas, sociais, organizações do povo brasileiro, entidades importantes como CNBB, OAB se unirem e tiverem como bandeira central a democracia. Tenho dito que existem várias frentes que precisam ser montadas neste momento no Brasil. A Frente em defesa da aposentadoria, em defesa do trabalho, da retomada da indústria nacional, da recuperação do dinheiro do SUS, da revogação da PEC do teto dos gastos, a frente de defesa da educação pública. Você tem inúmeras frentes que precisam ser discutidas. A frente dos direitos individuais, dos negros, LGBT, alternativa para a violência. Agora a frente mais importante é a que defenderá a democracia.
ON – Para mudar, tudo passa pelo Congresso. Até que ponto estas frentes tem pode de convencimento?
Juliano - Se as frentes tiverem respaldo social, sim. Se houver movimento importante no país, que tenha amplo setores, que não tenha sectarismo, que não tenha estreitismo, dono da verdade, hegemonismo, e que seja uma frente que receba todas as opiniões (...) porque tem muita gente que vai estar na frente em defesa da aposentaria e não estará na frente em defesa da democracia. Eu tenho certeza, por exemplo, que o governador Eduardo Leite, não estará na frente em defesa da aposentadoria porque acabou de fazer um movimento a favor da reforma da previdência, que acaba com a aposentadoria do povo brasileiro. Mas eu tenho certeza de que ele estará na frente pela democracia e das liberdades individuais. Então nós teremos que saber jogar com esta amplitude e com as contradições que existem, inclusive no governo central. Este governo tem quatro núcleos: o primeiro é formado pela clã dos Bolsonaro, os neo-pentecostais (Olavo de Carvalho); os militares que tem contradição com a ação que o Bolsonaro fez de entregar a Base de Alcântara aos EUA; O Sérgio Moro, clã da Toga, elemento fragilizado com desautorizações recentes; e a clã dos banqueiros que é quem manda no governo e é representado pelo Paulo Guedes com um objetivo de fazer a reforma da previdência. Este governo tem um propósito e um objetivo que é fazer a reforma da previdência e se ele conseguir, vai se fortalecer para outras batalhas que ele vai ter. Agora, se ele sofrer um revés, esse governo terá muitas dificuldades de atingir seus objetivos.
ON - Qual a avaliação que você faz do governo de Bolsonaro, até este momento?
Juliano - É muito cedo para fazer avaliação, não chegamos aos 100 dias. Mas o governo dá sinais de que tem muitas dificuldade. Um governo que tem muitas disputas internas, níveis de confronto. O próprio vice-presidente da República General Hamilton Mourão aparece, por incrível que parece, como mediador. E, ao mesmo tempo, é tratado por pessoas próximas do Presidente da República como um golpista que só está esperando a oportunidade. Então acho que é um governo que tem dificuldades, poucos cargos qualificados a exceção dos militares que são elementos que dão certa qualidade para o governo. Os filhos atrapalham muito, não se governa pelo Twitter. Muitas zonas de conflito e confronto e não trata do principal, miséria, fome e desemprego. Nenhuma força política fala disso como se o Brasil tratasse de outras pautas estranhas que não a principal que é a retomada do desenvolvimento. É um governo que joga muita cortina de fumaça, muito factóide para as pessoas ficarem debatendo isso nas redes e não trata do fundamental.
ON – E o governo de Eduardo Leite?
Juliano - O governador Eduardo Leite é um político muito habilidoso, tem muita qualidade pessoal, muita capacidade política... Obviamente que é um governo do ponto de vista do viés econômico neo-liberal com o qual temos contradição. Divergimos em relação ao fim do plebiscito e entrega de estatais. Mas ele tem um diferencial que é a capacidade de diálogo, tem conteúdo. Não tem nem comparação com o ex-governador José Ivo Sartori. Acho que ele é, inclusive, uma alternativa eleitoral do PSDB que passa por uma divisão muito grande.
ON – Baixada a poeira da eleição do ano passado, qual a avaliação que você faz do resultado do partido?
Juliano - Nós tivemos três episódios concretos que nos levaram a não ter uma cadeira na Assembleia e na Câmara dos Deputados. O primeiro foi a onda da direita conservadora e que obviamente nos atingiu, porque somos uma legenda e força política de esquerda. O segundo elemento foi a aliança com o PT que também nos atingiu, porque o anti-petismo no RS é notadamente muito forte. Nós poderíamos ter tido mais sucesso se tivéssemos uma aliança com o PDT ou com o PSB com quem construímos um bloco no Congresso Nacional que, inclusive, nos deu o principal espaço de oposição que é a liderança das minorias, exercida pela deputada Jandira Feghali. Mas o terceiro elemento é nosso: não soubemos jogar as nossas peças no tabuleiro. Montamos duas chapas uma de deputado federal com 26 nomes e outra para estadual com 21 candidatos. Faltaram cerca de 70 mil votos para atingir a legenda de federal e menos de cinco mil votos para fazer uma cadeira de deputado estadual. Cometemos um erro que é todo nosso. Não podemos responsabilizar outras forças ou conjuntura, mas precisamos olhar para dentro de nós e construirmos melhor nossas articulações.
ON – Alguma observação em relações a críticas que você recebeu durante a campanha e mesmo durante o mandato?
Juliano - Críticas são naturais para quem está na vida pública. A diferença que existem críticas e ataques. Os ataques têm origem muitas vezes na maldade e diferenças ideológicas que possam existir. Os ataques são sempre em tom negativos. Agora as críticas têm que ser assimiladas e refletidas. A minha disposição é a construção e o fortalecimento do PCdoB no RS e conseqüentemente aqui em Passo Fundo. É a isso que vou me dedicar nos próximos quatro anos.
ON - Vai voltar a concorrer?
Juliano - É muito cedo para dizer. Não tenho essa definição. Não me governo mais, dependo de um coletivo partidário que define nossas perspectivas. Queremos construir a candidatura da Manuela D´Ávila a Prefeitura de Porto Alegre, do Werner em Santa Maria e outras importantes no Estado. O meu nome poderá ou não a surgir numa discussão se houver interesse das forças políticas que temos prioridade de coligação como PSB, PDT e PT. São esses partidos com quem queremos construir nossas alianças. Hoje no Estado existem 44 cidades que detém 80% dos eleitores. O PCdoB tem 120 diretórios e destas 44 cidades, estamos presentes em 43 delas. Nosso objetivo é concentrar forças nas cidades pequenas onde temos tradição e nestas 44 com maior potencial eleitoral. A esquerda, neste momento, deveria sentar numa mesa e olharem estas cidades para construir alianças de consenso. E a outra prioridade do PCdoB é a montagem de chapas próprias para vereadores, a exemplo do que fizemos em Passo Fundo.
Sobre o resultado das eleições:
“Cometemos um erro que é todo nosso. Não podemos responsabilizar outras forças ou conjuntura, mas precisamos olhar para dentro de nós e construirmos melhor nossas articulações.”