A saída simultânea, dos três ministros das Forças Armadas, na terça-feira (30), representa um enfraquecimento para o governo Bolsonaro, avalia o professor de história da Universidade de Passo Fundo, o doutor, Adelar Heinsfeld. Ele lembra que As Forças Armadas sempre tiveram papel importante durante a República brasileira, porém, em nenhum momento houve fato similar a esse episódio.
“Não há precedentes de algo que tenha desencadeado um pedido de demissão dos comandantes das três Armas ao mesmo tempo”, afirma.
Para o historiador, o fato ilustra um descontentamento geral das tropas com o rumo da política adotada pelo presidente Bolsonaro. “O que nós podemos dizer é que há uma insatisfação dos militares de baixa patente com o presidente Jair Bolsonaro. Isso vem desde o ano passado, quando aconteceu o projeto da reforma da previdência militar, que previu o aumento salarial de até 73% aos oficiais, enquanto os militares de patente mais baixa teriam um reajuste de apenas 12%”, lembrou.
Para Adelar, este projeto causou uma insatisfação muito grande, e, embora o poder de decisão sempre esteja na mão dos oficiais do alto comando, é preciso considerar, segundo ele, que se instalou uma insatisfação geral da tropa com o presidente, e a história mostra que tropas insubordinadas também é um fator de desestabilização.
Projeto político
Adelar chama a atenção para outro fator a ser considerado nesse processo: a existência de uma tentativa de enquadrar as Forças Armadas em um projeto político. Conforme o historiador, é comum o presidente se referir às Forças Armadas com a expressão “o meu exército”, gerando um mal-estar entre generais, tanto da reserva como da ativa.
“O atual presidente teve uma vida dentro do exército bastante atribulada, inclusive, sendo expulso. Certamente os generais quatro estrelas não se sentem à vontade que um ex-tenente, expulso do exército, queira utilizar a própria instituição como uma arma política”, avalia.
Cabe lembrar que Jair Bolsonaro torna-se capitão somente ao sair do exército. No entendimento do professor, ficou claro o descontentamento quando, o agora ex-comandante Edson Pujol, diz que não admitiria a utilização do exército como arma política. Ele vai além, e diz estar evidente que “as Forças Armadas não estão dispostas a entrar em qualquer aventura, ou tomar qualquer atitude diferente do que está previsto na Constituição”.
“Nesta quarta-feira (31) é o aniversário do Golpe de 1964. Algumas pessoas fazem uma leitura de que há um ambiente de golpe no ar. Me parece que não, pois para mim, o presidente sai enfraquecido com esta situação. É preciso considerar que reformas ministeriais são previstas e são normais, e não é o fato de trocar cinco ou seis ministros que haveria uma instabilidade. O problema está na forma com que as coisas estão acontecendo, em especial, o pedido de demissão dos comandantes das três Forças Armadas, que indicam este distanciamento com o presidente”, explicou.
Adelar acredita que os próximos nomeados para assumirem os três comandos não entrarão em um projeto aventureiro. “O que se percebe é que, neste momento, a grande maioria dos generais é contra a utilização do exército enquanto arma política. Por mais que alguma figura aceite este engajamento, certamente não terá o respaldo da tropa”, esclareceu.
Fato sem precedentes
Após o pedido de demissão, muitas pessoas passaram a comparar a crise do atual governo com a crise vivida em 1977, quando o Ministro do Exército, Silvio Frota, entra em atrito com o presidente Ernesto Geisel e entrega o seu cargo.
O professor ressalta que os dois fatos precisam ser analisados de forma totalmente distintos, pois são situações completamente diferentes. “Sílvio Frota pretendia ser o próximo presidente da República, e o então presidente Geisel impediu. Mas toda a situação é diferente, pois vivíamos dentro de um regime militar, dentro dos cânones do AI5, e estávamos ainda no auge da ditadura”, explica. O atual contexto é muito diferente, pois o regime é democrático, e os comandantes militares estão caminhando de modo que se afastam de qualquer projeto político autoritário. “Quando Edson Pujol fala que não admitiria que o Exército fosse utilizado como arma política, ele segue um caminho totalmente oposto ao de 1977”, finalizou.