As eleições brasileiras contam, neste ano, com uma novidade que deverá influenciar de maneira decisiva as estratégias de campanha eleitoral traçadas pelos partidos. Devido à Lei 14.208/21, instituída através da reforma eleitoral do ano passado, pela primeira vez, partidos políticos poderão formar federações partidárias para atuar de maneira unificada em todo o país, como se fossem uma única agremiação partidária. A mudança na legislação permite, por exemplo, que duas ou mais siglas com afinidade programática estabeleçam uma união com o objetivo de apoiar candidaturas de forma conjunta, tanto nas eleições majoritárias quanto nas eleições proporcionais.
Embora pareça similar ao popular modelo de coligação partidária, a federação apresenta diferenças fundamentais em sua configuração. A principal distinção diz respeito à efemeridade das coligações partidárias. Elas foram extintas ainda em 2017 para as disputas proporcionais (que elegem deputados federais, deputados estaduais e vereadores), mas continuam válidas para as eleições majoritárias (para os cargos de presidente, senador, governador e prefeito), e permitem a união de siglas em torno de uma única candidatura durante o período das eleições. O modelo tem grande adesão porque, em razão do cálculo usado para determinar o número de cadeiras a serem atribuídos a cada sigla, ao concorrer em uma coligação, os partidos costumam ter maiores chances de vitória. Essa união, no entanto, é temporária e vale somente durante o período das eleições, podendo ser desfeita logo em seguida.
As federações partidárias, por outro lado, permitem que os partidos se unam para apoiar qualquer cargo, mas somente se assim permanecerem durante todo o mandato a ser conquistado. Ou seja, as siglas devem permanecer no mesmo bloco por, pelo menos, quatro anos, sob o risco de sofrerem uma série de sanções caso descumpram a regra. “A diferença fundamental entre as federações e as coligações é, justamente, que as federações se estendem por um período maior, enquanto a coligação pode representar uma aliança momentânea e de interesse apenas eleitoral”, esclarece o advogado e especialista em Direito Político, Eleitoral e Parlamentar, Bruno Amaral.
Afinidade
Justamente pela obrigatoriedade de permanecerem em uma mesma aliança pelo tempo mínimo de quatro anos, conforme mencionado pelo especialista, o ideal é que as federações sejam firmadas entre partidos com afinidade ideológica e programática. “Inclusive, porque esses partidos federados vão atuar juntos não só nas eleições, mas também no governo, durante o tempo que a lei impôs para que atuem juntos”, ressalta. A medida também diminui o risco de o eleitor ajudar a eleger um candidato de ideologia oposta à sua, como ocorria muitas vezes nas coligações em eleições proporcionais. Isso acontecia porque, ao votar em um candidato, devido aos mecanismos de transferência de votos do sistema proporcional, o voto era contabilizado para os partidos coligados e poderiam eleger candidato de outro partido, uma vez que as coligações podiam unir partidos ideologicamente diferentes.
Desafios em ano de campanha
Por todos os elementos mencionados, o novo modelo de ligação entre os partidos é uma das alterações legislativas mais marcantes nas eleições de 2022 e traz, por consequência, impactos muito profundos nas estratégias de campanha, na percepção de Bruno Amaral. “Se considerarmos dois fatores, já veremos como a federação é relevante para a estratégia dos partidos. O primeiro é que, uma vez federados, os partidos passarão a somar o tempo de propaganda em TV e rádio. Esse tempo, em uma eleição nacional, em território brasileiro, é muito relevante”, destaca. Outra alteração importante, segundo ele, se refere ao cálculo de quociente no sistema proporcional. “Os partidos federados vão somar os votos um do outro e contabilizar na eleição. Era o que já acontecia com a coligação, mas antes o voto do eleitor poderia ir para um candidato de ideologia oposta. Com as coligações, essa distorção deverá ser reduzida”, explica.
Desta forma, os partidos que se unirem precisarão adotar critérios para a campanha eleitoral que levem em consideração todas as regras previstas na legislação e que estejam alinhados entre as siglas de maneira nacional. Esse alcance nacional é mais um ponto que diverge das normas estabelecidas para as coligações partidárias, que têm abrangência estadual e, por isso, podem variar de um estado para outro. Os partidos já têm se mostrado atentos ao novo cenário. O advogado aponta que, desde a publicação da nova lei, diversas agremiações começaram a se movimentar para formar novas uniões, mas a tarefa pode ser bastante desafiadora em um país de dimensões tão grandes quanto o Brasil. “Os partidos precisam estar alinhados nacionalmente. É um modelo que tem suas dificuldades porque, às vezes, há um entendimento partidário no Rio Grande do Sul, mas não em Santa Catarina”.
Direitos e deveres
As federações se equiparam aos partidos políticos em direitos e deveres e devem possuir um estatuto próprio, com regras sobre fidelidade partidária e sanções a parlamentares que não cumprirem orientação de votação, por exemplo. As punições que se aplicam aos partidos políticos também são cabíveis às federações. Se algum partido integrante da federação deixar o grupo antes do prazo mínimo de quatro anos estará sujeito a diversas sanções, como por exemplo, a proibição da utilização dos recursos do Fundo Partidário durante o período restante do mandato. Se um parlamentar deixar um partido que integra a federação, recairá sobre ele as mesmas regras aplicáveis a um partido político.
Associação para atuar como um só partido
No desempenho dos trabalhos na Câmara dos Deputados e do Senado Federal, as federações funcionarão como um partido, tendo uma bancada própria, com lideranças formadas a partir do que está previsto no estatuto da federação e no regimento interno das respectivas Casas. Para efeito de proporcionalidade, as federações também deverão ser entendidas como partidos políticos, o que implicará, por exemplo, na distribuição e formação das comissões legislativas.
Para se associar em federações partidárias, as legendas deverão antes constituir uma associação registrada em cartório de registro civil de pessoas jurídicas, com personalidade jurídica distinta do partido. Nesse registro, as agremiações federadas deverão apresentar, entre outros documentos, a resolução tomada pela maioria absoluta dos votos dos seus órgãos de deliberação para formar uma federação.
Alianças podem favorecer partidos menores
O advogado e especialista em Direito Político, Eleitoral e Parlamentar, Bruno Amaral, explica que há uma série de teses que podem indicar o motivo do surgimento das federações partidárias. Uma das principais delas está ligada à cláusula de barreira, regra legal que limita a atuação de legendas que não obtêm determinada porcentagem de votos, com o objetivo de reduzir o número de partidos existentes no Brasil. Na prática, a norma acaba desafiando partidos menores, que tendem a enfrentar maior dificuldade em alcançar a porcentagem mínima de votos.
Com a Lei 14.208/21, no entanto, a cláusula deixará de ser calculada para cada partido individualmente e passará a valer para a federação como um todo. “A inconstitucionalidade das coligações nas eleições proporcionais, estabelecida a partir de 2017, fez com que as agremiações de pequeno e médio porte se vissem em um cenário de quase extinção em curto e médio prazo. As federações vêm para dar uma sobrevida a esses partidos. Por isso, particularmente, eu acredito que a cláusula de barreira seja um dos motivos fundamentais para o surgimento das federações”, avalia o advogado.
Mas há, ainda, um outro aspecto que pode ter motivado a criação de um novo modelo de união entre os partidos. “Quero crer que é também um certo amadurecimento dos movimentos políticos do Brasil”, prospecta o especialista. Isto porque, para ele, ao passo que as mudanças nas regras tentam limitar o número de partidos, com as federações, há também uma busca por encontrar pontos de convergência entre as siglas. “E aí existe uma tese, nesse cenário todo, que considera as federações como um teste para futuras fusões ou incorporações de partido. É uma aproximação de quatro anos para ver se dá certo. Ou, como um colega recentemente descreveu em uma conversa que tivemos, podemos dizer que as coligações eram um namoro, as federações são um noivado e as fusões seriam um casamento”, elucida.
PT, PCdoB e PV formam primeira federação partidária do país
A primeira federação partidária do Brasil, formada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Partido Verde (PV), foi formalizada na segunda-feira (18), quando as direções nacionais das siglas registraram o estatuto e o programa da Federação Brasil da Esperança (FE Brasil) — nome escolhido para a aliança. A associação, que apoiará o ex-presidente Lula nas eleições majoritárias, será comandada pela presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann. A primeira vice-presidenta será Luciana Santos (PCdoB) e o segundo vice, José Luís Penna (PV). O mandato é de um ano, com rodízio entre os presidentes de cada um dos partidos, podendo haver recondução por decisão unânime.
*Com informações do portal do TSE