Trabalhadores são aliciados para trabalho escravo

Ministério Público do Trabalho realiza audiência pública no próximo dia 24 para apresentar dados de levantamento sobre aliciamento de trabalhadores em condição de escravidão em Marau e São Domingos do Sul

Por
· 3 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Leonardo Andreoli/ON

Dois municípios da região estão entre as cidades com maior número de trabalhadores migrantes, encontrados em situação comparável à de escravidão no Estado. Marau e São Domingos do Sul foram mapeados como locais onde ocorre o aliciamento de pessoas. No dia 24 de setembro o Ministério Público do Trabalho (MPT) realiza audiência pública para a implementação do "Projeto de Atuação na Prevenção e no Combate de Aliciamento e à Intermediação de Mão de Obra no Meio Rural", às 14h, no auditório do MPT-RS em Porto Alegre (RS).

Problema
Um levantamento do MPT apontou que Marau e São Domingos do Sul são focos de aliciamento de trabalhadores, segundo denúncias e relatos. De acordo com a procuradora do Trabalho Sheila Delpino, o apontamento diz respeito ao aliciamento de trabalhadores. "Isso significa que o empregador busca os operários na cidade de origem deles, onde têm família e laços de convivência, e os levam para um local distante. Nisso identificamos a pessoa numa situação de vulnerabilidade, porque ela não tem a quem recorrer, não conhece o local e não tem como retornar", exemplifica. Marau e São Domingos do Sul são focos de aliciamento, por isso o MPT-RS pediu essa audiência pública como primeira medida para impedir a continuação da prática.
Além dos dois, foram convocados para a reunião os municípios (e sindicatos dos trabalhadores rurais) com maior número de trabalhadores migrantes, encontrados em situação análoga à de escravo no Estado segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE): Alegrete, São Jerônimo, Mostardas, São Gabriel, Uruguaiana, São José do Norte, Tavares, Cacequi e Redentora.

Escravidão
Para entender a caracterização do trabalho escravo contemporâneo é necessário se afastar de antigas concepções. Segundo Sheila, diversos fatores e situações caracterizam a prática. "Trabalho escravo é aquele no qual verificamos a submissão do trabalhador a condições de degradação, à vinculação por dívida e à colocação dele em lugares determinados em que não exista transporte público, dificultando a liberdade de ir e vir", esclarece.
Essas condições incluem ainda situação dos alojamentos, que devem ter condições mínimas de habitabilidade e higiene, de acordo com especificações legais - número de camas por dormitório, chuveiros adequados, privacidade, fornecimento de água potável, por exemplo. Com respeito à situação de vinculação por dívida, geralmente o empregador oferece ao operário aquilo que ele precisa no dia a dia com preços acima do praticado no comércio normal. "Isso cria uma dívida que o trabalhador não consegue pagar", pontua. Em diversos casos isso inclui a venda de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) que são de responsabilidade do empregador fornecer.

A definição atual adotada para a caracterização de trabalho escravo contemporâneo está ligada a condições degradantes de trabalho que configuram desprezo à dignidade, descumprimento dos direitos fundamentais do trabalhador, em especial os que se referem à higiene, saúde, segurança, moradia, ao repouso, alimentação ou outros relacionados a direitos de personalidade. Já a jornada de trabalho exaustiva é aquela que, por circunstâncias de intensidade, frequência e desgastes, cause prejuízos à saúde física ou mental do trabalhador, agredindo sua dignidade e que decorra de situação de sujeição que torne irrelevante a sua vontade.

Evento

A audiência pública do dia 24 se destina a dar implementação ao planejamento estratégico nacional do Ministério Público do Trabalho. Esse tipo de audiência já ocorreu em outras regiões com o objetivo de repassar à comunidade a questão do trabalho escravo contemporâneo e também combater as atividades de aliciamento. A procuradora responsável pelo evento esclarece que a partir disto se espera a chegada de denúncias. Na sequência, se organiza a força tarefa de resgate dos trabalhadores e a garantia de pagamento dos direitos trabalhistas.
O evento deve contar ainda com a participação da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/RS), Polícia Rodoviária Federal (PRF), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e das Secretarias de Direitos Humanos e de Defesa Social do Estado do Rio Grande do Sul.

Crime previsto no Código Penal
O artigo 149 do Código Penal Brasileiro prevê pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência, para quem reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. O parágrafo primeiro incisos um e dois aponta que nas mesmas penas incorre quem cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador com o mesmo fim. A pena é aumentada da metade, se o crime for cometido contra criança ou adolescente; por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

Gostou? Compartilhe