Leonardo Andreoli/ON
Dois municípios da região estão entre as cidades com maior número de trabalhadores migrantes, encontrados em situação comparável à de escravidão no Estado. Marau e São Domingos do Sul foram mapeados como locais onde ocorre o aliciamento de pessoas. No dia 24 de setembro o Ministério Público do Trabalho (MPT) realiza audiência pública para a implementação do "Projeto de Atuação na Prevenção e no Combate de Aliciamento e à Intermediação de Mão de Obra no Meio Rural", às 14h, no auditório do MPT-RS em Porto Alegre (RS).
Problema
Um levantamento do MPT apontou que Marau e São Domingos do Sul são focos de aliciamento de trabalhadores, segundo denúncias e relatos. De acordo com a procuradora do Trabalho Sheila Delpino, o apontamento diz respeito ao aliciamento de trabalhadores. "Isso significa que o empregador busca os operários na cidade de origem deles, onde têm família e laços de convivência, e os levam para um local distante. Nisso identificamos a pessoa numa situação de vulnerabilidade, porque ela não tem a quem recorrer, não conhece o local e não tem como retornar", exemplifica. Marau e São Domingos do Sul são focos de aliciamento, por isso o MPT-RS pediu essa audiência pública como primeira medida para impedir a continuação da prática.
Além dos dois, foram convocados para a reunião os municípios (e sindicatos dos trabalhadores rurais) com maior número de trabalhadores migrantes, encontrados em situação análoga à de escravo no Estado segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE): Alegrete, São Jerônimo, Mostardas, São Gabriel, Uruguaiana, São José do Norte, Tavares, Cacequi e Redentora.
Escravidão
Para entender a caracterização do trabalho escravo contemporâneo é necessário se afastar de antigas concepções. Segundo Sheila, diversos fatores e situações caracterizam a prática. "Trabalho escravo é aquele no qual verificamos a submissão do trabalhador a condições de degradação, à vinculação por dívida e à colocação dele em lugares determinados em que não exista transporte público, dificultando a liberdade de ir e vir", esclarece.
Essas condições incluem ainda situação dos alojamentos, que devem ter condições mínimas de habitabilidade e higiene, de acordo com especificações legais - número de camas por dormitório, chuveiros adequados, privacidade, fornecimento de água potável, por exemplo. Com respeito à situação de vinculação por dívida, geralmente o empregador oferece ao operário aquilo que ele precisa no dia a dia com preços acima do praticado no comércio normal. "Isso cria uma dívida que o trabalhador não consegue pagar", pontua. Em diversos casos isso inclui a venda de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) que são de responsabilidade do empregador fornecer.
A definição atual adotada para a caracterização de trabalho escravo contemporâneo está ligada a condições degradantes de trabalho que configuram desprezo à dignidade, descumprimento dos direitos fundamentais do trabalhador, em especial os que se referem à higiene, saúde, segurança, moradia, ao repouso, alimentação ou outros relacionados a direitos de personalidade. Já a jornada de trabalho exaustiva é aquela que, por circunstâncias de intensidade, frequência e desgastes, cause prejuízos à saúde física ou mental do trabalhador, agredindo sua dignidade e que decorra de situação de sujeição que torne irrelevante a sua vontade.
Evento
A audiência pública do dia 24 se destina a dar implementação ao planejamento estratégico nacional do Ministério Público do Trabalho. Esse tipo de audiência já ocorreu em outras regiões com o objetivo de repassar à comunidade a questão do trabalho escravo contemporâneo e também combater as atividades de aliciamento. A procuradora responsável pelo evento esclarece que a partir disto se espera a chegada de denúncias. Na sequência, se organiza a força tarefa de resgate dos trabalhadores e a garantia de pagamento dos direitos trabalhistas.
O evento deve contar ainda com a participação da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE/RS), Polícia Rodoviária Federal (PRF), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e das Secretarias de Direitos Humanos e de Defesa Social do Estado do Rio Grande do Sul.
Crime previsto no Código Penal
O artigo 149 do Código Penal Brasileiro prevê pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência, para quem reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. O parágrafo primeiro incisos um e dois aponta que nas mesmas penas incorre quem cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador com o mesmo fim. A pena é aumentada da metade, se o crime for cometido contra criança ou adolescente; por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.