Como entender a situação da Doux Frangosul?

Empresa emprega milhares de pessoas e movimenta uma cadeia produtiva inteira na região. Crise com os produtores gera preocupações em diversos setores

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Leonardo Andreoli/ON

A Doux Frangosul de Passo Fundo gera milhares de empregos, está entre as dez maiores de Passo Fundo em valor adicionado e movimenta uma cadeia produtiva inteira. Uma crise entre a empresa e os avicultores de todo o Estado é motivo de preocupação em diversos setores econômicos. Especulações apontam para um desinteresse do grupo em possíveis negociações com outras empresas. A assessoria de imprensa da empresa diz que não há nenhuma intenção dos acionistas em venda das operações do Grupo no Brasil. O Nacional conversou com alguns representantes de entidades do setor na busca de respostas sobre a crise.

Situação interna
A crise com os avicultores ainda não tem reflexo com os colaboradores internos da empresa. Conforme o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Alimentícia de Passo Fundo, Miguel dos Santos, até o momento o problema não atingiu os trabalhadores da unidade de Passo Fundo. “O pagamento e o abate estão normais. Mas há a preocupação. No momento em que os produtores anunciaram que vão parar de fornecer o frango, isso vai atingir os funcionários”, avalia.
Entre as questões que mais preocupam Santos, estão os boatos sobre as negociações envolvendo a Doux e outros grupos. “Há empresas interessadas em assumir o abatedouro. O boato é forte”, pontua. Para obter mais informações sobre esta situação, foi solicitada uma reunião com a gerência da sede da empresa em Montenegro. “São mais de 2 mil funcionários diretos. A nossa preocupação é essa. Estamos acompanhando o desenrolar com os produtores. Isso pode mais adiante atingir os trabalhadores. Por isso solicitamos essa reunião em Montenegro e queremos saber da direção qual é a situação”, justifica. Nesta semana os avicultores encaminharam a notificação à empresa. O documento informa a paralisação no alojamento de novos lotes de aves.

Acompanhamento da crise

O presidente da União Brasileira de Avicultura (Ubabef), Francisco Turra, explica que a entidade acompanha a associada na busca de soluções. No entanto ele é otimista com o desenrolar da crise – que não afetou apenas o grupo francês - e acredita que ela se encaminha para uma solução. A Doux tem 15 fábricas no Estado e três no Mato Grosso do Sul. Ela é a terceira maior processadora de carne de frango do Brasil. O volume de negócios da empresa no ano passado foi de  R$ 1,6 bilhão e gera 25 mil empregos diretos no país e tem quase 3 mil integrados. “A empresa sempre teve, até a crise de 2009, desempenho importante e saudável”, diz. O governo Gaúcho e outras entidades foram acionados na busca para uma solução para o problema.

A empresa
Sobre o caso a empresa se manifestou por meio de um comunicado oficial. “A Doux Frangosul esclarece que vem realizando diariamente pagamentos de lotes e está empenhada em regularizar os prazos com os produtores integrados no menor tempo possível. A empresa reforça que tem trabalhado intensamente com o intuito de trazer normalidade para as operações no Brasil”, diz a nota.

Vantagem brasileira
As vantagens oferecidas pelo Brasil em espaço e mão-de-obra são fatores que atraem investidores internacionais. A doutora em economia e professora da UPF, Cleide Moretto, explica que a situação da empresa se enquadra no contexto do modelo de produção com abertura ao capital produtivo externo. “Esse é um movimento que se acirrou nas últimas duas décadas, por meio da atuação das chamadas transnacionais. A concentração de capital, que ultrapassa as fronteiras nacionais, permite a adoção de estratégias empresariais mais lucrativas, sobretudo quando se considera a otimização dos insumos de produção (mais baratos) com a possibilidade de expansão de mercado em nível mundial. Nesse sentido, o nosso país apresenta vantagens de espaço físico e, sobretudo, de mão-de-obra para se atingir as metas”, esclarece.

Monopólio de mercado
As boas perspectivas para os inúmeros produtores rurais que encontram no modelo de integração produtiva uma garantia de renda começam a esbarrar na monopolização do mercado. “A empresa se torna a principal tomadora de decisão, em nível de tecnologia de produção, dos padrões de qualidade exigidos, dos insumos fornecidos e do preço estabelecido”, completa. Nesse tipo de mercado, quando a empresa apresentar problemas, ela terá outras estratégias e instrumentos para obter o retorno esperado. Até mesmo em outros territórios. “Esses inúmeros ‘proprietários-trabalhadores’ ficam vulneráveis não apenas em nível do processo produtivo, mas da possibilidade de obter sua renda, sobretudo porque o modelo de integração geralmente absorve ou substitui outras atividades desenvolvidas pelo produtor do setor primário. Quem normalmente perde são os pequenos produtores”, observa.

Perdas com o câmbio
Os representantes de entidades que se reúnem com a gerência da empresa, enfatizam que eles alegam problemas com os pagamentos em decorrência de perdas com o câmbio. Moretto explica que no último ano houve uma valorização do real e com isso os produtos exportados ficaram mais caros. “Entretanto, dentre os diversos setores exportadores, podemos dizer que os que menos perdem, ainda, são aqueles responsáveis pela produção primária ou a indústria alimentícia, pois o valor do produto, comparado ao de outros países, continua competitivo”, pontua. Ela aponta que mesmo com o câmbio desfavorável aos compradores, os produtos alimentícios brasileiros, ainda apresentam preços baixos, principalmente nestes setores. “Basta examinarmos os recordes das exportações do país em 2010”, finaliza.
 
Entrevista – Francisco Turra
O presidente da Ubabef, Francisco Turra, pontua que a cooperação será fundamental para a superação da crise. Ele também elenca o crescimento do setor para os próximos anos com um dado relevante para a recuperação. Segundo ele, a produção de proteína animal do Brasil deve suprir 40% da demanda que o mundo terá nos próximos anos. Além disso, o comportamento do mercado, interno e externo, é favorável, uma vez que volume de vendas de carne de frango – junto à suína - foi aumentado em decorrência da escassez da carne bovina. Confira a entrevista:

O Nacional – Existem negociações da Doux com outros grupos?
Francisco Turra -
Pelos levantamentos que fizemos, não há absolutamente nada de concreto sobre negociações em andamento. Não tenho dúvida que se os controladores optassem pela venda surgiriam compradores pela excelência das plantas e pelo bom desempenho do setor.

ON - O que o fechamento de uma empresa do tamanho da Doux Frangosul representaria para o Estado e principalmente para a região de Passo Fundo?
FT -
O fechamento de uma empresa sempre é perverso e seus efeitos variam pela importância. Imaginem o que seria destruir toda uma estrutura avícola, integrados, transportadores, terceirizados e a empresa. Inimaginável pensar e impossível calcular o dano. Não podemos trabalhar com esta hipótese.

ON - Existem empresas capazes de absorver os excedentes de capacidade de produção e de pessoas que ficariam desempregadas caso a crise se agravasse e a empresa fechasse as portas?
FT -
Num primeiro momento não há como acomodar produção, industrialização pelo porte da empresa Doux. Também os problemas atuais de logística seriam um complicador. Não se trata de absorver uma parte do negócio, porque isto não contemplaria a necessidade de abrigar toda essa estrutura.
 
ON – O senhor afirmou várias vezes que a crise deverá ser superada.  Como deve ocorrer esse processo?
FT -
A crise é cíclica. 2009 foi ano de crise e já vivemos muitas. A crise deixa sempre vítima e empresas surpreendem crescendo na crise e outras capitulam na crise ou depois. Mas temos que entender que na vida das empresas, as melhores do mundo, sempre há períodos de dificuldades e tanto a empresa quanto os que dependem dela devem trabalhar sempre com espírito de recuperar e não de perder, de entregar. Assim devemos pensar sobre a Doux Frangosul que no Brasil tem uma atratividade grande e sempre foi dirigida por pessoas honestas e bem intencionadas. Lá fora não conheço, mas mesmo o controlador Charles Doux sempre me causou a melhor das impressões e seu conceito na Europa é o melhor imaginável.

“Não podemos abrir mão da Doux em Passo Fundo”
Para o secretário de Desenvolvimento Econômico, Marcos Cittolin, a empresa representa uma das cadeias produtivas importantes para a região. “Ela movimenta desde uma cadeia de ração produção de frango no setor primário, mas o grande impacto é a indústria. Ela é uma das grandes contribuintes no retorno de ICMS do município e também é uma das grandes empregadoras, especialmente o emprego de menor qualificação que é importante pra nós. É um emprego que traz uma massa salarial que irriga o comércio e o mercado local”, observa. A Doux, junto com a Semeato, a Kuhn e a Bunge, colocam a cidade em um importante patamar de exportações, por isso é considerada estratégica para o município.  “Sabemos que o Grupo Doux é forte e está passando por uma sazonalidade, um momento de dificuldade”, opina o secretário. Cittolin lembra ainda que até o momento a crise da empresa envolve as cidades nas quais estão concentrados os produtores rurais. Em Passo Fundo o impacto será maior se a crise persistir e atingir o funcionamento interno da empresa.

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