O Dumont dos pampas

Orville Alberti é um fotógrafo que há quase duas décadas encontrou um jeito de saciar o desejo de voar cultivado desde a infância. Ele constrói os próprios aviões

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Leonardo Andreoli/ON

Na história humana muitos foram os homens e gênios que tentaram alçar voo. Dos equipamentos estranhos e desengonçados a algo que realmente pudesse voar por meios próprios foi uma longa trajetória. Depois que Santos Dumont criou o 14 Bis, o homem quebrou o limite de onde poderia chegar. A aviação se tornou um desafio de inovação que ainda não está completamente desenvolvido e fascina as pessoas. Há cerca de 100 quilômetros de Passo Fundo, em Guaporé, um homem com 58 anos faz da paixão pelos vôos um desafio constante. Impulsionado pelo sonho de criança, ele é quem monta as próprias aeronaves. Até hoje já construiu quatro aviões experimentais.

Fotógrafo aviador
Se chegar na cidade você perguntar pelo Orville provavelmente ninguém saberá de quem se trata. No entanto, se perguntar pelo Alberti boa parte da população saberá indicar o caminho até o estúdio fotográfico que ele administra há mais de duas décadas. Orville Alberti, como tantas pessoas, cultivou o desejo de voar desde pequeno. No entanto, o primeiro voo de verdade só foi realizado na década de 1990, quando ele contratou um avião e um piloto para fazer fotos aéreas da cidade.
Naquele dia ele decidiu que faria o curso e tiraria o brevê para piloto. O próximo passo foi comprar um ultraleve do qual ele não tem boas lembranças. Um amigo, que fez o curso com ele, fazia um teste com o avião que consistia em pegar impulso, tirar o avião do chão e pousar em seguida. “Ele pegou impulso e tirou o avião do chão, mas levantou muito e ficou com medo de pousar. Ele saiu do chão e voou por um tempo quando o avião perdeu velocidade e caiu em cima de uns eucaliptos”, conta. Apesar do acidente ele só teve alguns ferimentos.

O primeiro
O primeiro avião construído por Alberti foi em sociedade com amigos de outra cidade. A experiência também não foi boa. Além dos gastos excessivos até hoje o avião não foi homologado pela Aeronáutica. Ele decidiu então que construiria um avião sozinho. E fez. Depois de pronto o modelo Paulistinha foi vendido para um comprador de Carazinho, revendido e hoje está em Porto Alegre.

Quanto custa
O custo para construir o próprio avião fica em torno de R$ 30 mil e muita mão de obra e dedicação como define Alberti. “A parte de fibra e de lata é toda feita por mim. As partes que necessitam de torno eu mando fazer em uma mecânica. Algumas peças eu compro. O mais difícil é conseguir os equipamentos. Tenho um amigo que me traz algumas coisas do exterior”, explica.

A buzina do avião
Construir o próprio avião permite inovar e dar toques pessoais. Isso inclui desde a escolha das cores da aeronave, bancos, tecido e forma do painel. A segunda aeronave construída por ele foi um KR2 que foi vendida e hoje está em Bento Gonçalves. O KR2 era equipado com uma buzina que rendeu boas histórias. “Tenho um cunhado que mora no interior. Sempre que eu ia voar eu passava por cima da casa dele e buzinava. Geralmente eu voo nos domingos de manhã. Quando ele tinha alguma visita e ouvia o barulho do motor ele dizia: ‘quer ver que esse avião vai buzinar pra mim?’. A visita sempre duvidava e ele completava: ‘vamos apostar um churrasco então?’. Ganhou muito churrasco nas minhas costas”, brinca em meio a gargalhadas.
A buzina também causou uma confusão familiar em Casca. Alberti foi até a cidade para fazer fotos aéreas. Na volta pra casa aproveitou para sobrevoar a casa de alguns parentes e dar a tradicional buzinada. Uma vizinha que colocava a roupa no varal ouviu. Ela contou a história em casa, o marido não acreditou e chegaram a discutir. “Quando eles comentaram com os meus parentes eles logo ligaram pra mim e eu confirme que tinha passado e buzinado. A mulher se cobrou do marido”, conta.

Coincidências
A primeira tentativa de voar foi muito parecida com a história de Ícaro na mitologia grega. Ao invés de asas de cera de abelha e penas de gaivota, Alberti improvisou tábuas amarradas aos braços e uma corrida morro abaixo para o impulso. Não deu certo. Mais tarde ele descobriu que as coincidências não paravam por ai. O sobrenome Alberti é parecido com o primeiro nome de Santos Dumont, Alberto. O primeiro nome, Orville é igual ao de um dos irmãos Wright – uma dupla de aviadores norte americanos criadores do Flyer 1, reconhecido na maioria dos países do mundo como o primeiro de um aparelho voador controlado mais pesado que o ar.

Dedicação
Desde 2009, Alberti trabalha na construção de outro avião. Ele está praticamente pronto, no entanto ainda não voou. Para poder voar, uma aeronave experimental precisa ser homologada pela Aeronáutica. Um engenheiro faz a vistoria do aparelho e emite um laudo que autoriza 70 horas de testes. Posteriormente a aeronave ganha um prefixo definitivo para voar.

Amante
Antes de sair do chão é necessária muita dedicação do construtor. As manhãs de domingo que antes eram dedicadas ao descanso, agora se dividem com o trabalho no hangar do Aeroporto de Guaporé. Tanta dedicação também já causou ciúmes em casa. “Uma vez quando alguém ia lá em casa e perguntava por mim a minha esposa dizia: ‘tá lá no aeroporto com a amante dele’”, lembra. A paixão pela construção de aviões faz ele querer ir cada vez mais longe. Mesmo antes de acabar este projeto ele já pensa no que vai desenvolver depois.

Retorno
Ele destaca que algumas pessoas pensam que ele trabalha pelo valor que ganha com a venda dos aviões. Ele desmente: “a gente recupera o investimento, mas é mais pelo capricho de fazer. É ilusório ganhar dinheiro”. O último avião é uma réplica do modelo Piper PA 20, com quatro lugares, com motor AP de 120hp de Santana. Ele pode voar a 140 quilômetros por hora. O tanque de combustível de 45 litros tem autonomia de três horas.

Primeiro voo
O primeiro teste no ar com cada avião construído é um momento de emoção. “É uma adrenalina. Porque tu não sabe como ele vai se comportar”, admite. Alberti explica ainda que os aviões experimentais não são controlados pelo tráfego aéreo. A altitude máxima de voo é de três mil pés. A orientação é praticamente toda visual. Este tipo de aeronave também não pode aterrissar em aeroportos como o Salgado Filho, em Porto Alegre, que exigem equipamentos mais sofisticados para operação.

Anac
As estatísticas da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) apontam que no Brasil existem cerca de quatro mil aeronaves experimentais registradas. O código Brasileiro de Aeronáutica define aeronave experimental aquela fabricada ou montada por construtor amador.


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